NÉLIDA PIÑON - Colheita

Um rosto proibido desde que crescera. Dominava as paisagens no modo ativo de agrupar frutos e os comia nas sendas minúsculas das montanhas, e ainda pela alegria com que distribuía sementes. A cada terra a sua verdade de semente, ele se dizia sorrindo. Quando se fez homem encontrou a mulher, ela sorriu, era altiva como ele, embora seu silêncio fosse de ouro, olhava-o mais do que explicava a história do universo. Esta reserva mineral o encantava e por ela unicamente passou a dividir o mundo entre amor e seus objetos. Um amor que se fazia profundo a ponto de se dedicarem a escavações, refazerem cidades submersas em lava.
A aldeia rejeitava o proceder de quem habita terras raras. Pareciam os dois soldados de uma fronteira estrangeira, para se transitar por eles, além do cheiro da carne amorosa, exigiam eles passaporte, depoimentos ideológicos. Eles se preocupavam apenas com o fundo da terra, que é o nosso interior, ela também completou seu pensamento. Inspirava-lhes o sentimento a conspiração das raízes que a própria árvore, atraída pelo sol e exposta à terra, não podia alcançar, embora se soubesse nelas.
Até que ele decidiu partir. Competiam-lhe andanças, traçar as linhas finais de um mapa cuja composição havia se iniciado e ele sabia hesitante. Explicou à mulher que para a amar melhor não dispensava o mundo, a transgressão das leis, os distúrbios dos pássaros migratórios. Ao contrário, as criaturas lhe pareciam em suas peregrinações simples peças aladas cercando alturas raras.
Ela reagiu, confiava no choro. Apesar do rosto exibir naqueles dias uma beleza esplêndida a ponto de ele pensar estando o amor com ela por que buscá-lo em terras onde dificilmente o encontrarei, insistia na independência. Sempre os de sua raça adotaram comportamento de potro. Ainda que ele em especial dependesse dela para reparar certas omissões fatais.

Viveram juntos todas as horas disponíveis até a separação. Sua última frase foi simples: com você conheci o paraíso. A delicadeza comoveu a mulher, embora os diálogos do homem a inquietassem. A partir desta data trancou-se dentro de casa. Como os caramujos que se ressentem com o excesso da claridade. Compreendendo que talvez devesse preservar a vida de modo mais intenso, para quando ele voltasse. Em nenhum momento deixava de alimentar a fé, fornecer porções diárias de carpas oriundas de águas orientais ao seu amor exagerado.
Em toda a aldeia a atitude do homem representou uma rebelião a se temer. Seu nome procuravam banir de qualquer conversa. Esforçavam-se em demolir o rosto livre e sempre que passavam pela casa da mulher faziam de conta que jamais ela pertencera a ele. Enviavam-lhe presentes, pedaços de toicinho, cestas de pêra, e poesias esparsas. Para que ela interpretasse através daqueles recursos o quanto a consideravam disponível, sem marca de boi e as iniciais do homem em sua pele.
A mulher raramente admitia uma presença em sua casa. Os presentes entravam pela janela da frente, sempre aberta para que o sol testemunhasse a sua própria vida, mas abandonavam a casa pela porta dos fundos, todos aparentemente intocáveis. A aldeia ia lá para inspecionar os objetos que de algum modo a presenciaram e eles não, pois dificilmente aceitavam a rigidez dos costumes. Às vezes ela se socorria de um parente, para as compras indispensáveis. Deixavam eles então os pedidos aos seus pés, e na rápida passagem pelo interior da casa procuravam a tudo investigar. De certo modo ela consentia para que vissem o homem ainda imperar nas coisas sagradas daquela casa.
Jamais faltou uma flor diariamente renovada próxima ao retrato do homem. Seu semblante de águia. Mas, com o tempo, além de mudar a cor do vestido, antes triste agora sempre vermelho, e alterar o penteado, pois decidira manter os cabelos curtos, aparados rentes à cabeça — decidiu por eliminar o retrato. Não foi fácil a decisão. Durante dias rondava o retrato, sondou os olhos obscuros do homem, ora o condenava, ora o absolvia: porque você precisou da sua rebeldia, eu vivo só, não sei se a guerra tragou você, não sei sequer se devo comemorar sua morte com o sacrifício da minha vida.
Durante a noite, confiando nas sombras, retirou o retrato e o jogou rudemente sobre o armário. Pôde descansar após a atitude assumida. Acreditou deste modo poder provar aos inimigos que ele habitava seu corpo independente da homenagem. Talvez tivesse murmurado a algum dos parentes, entre descuidada e oprimida, que o destino da mulher era olhar o mundo e sonhar com o rei da terra.
Recordava a fala do homem em seus momentos de tensão. Seu rosto então igualava-se à pedra, vigoroso, uma saliência em que se inscreveria uma sentença, para permanecer. Não sabia quem entre os dois era mais sensível à violência. Ele que se havia ido, ela que tivera que ficar. Só com os anos foi compreendendo que se ele ainda vivia tardava a regressar. Mas, se morrera, ela dependia de algum sinal para providenciar seu fim. E repetia temerosa e exaltada: algum sinal para providenciar meu fim. A morte era uma vertente exagerada, pensou ela olhando o pálido brilho das unhas, as cortinas limpas, e começou a sentir que unicamente conservando a vida homenagearia aquele amor mais pungente que búfalo, carne final da sua espécie, embora tivesse conhecido a coroa quando das planícies.

Quando já se tornava penoso em excesso conservar-se dentro dos limites da casa, pois começara a agitar nela uma determinação de amar apenas as coisas venerandas, fossem pó, aranha, tapete rasgado, panela sem cabo, como que adivinhando ele chegou. A aldeia viu o modo de ele bater na porta com a certeza de se avizinhar ao paraíso. Bateu três vezes, ela não respondeu. Mais três e ela, como que tangida à reclusão, não admitia estranhos. Ele ainda herói bateu algumas vezes mais, até que gritou seu nome, sou eu, então não vê, então não sente, ou já não vive mais, serei eu logo o único a cumprir a promessa?
Ela sabia agora que era ele. Não consultou o coração para agitar-se, melhor viver a sua paixão. Abriu a porta e fez da madeira seu escudo. Ele imaginou que escarneciam da sua volta, não restava alegria em quem o recebia. Ainda apurou a verdade: se não for você, nem preciso entrar. Talvez tivesse esquecido que ele mesmo manifestara um dia que seu regresso jamais seria comemorado, odiaria o povo abundante na rua vendo o silêncio dos dois após tanto castigo.

Ela assinalou na madeira a sua resposta. E ele achou que devia surpreendê-la segundo o seu gosto. Fingia a mulher não perceber seu ingresso casa adentro, mais velho sim, a poeira colorindo original as suas vestes. Olharam-se como se ausculta a intrepidez do cristal, seus veios limpos, a calma de perder-se na transparência. Agarrou a mão da mulher, assegurava-se de que seus olhos, apesar do pecado das modificações, ainda o enxergavam com o antigo amor, agora mais provado.
Disse-lhe: voltei. Também poderia ter dito: já não te quero mais. Confiava na mulher; ela saberia organizar as palavras expressas com descuido. Nem a verdade, ou sua imagem contrária, denunciaria seu hino interior. Deveria ser como se ambos conduzindo o amor jamais o tivessem interrompido.
Ela o beijou também com cuidado. Não procurou sua boca e ele se deixou comovido. Quis somente sua testa, alisou-lhe os cabelos. Fez-lhe ver o seu sofrimento, fora tão difícil que nem seu retrato pôde suportar. Onde estive então nesta casa, perguntou ele, procure e em achando haveremos de conversar. O homem se sentiu atingido por tais palavras. Mas as peregrinações lhe haviam ensinado que mesmo para dentro de casa se trazem os desafios.
Debaixo do sofá, da mesa, sobre a cama, entre os lençóis, mesmo no galinheiro, ele procurou, sempre prosseguindo, quase lhe perguntava: estou quente ou frio. A mulher não seguia suas buscas, agasalhada em um longo casaco de lã, agora descascava batatas imitando as mulheres que encontram alegria neste engenho. Esta disposição da mulher como que o confortava. Em vez de conversarem, quando tinham tanto a se dizer, sem querer eles haviam começado a brigar. E procurando ele pensava onde teria estado quando ali não estava, ao menos visivelmente pela casa.
Quase desistindo encontrou o retrato sobre o armário, o vidro da moldura todo quebrado. Ela tivera o cuidado de esconder seu rosto entre cacos de vidro, quem sabe tormentas e outras feridas mais. Ela o trouxe pela mão até a cozinha. Ele não se queria deixar ir. Então, o que queres fazer aqui? Ele respondeu: quero a mulher. Ela consentiu. Depois porém ela falou: agora me siga até a cozinha.
O que há na cozinha?
Deixou-o sentado na cadeira. Fez a comida, se alimentaram em silêncio. Depois limpou o chão, lavou os pratos, fez a cama recém-desarrumada, tirou o pó da casa, abriu todas as janelas quase sempre fechadas naqueles anos de sua ausência. Procedia como se ele ainda não tivesse chegado, ou como se jamais houvesse abandonado a casa, mas se faziam preparativos sim de festa. Vamos nos falar ao menos agora que eu preciso?, ele disse.
Tenho tanto a lhe contar. Percorri o mundo, a terra, sabe, e além do mais...
Eu sei, ela foi dizendo depressa, não consentindo que ele dissertasse sobre a variedade da fauna, ou assegurasse a ela que os rincões distantes ainda que apresentem certas particularidades de algum modo são próximos a nossa terra, de onde você nunca se afastou porque você jamais pretendeu a liberdade como eu. Não deixando que lhe contasse, sim que as mulheres, embora louras, pálidas, morenas e de pele de trigo, não ostentavam seu cheiro, a ela, ele a identificaria mesmo de olhos fechados. Não deixando que ela soubesse das suas campanhas: andou a cavalo, trem, veleiro, mesmo helicóptero, a terra era menor do que supunha, visitara a prisão, razão de ter assimilado uma rara concentração de vida que em nenhuma parte senão ali jamais encontrou, pois todos os que ali estavam não tinham outro modo de ser senão atingindo diariamente a expiação.

E ela, não deixando ele contar o que fora o registro da sua vida, ia substituindo com palavras dela então o que ela havia sim vivido. E de tal modo falava como se ela é que houvesse abandonado a aldeia, feito campanhas abolicionistas, inaugurado pontes, vencido domínios marítimos, conhecido mulheres e homens, e entre eles se perdendo pois quem sabe não seria de sua vocação reconhecer pelo amor as criaturas. Só que ela falando dispensava semelhantes assuntos, sua riqueza era enumerar com volúpia os afazeres diários a que estivera confinada desde a sua partida, como limpava a casa, ou inventara um prato talvez de origem dinamarquesa, e o cobriu de verdura, diante dele fingia-se coelho, logo assumindo o estado que lhe trazia graça, alimentava-se com a mão e sentia-se mulher; como também simulava escrever cartas jamais enviadas pois ignorava onde encontrá-lo; o quanto fora penoso decidir-se sobre o destino a dar a seu retrato, pois, ainda que praticasse a violência contra ele, não podia esquecer que o homem sempre estaria presente; seu modo de descascar frutas, tecendo delicadas combinações de desenho sobre a casca, ora pondo em relevo um trecho maior da polpa, ora deixando o fruto revestido apenas de rápidos fiapos de pele; e ainda a solução encontrada para se alimentar sem deixar a fazenda em que sua casa se convertera, cuidara então em admitir unicamente os de seu sangue sob condição da rápida permanência, o tempo suficiente para que eles vissem que apesar da distância do homem ela tudo fazia para homenageá-lo, alguns da aldeia porém, que ele soubesse agora, teimaram em lhe fazer regalos, que, se antes a irritavam, terminaram por agradá-la.
De outro modo, como vingar-me deles?
Recolhia os donativos, mesmo os poemas, e deixava as coisas permanecerem sobre a mesa por breves instantes, como se assim se comunicasse com a vida. Mas, logo que todas as reservas do mundo que ela pensava existirem nos objetos se esgotavam, ela os atirava à porta dos fundos. Confiava que eles próprios recolhessem o material para não deteriorar em sua porta.
E tanto ela ia relatando os longos anos de sua espera, um cotidiano que em sua boca alcançava vigor, que temia ele interromper um só momento o que ela projetava dentro da casa como se cuspisse pérolas, cachorros miniaturas, e uma grama viçosa, mesmo a pretexto de viver junto com ela as coisas que ele havia vivido sozinho. Pois quanto mais ela adensava a narrativa, mais ele sentia que além de a ter ferido com o seu profundo conhecimento da terra, o seu profundo conhecimento da terra afinal não significava nada. Ela era mais capaz do que ele de atingir a intensidade, e muito mais sensível porque viveu entre grades, mais voluntariosa por ter resistido com bravura os galanteios. A fé que ele com neutralidade dispensara ao mundo a ponto de ser incapaz de recolher de volta para seu corpo o que deixara tombar indolente, ela soubera fazer crescer, e concentrara no domínio da sua vida as suas razões mais intensas.
À medida que as virtudes da mulher o sufocavam, as suas vitórias e experiências iam-se transformando em uma massa confusa, desorientada, já não sabendo ele o que fazer dela. Duvidava mesmo se havia partido, se não teria ficado todos estes anos a apenas alguns quilômetros dali, em degredo como ela, mas sem igual poder narrativo.
Seguramente ele não lhe apresentava a mesma dignidade, sequer soubera conquistar seu quinhão na terra. Nada fizera senão andar e pensar que aprendeu verdades diante das quais a mulher haveria de capitular. No entanto, ela confessando a jornada dos legumes, a confecção misteriosa de uma sopa, selava sobre ele um penoso silêncio. A vergonha de ter composto uma falsa história o abatia. Sem dúvida estivera ali com a mulher todo o tempo, jamais abandonara a casa, a aldeia, o torpor a que o destinaram desde o nascimento, e cujos limites ele altivo pensou ter rompido.

Ela não cessava de se apoderar das palavras, pela primeira vez em tanto tempo explicava sua vida, tinha prazer de recolher no ventre, como um tumor que coça as paredes íntimas, o som da sua voz. E, enquanto ouvia a mulher, devagar ele foi rasgando o seu retrato, sem ela o impedir, implorasse não, esta é a minha mais fecunda lembrança. Comprazia-se com a nova paixão, o mundo antes obscurecido que ela descobriu ao retorno do homem.
Ele jogou o retrato picado no lixo e seu gesto não sofreu ainda desta vez advertência. Os atos favoreciam a claridade e, para não esgotar as tarefas a que pretendia dedicar-se, ele foi arrumando a casa, passou pano molhado nos armários, fingindo ouvi-Ia ia esquecendo a terra no arrebato da limpeza. E, quando a cozinha se apresentou imaculada, ele recomeçou tudo de novo, então descascando frutas para a compota enquanto ela lhe fornecia histórias indispensáveis ao mundo que precisaria apreender uma vez que a ele pretendia dedicar-se para sempre. Mas de tal modo agora arrebatava-se que parecia distraído, como pudesse dispensar as palavras encantadas da mulher para adotar afinal o seu universo.

MILLÔR FERNANDES - Pensamentos Humoristas

(O filósofo tcheco Arnost Kolman disse: "A liberdade de imprensa que vocês têm é apenas no papel."Bertrand Russel respondeu: "Não é o lugar próprio?").

Desculpem, mas todo grande pensador, sobretudo pensador social, é um humorista. O riso explode, à primeira vista, quando uma grande verdade social é enunciada de maneira clara e comunicativa: "Toda propriedade é um roubo" (Proudhom). "Todo lucro é um roubo" (Shaw).

"Que é um assalto a um banco diante de um banco?" (Brecht).

Bertrand Russel também não fez por menos. Pensador nato, gozador nato, desmi(s)tificador nato:

"Se houvesse uma condenação de seis meses pela publicação de cada primeiro livro, só os verdadeiros escritores publicariam suas obras".

"Gladstone, antes de qualquer atitude, sempre consultava a sua consciência. E sua consciência sempre lhe dava a resposta mais conveniente."

"Se um homem te oferece democracia e outro te oferece comida, até que grau de fome você prefere o voto?"

"Muitos casamentos são iguais a um ato de prostituição, só que mais difíceis da gente se livrar deles."

"Fanatismo é a coisa mais perigosa que conheço: chego até a dizer que sou fanático contra o fanatismo."

"Não possuir algumas coisas de que se necessita é parte fundamental da felicidade."

"Um dos maiores triunfos da matemática moderna é ter conseguido descobrir, afinal, o que é a matemática."

"Os chamados Expoentes da Moralidade são pessoas que abandonaram os prazeres comuns e se realizam atrapalhando o prazer dos outros."

"Chama-se pornografia qualquer coisa que escandalize um magistrado senil e ignorante."

"Os filósofos pré-Kant tinham uma grande vantagem sobre os filósofos pós-Kant: não precisavam gastar anos e anos estudando Kant."

"Hegel enuncia sua filosofia de maneira tão obscura que, portanto, só pode ser profunda."

"Sempre achei que as pessoas respeitáveis são canalhas e todo dia me olho ansiosamente no espelho tentando descobrir sinais de minha canalhice."

"Ciência é tudo aquilo que você sabe. Filosofia é tudo aquilo que você não sabe."

"Os homens nascem ignorantes, não estúpidos. Para torná-los estúpidos são necessários anos e anos de educação."

"Aristóteles poderia ter evitado o tremendo erro de afirmar que os homens têm mais dentes do que as mulheres, simplesmente permitindo que madame Aristóteles abrisse a boca."

"As reservas de urânio no mundo são muito pequenas. Teme-se que possam acabar antes mesmo da raça humana."

"Como eu sou pago por palavra, só escrevo palavras bem pequenininhas."

Creio que o único livro humorístico (própriamente dito) escrito por Berthand Russel é The Good Citizen's Alphabet (O Alfabeto do Bom Cidadão), da Gaberbocchus Press, 1953. Sem falar no prefácio de Professor Mmaa's Lecture, de Stefan Themerson, no qual Russel declara:

"O mundo tem gente demais acreditando em coisas demais. Se houvesse menos gente acreditando em menos coisas, talvez tudo fosse melhor."

ZIRALDO - Reminiscência

Nasci numa pequena cidade de Minas. Até aí nada demais. Muita gente nasce em cidades pequenas, distantes e quietas. Seria feliz, de qualquer maneira, se quem lê neste instante pudesse saber a alegria que existe em se nascer num lugar assim, em que as ruas pequenas e estreitas, as altas palmeiras, a água macia da chuva que cai sempre, as muitas estrelas e a lua, as pedrinhas das calçadas, a meninada, a carteira da sala de aula, a mestra e mais uma quantidade destas lembranças simples sejam, mais tarde, influências reais na vida da gente. Na vida de quem, afinal, preferiu enfrentar a cidade grande: as águas desse mar, a luz dessas lâmpadas frias, a sala fechada, triste e sem perspectivas em que se ganha a vida, a cadeira quente e insegura das tardes de ir e vir — pura fadiga — das empresas, a luta, a dura luta de ser alguém, um peixe grande em mar estranhamente grande. A verdade é que, um dia, a pensar e refletir na grama macia da pracinha da matriz, a criança decidiu sair.
E a estrada se abriu a sua frente. Vir era uma idéia. Fixa. Caminhar era fácil.
A chegada: a rua imensa, as buzinas, as luzes, sinal verde, aquela cidade grande, grande ali, na sua frente. Cada face, cada ser que passava — pra lá e pra cá — inquietamente, tanta gente, suada, apressada, sem alegria, sem alma, a alma cerrada, enrustida, cada triste surpresa era a chegada.
Cheguei. Um táxi. A mala. As esquinas. Está bem, mas, que fazer? Sentei e pensei. Pela janela da casa alta vai a vida. Seria a vida? E disse a primeira frase na cidade grande, as primeiras palavras diante da grande luta e as palavras eram: Meu Deus, que saudade! E nem um dia me separava da pracinha da matriz. Cada dia que, a seguir, vi passar, esqueci.
Diante da máquina, neste instante, há uma distância imensa entre aquele dia na missa cantada na minha igrejinha e este dia em que, diante de mim, diante de minha mulher e da minha casa feita de cidade grande, minhas filhas brincam de ser gente grande.
E elas. Que vai ser delas? Sem palmeiras, sem um pai de ar grave; sem entender a chuva a cair em jardins humildes, nas margaridas branquinhas; sem entender de lua e de estrelas — que céu aqui, pra se ver nem se vê —, sem brincar na lama das ruas, a lama das chuvas, casca de palmeira, descer as barracas, nadar sem mamãe saber, nas águas escuras, fim de quintal, quintal, quintal? sem quintal? pedrinha de calçada, marcar a canivete sua inicial na carteira da sala. Ainda bem que nasceram meninas.

Já é diferente. Será que é? Sei lá. Entre a chegada e este instante, lembrança nenhuma. Sei que cheguei.
E sei mais: que esta página está é uma grande besteira, dura de cintura, sem graça, uma m... Já se vê que quem nasceu para caratinguense nunca chega a Rubem Braga. E também tem mais: Quem é capaz de escrever uma página literária decente — igual a essa (?) — sem usar uma vez sequer a letra O? Leiam mais uma vez. Atentamente. Se tiver um — além deste aí em cima — eu como!

MÁRCIA TIBURI - O Aborto dos Outros

O documentário de Carla Gallo “O Aborto dos Outros” é o enunciado direto da dissimulação com que se trata a questão do aborto no Brasil atual.

Há motivos distintos para os pronunciamentos sobre a questão do aborto nos dias de hoje. Motivos formulados como opiniões que, atenciosamente lidos, mostram-se acobertadores do que realmente se visa com a proibição legal desta prática tão familiar. Tais motivos devem ser analisados na intenção de colocar a questão no seu lugar devido, a saber, que o aborto é um problema das mulheres e que homens e instituições, para os quais o sexismo – a determinação da diferença sexual em que a mulher é vista como o “sexo” em si mesmo - é um método de controle, buscam o domínio do discurso sobre o aborto. Não poderia ser diferente já que o aborto no modo como é tratado no Brasil atual apenas faz ver o estatuto do poder na mão – e mais precisamente na ordem do discurso - dos homens contra as mulheres. Neste sentido, cabe também levar em conta que há para além da proibição da prática, certa evitação do ato de teorizar em torno do aborto por parte das mulheres. Homens falam sobre o aborto, mulheres – com raras exceções – parecem não se sentir confortáveis em defender a própria causa. Mas é claro que não se trata apenas disso. Deixar que as mulheres decidam não é uma prática desejável em um sistema patriarcal e é preciso começar impedindo que falem.

A propósito, o patriarcado é o lugar em que mulheres são submetidas pelo discurso. Não deve, portanto, ser entendido apenas como um modelo universal da racionalidade, da ética e da estética que dele decorrem organizando-se como ideologia, mas como a prática cotidiana desta racionalidade que instrumentaliza mulheres. Ora, o patriarcado não é apenas metafísico, mas deve ser visto em seu fundamento ético-político que se define pela ação contra as mulheres. Assim é que ele se constitui como o nome próprio da violência que costura um pensamento e uma prática contra mulheres da família à publicidade, da maternidade à pornografia.
Dizer contra neste caso é definir rigorosamente que as mulheres que ainda podem ser subjugadas pela ilegalidade do aborto são as social e economicamente desfavorecidas. Aquelas que permanecem sob comando biopolítico, sem supor que possam ser senhoras de seus corpos. Sem interpretações próprias sobre o que seja seu corpo, sua vida própria, mulheres pobres são reduzidas à condição de fêmeas procriadoras para logo depois serem rebaixadas, caso pratiquem o aborto, à condição de meras rés por terem ido contra a ordem. No senso comum brasileiro vige o discurso de que a realização das mulheres está na maternidade e na feminilidade. Quem não obedecer a esta ordem do discurso poderá ser punida cruelmente.
Que a sociedade se torne mais democrática quer dizer que o patriarcado cede diante da escolha das mulheres sobre seu próprio corpo. E esta escolha se afirma em um discurso como reação contra a ordem patriarcal sexista que até os dias de hoje é mal quisto em várias instâncias deste Brasil subjugado política e ideologicamente ao patriarcalismo.

Duas formas de silêncio

Mulheres, as verdadeiras implicadas na questão do aborto raramente se pronunciam sobre ele. Há pelo menos duas formas de silêncio em jogo nesta questão. Em primeiro lugar o silêncio derivado do comodismo e da alienação. Um silêncio cultural que define o poder da fala como algo masculino e, por contraste, “anti-feminino”. Mesmo hoje em dia muitas mulheres caem na armadilha essencialista, aquela que defende que mulheres não devem falar demais para evitar a tagarelice de que são acusadas desde a tradição filosófico-literária. No discurso essencialista, tem-se que “a mulher” é uma essência não-falante. Desconsidera-se a formação cultural, histórica e social que constitui o gênero. Desconsidera-se o controle discursivo que está por trás de toda definição. Assim é que uma mulher deve calar, como se a fala articulada, que expõe idéias, fosse contra a natureza das mulheres e não uma construção jurídico-cultural.
Este silêncio é alienado, ele é produzido. Sua conseqüência é o fato histórico de que as mulheres como “classe” ou grupo não construíram teorias, não foram autorizadas, nem se autorizaram a serem teóricas, cientistas, ou políticas, ou seja, seres que dominam o funcionamento do discurso e podem exercer poder a partir dele, seja no campo do conhecimento, seja no campo da política profissional.
Mas há outro silêncio. Aquele que é praticado sem alienação por mulheres ideologicamente livres do patriarcado. Moralmente descomprometidas, ou financeiramente livres não precisam responder às suas imposições. Praticam abortos conforme necessidades pessoais/corporais sem que ninguém ou nenhuma estatística precise sabê-lo. Não dependem do sistema público de saúde, não precisam se confessar ao padre, muitas vezes nem mesmo tem uma vida de casal com um homem ao qual devam prestar satisfação sobre seus atos. Quem são, o que desejam, como e onde o fazem é algo que permanece sob o véu da clandestinidade que, neste caso, não é mais do que o fato da realidade. Clandestina é toda prática possível que mostra a insuficiência da lei e as contradições da moral.
Kafka no conto “O silêncio das sereias” afirmou que o silêncio das sereias é uma arma mais terrível que seu canto. Talvez alguém tenha escapado de seu canto, mas certamente ninguém escapou de seu silêncio, diz Kafka. Tal silêncio é a liberdade das mulheres insuportável ao patriarcado. É também sua arma. Infelizmente, no entanto, como arma ele não está ao alcance de mulheres desfavorecidas cultural e economicamente. O documentário de Carla Gallo mostra mulheres que são vítimas do discurso e do sistema quanto à impraticabilidade do aborto, mulheres que sofrem sob o jugo do patriarcado como se fossem meros animais que desobedeceram seus senhores.

Habeas Corpus

O documentário O Aborto dos Outros é, neste sentido, a exposição de uma reivindicação real do direito sobre o próprio corpo. Ele faz pensar que a questão do aborto no Brasil deve ser tratada segundo o direito do habeas corpus. Válido para aqueles que podem pagar por um advogado, o direito de habeas corpus deveria ser elevado a princípio mais que jurídico quando se trata da relação entre mulheres e seus corpos. O habeas corpus deveria ser tomado culturalmente, tornando-se uma verdadeira ética no combate à apropriação que o patriarcado exerce sobre o corpo das mulheres. O corpo das mulheres deve ser devolvido às próprias mulheres. Ou se perdeu no tempo ou nunca existiu o consentimento para que homens - a sociedade como um todo? - comandassem corpos de mulheres particulares, seu desejo de ser ou não ser mães.
A discussão sobre a abstrata questão da vida do embrião presente no corpo de uma mulher que não deseja desenvolver um feto não passa de elemento acobertador do controle biopolítico sobre corpos de mulheres. Do mesmo modo, não podemos mais nos ocupar da discussão que corre no senso comum e que divide a população entre ser a favor ou contra o aborto quando na verdade se trata no Brasil de hoje de ser a favor da legalização do aborto ou contra a legalização do aborto. A questão da legalização é jurídica e como tal, problema de poder, de saber quem comanda, quem decide, quem detém a verdade a seu próprio favor.
Somente a luta das próprias mulheres poderá mudar este estado da questão. Enquanto isso, alguns homens mais lúcidos porque livres do discurso patriarcal e percebendo que o tema não lhes diz respeito, associam-se às mulheres na luta por uma sociedade mais justa.
Mas somente as mulheres poderão buscar a justiça para si mesmas e para aquelas que como elas sofrem na coleira do patriarcado. 

DRÁUZIO VARELLA - A porta ao lado

 Quando um vizinho estaciona o carro muito encostado ao seu na garagem (ou pode ser na vaga do estacionamento do shopping). Em vez de simplesmente entrar pela outra porta, sair com o carro e tratar da sua vida, você bufa, pragueja, esperneia e estraga o que resta do seu dia.   
Eu acho que esta história de dois carros alinhados, impedindo a abertura da porta do motorista, é um bom exemplo do que torna a vida de algumas pessoas melhor, e de outras, pior. Tem gente que tem a vida muito parecida com a de seus amigos, mas não entende por que eles parecem ser tão mais felizes.
Será que nada dá errado pra eles? Dá aos montes. Só que, para eles, entrar pela porta do lado, uma vez ou outra, não faz a menor diferença. O que não falta neste mundo é gente que se acha o último biscoito do pacote. Que "audácia" contrariá-los! São aqueles que nunca ouviram falar em saídas de emergência: fincam o pé, compram briga e não deixam barato. Alguém aí falou em complexo de perseguição? Justamente. O mundo versus eles.  
Eu entro muito pela outra porta, e às vezes saio por ela também. É incômodo, tem um freio de mão no meio do caminho, mas é um problema solúvel. E como esse, a maioria dos nossos problemões podem ser resolvidos assim, rapidinho. Basta um telefonema, um e-mail, um pedido de desculpas, um deixar barato.
Eu ando deixando de graça... Pra ser sincero, vinte e quatro horas têm sido pouco prá tudo o que eu tenho que fazer, então não vou perder ainda mais tempo ficando mal-humorado. Se eu procurar, vou encontrar dezenas de situações irritantes e gente idem; pilhas de pessoas que vão atrasar meu dia.  Então eu uso a "porta do lado" e vou tratar do que é importante de fato. Eis a chave do mistério, a fórmula da felicidade, o elixir do bom humor, a razão por que parece que tão pouca coisa na vida dos outros dá errado."
Quando os desacertos da vida ameaçarem o seu bom humor, não estrague o seu dia... Use a porta do lado e mantenha a sua harmonia. Lembre-se, o humor é contagiante - para o bem e para o mal – portanto, sorria, e contagie todos ao seu redor com a sua alegria.
A "Porta do lado" pode ser uma boa entrada ou uma boa saída... Experimente!

DR. ALBERTO GOLDIN - Sentir-se paralisada é o melhor incentivo para se mexer.

"TENHO 48 ANOS, DIVORCIADA HÁ 11 ANOS, inteligente, bonita, insegura, não trabalho e vivo em função de duas adolescentes lindas, estudiosas e maduras, que na verdade não precisam mais de mim.
Hoje queria mesmo era um colo de mãe que perdi cedo e um pai hoje doente.
O ano está terminando e me faço a pergunta: por que não fiz nada para mim, "não ter medo da vida" e enfrentá-la como uma mulher adulta?
Mais um ano e minhas filhas me falam: "Mãe, faz alguma coisa para você, você não tem vontade de trabalhar? procura mais as tuas amigas..."
E eu respondo a mesma coisa: "Vocês acham que é fácil arrumar trabalho na minha idade depois de quase anos parada? O dinheiro não dá para tudo, queria que vocês estivessem no meu lugar, é fácil falar!"
Fica aquele clima de: não posso mais só ser MAE, mas não consigo MUDAR.
Já passei por dificuldades emocionais e hoje financeiras... Será que preciso passar por mais algum obstáculo para MUDAR?
Queria tanto que o ano de 2012 fosse diferente...
Angela."
                                                      * * * * 

TEVE UMA NOITE DIFÍCIL, AGITADA, seu repouso foi bruscamente interrompido por um sonho, ou melhor, um pesadelo que parecia real. Estava numa cama de hospital, imóvel, tentava falar, se levantar, mas seu corpo não obedecia, estava completamente paralisada, com os olhos abertos e perfeitamente lúcida... Nessa hora acordou, angustiada e ao mesmo tempo aliviada, quando comprovou que era apenas um sonho ruim.

Não conseguiu continuar dormindo, respirou fundo e sorriu na escuridão do quarto, entendendo que essa imagem era um recado, uma clara representação da sua vida atual: é verdade que está lúcida e paralisada, de cama, ou em coma talvez, e profundamente angustiada com sua situação...
Aproveitou o duro recado do seu inconsciente para justificar sua insônia. Reviu a cena várias vezes e para ter mais certeza de que não era verdade, alongou seu corpo em extenso movimento, sentiu prazer mexendo braços e pernas. Num salto se colocou de pé e, da janela do seu quarto, viu o amanhecer sobre as copas das árvores, ao tranqüilizador som de uns poucos carros que circulavam pela rua.

O sonho denunciava o que já sabia; o desejo de entrar em atividade, produzir, caminhar, correr, estar viva novamente. Os paralíticos, pensou, sonham com o movimento, os presos, com a liberdade, os surdos com o som, os cegos com a luz... Ela, na contra-mão por estar sadia e ser capaz de fazer movimentos, sonhava com a paralisia...

Que cordas imaginárias a amarravam? Demorou um pouco para responder, porém não teve dúvidas, tinha medo de errar, de ser ridícula. Preferia a impotência subjetiva e clandestina à vergonha pública de ser uma principiante. Ser mãe de dois filhos já adolescentes a fez acreditar que era e seria adulta para sempre e, agora que seus filhos ganhavam a cada dia uma independência maior, ela ficava sem emprego, nem identidade. A maternidade é, sem dúvida, uma ocupação nobre, difícil e intensa, porém não é uma profissão e, além disso, tem data de validade, termina no dia em que os filhos crescem... E eles sempre crescem.

Saímos do quarto da Ângela. Já amanheceu. Começou outro dia, ela está em movimento, mesmo que nada tenha mudado, está menos ansiosa...
Procurou e encontrou a agenda que ganhou no começo do ano e decidiu preencher os espaços em branco das folhas com tarefas... Uma hora diária de caminhada, filmes duas vezes por semana, curso de culinária e línguas pela Internet, visita a exposições, museus, pesquisa de cursos profissionalizantes e instituições que oferecem terapias ao seu alcance...

Comprovou que programar é organizar o tempo e o tempo é o único bem que se perde a cada minuto. Ângela está em mudança. Não será uma transformação da sua vida da noite para o dia. Talvez leve um mês, ou um ano. Precisa entender que depois de duas décadas de trabalho, seus filhos lhe deram o aviso prévio e agora, como ocorre com os desempregados ou aposentados ainda jovens, precisa ser ativa e criativa... Sentir-se imóvel e paralisada é o melhor incentivo para começar a se mexer. 
Ângela já começou.

ME DÊ CORAGEM - Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
meu PECADO DE PENSAR.
_______________________________________

VÍDEO: CHICO ANYSIO - DEPOIMENTO - O QUE VI NA VIDA

https://youtu.be/9SQbafDCQpM


GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ - A Luz é como a Água

"(...) mergulharam como tubarões mansos por baixo dos móveis e das
camas e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos
tinham-se perdido na escuridão."

No Natal os meninos tornaram a pedir um barco a remos.
— De acordo — disse o pai —, vamos comprá-lo quando voltarmos a Cartagena.
Totó, de nove anos, e Joel, de sete, estavam mais decididos do que seus pais achavam.
— Não — disseram em coro. — Precisamos dele agora e aqui.
— Para começar — disse a mãe —, aqui não há outras águas navegáveis além da que sai do chuveiro.

Tanto ela como o marido tinham razão. Na casa de Cartagena de Índias havia um pátio com um atracadouro sobre a baía e um refúgio para dois iates grandes. Em Madri, porém, viviam apertados no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Mas no final nem ele nem ela puderam dizer não, porque haviam prometido aos dois um barco a remos com sextante e bússola se ganhassem os louros do terceiro ano primário, e tinham ganhado. Assim sendo, o pai comprou tudo sem dizer nada à esposa, que era a mais renitente em pagar dívidas de jogo. Era um belo barco de alumínio com um fio dourado na linha de flutuação,
— O barco está na garagem — revelou o pai na hora do almoço.— O problema é que não tem jeito de trazê-lo pelo elevador ou pela escada, e na garagem não tem mais lugar.

No entanto, na tarde do sábado seguinte, os meninos convidaram seus colegas para carregar o barco pelas escadas, e conseguiram levá-lo até o quarto de empregada.
— Parabéns — disse o pai. — E agora?
— Agora, nada - disseram os meninos. — A única coisa que a gente queria era ter o barco no quarto, e pronto.

Na noite de quarta-feira, como em todas as quartas-feiras, os pais foram ao cinema. Os meninos, donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, e quebraram a lâmpada acesa de um lustre da sala. Um jorro de luz dourada e fresca feito água começou a sair da lâmpada quebrada, e deixaram correr até que o nível chegou a quatro palmos. Então desligaram a corrente, tiraram o barco, e navegaram com prazer entre as ilhas da casa.

Esta aventura fabulosa foi o resultado de uma leviandade minha quando participava de um seminário sobre a poesia dos utensílios domésticos. Totó me perguntou como era que a luz acendia só com a gente apertando um botão, e não tive coragem para pensar no assunto duas vezes.
— A luz é como a água — respondi. — A gente abre a torneira e sai.

E assim continuaram navegando nas noites de quarta-feira, aprendendo a mexer com o sextante e a bússola, até que os pais voltavam do cinema e os encontravam dormindo como anjos em terra firme. Meses depois, ansiosos por ir mais longe, pediram um equipamento de pesca submarina. Com tudo: máscaras, pés-de-pato, tanques e carabinas de ar comprimido.

— Já é ruim ter no quarto de empregada um barco a remos que não serve para nada.
— disse o pai — Mas pior ainda é querer ter além disso equipamento de mergulho.
— E se ganharmos a gardênia de ouro do primeiro semestre? — perguntou Joel.
— Não - disse a mãe, assustada. — Chega. O pai reprovou sua intransigência.
— É que estes meninos não ganham nem um prego por cumprir seu dever — disse ela —, mas por um capricho são capazes de ganhar até a cadeira do professor.
No fim, os pais não disseram que sim ou que não. Mas Totó e Joel, que tinham sido os últimos nos dois anos anteriores, ganharam em julho as duas gardênias de ouro e o reconhecimento público do diretor. Naquela mesma tarde, sem que tivessem tornado a pedir, encontraram no quarto os equipamentos em seu invólucro original. De maneira que, na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam O Último Tango em Paris, encheram o apartamento até a altura de duas braças, mergulharam como tubarões mansos por baixo dos móveis e das camas, e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos tinham-se perdido na escuridão.
Na premiação final os irmãos foram aclamados como exemplo para a escola e ganharam diplomas de excelência. Desta vez não tiveram que pedir nada, porque os pais perguntaram o que queriam. E eles foram tão razoáveis que só quiseram uma festa em casa para os companheiros de classe.
O pai, a sós com a mulher, estava radiante. — É uma prova de maturidade — disse.
— Deus te ouça — respondeu a mãe.
Na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam A Batalha de Argel, as pessoas que passaram pela Castellana viram uma cascata de luz que caía de um velho edifício escondido entre as árvores. Saía pelas varandas, derramava-se em torrentes pela fachada, e formou um leito pela grande avenida numa correnteza dourada que iluminou a cidade até o Guadarrama.
Chamados com urgência, os bombeiros forçaram a porta do quinto andar, e encontraram a casa coberta de luz até o teto. O sofá e as poltronas forradas de pele de leopardo flutuavam na sala a diferentes alturas, entre as garrafas do bar e o piano de cauda com seu xale de Manilha que agitava-se com movimentos de asa a meia água como uma arraia de ouro. Os utensílios domésticos, na plenitude de sua poesia, voavam com suas próprias asas pelo céu da cozinha. Os instrumentos da banda de guerra, que os meninos usavam para dançar, flutuavam a esmo entre os peixes coloridos liberados do aquário da mãe, que eram os únicos que flutuavam vivos e felizes no vasto lago iluminado. No banheiroflutuavam as escovas de dentes de todos, os preservativos do pai, os potes de cremes e a dentadura de reserva da mãe, e o televisor da alcova principal flutuava de lado, ainda ligado no último episódio do filme da meia-noite proibido para menores.
No final do corredor, flutuando entre duas águas, Totó estava sentado na popa do bote, agarrado aos remos e com a máscara no rosto, buscando o farol do porto até o momento em que houve ar nos tanques de oxigênio, e Joel flutuava na proa buscando ainda a estrela polar com o sextante, e flutuavam pela casa inteira seus 37 companheiros de classe, eternizados no instante de fazer xixi no vaso de gerânios, de cantar o hino da escola com a letra mudada por versos de deboche contra o diretor, de beber às escondidas um copo de brandy da garrafa do pai. Pois haviam aberto tantas luzes ao mesmo tempo que a casa tinha transbordado, e o quarto ano elementar inteiro da escola de São João Hospitalário tinha se afogado no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Em Madri de Espanha, uma cidade remota de verões ardentes e ventos gelados, sem mar nem rio, e cujos aborígines de terra firme nunca foram mestres na ciência de navegar na luz.

FERREIRA GULLAR - Sobre o amor

Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.
Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma COisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.
Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.
Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tUdo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.
Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda­roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tUdo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...
Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.

MARINA COLASSANTI - Começou, ele disse

Acordou com o primeiro tiro sem saber porque tinha acordado. Trazia porém do sono um aviso de alarme. Sem se mexer, sem abrir completamente os olhos para não denunciar sua vigília, olhou em volta pela fresta das pálpebras. Lentamente percorreu as sombras, detendo-se mais na cadeira, onde as roupas jogadas criavam formas que não lhe eram familiares. Fazia sempre assim quando acordava de repente no meio da noite e o coração descompassado lhe dizia que talvez houvesse algum invasor no quarto. E cada vez se detinha na cadeira. Não havia ninguém. Permitiu-se então abrir os olhos, levantar a cabeça, só pelo prazer de tornar a fechá-los, ajeitando-se no travesseiro. O segundo tiro estalou seco na rua.
O som colheu-o no estômago, na cabeça, na pele. E com a pele pareceu eriçar os lençóis, ferir a colcha. Mesmo assim não se mexeu.

Um tiro que assalta nosso sono sempre atinge o alvo, ainda que o alvo não sejamos nós, pensou surpreendendo-se com a nitidez do pensamento. Sentia-se atingido, a sensação tão mais importante do que a ordem das palavras.
Esperou um instante para ver se a mulher a seu lado na cama se mexia. Mas o colchão continuou imóvel como se vazio. Melhor assim, ela era muito impressionável, se acordasse o assunto acabaria se estendendo no dia seguinte tornando-se difícil de apagar. Ele próprio continuou na mesma posição. Tentou ouvir a respiração dela. Antes que o conseguisse, adormeceu.

Talvez tivesse apenas cochilado, questão de minutos, porque logo estava novamente acordado, olhos bem abertos, nenhum descompasso, e a certeza de saber quem lhe entrava quarto adentro. Dessa vez não era um tiro. Rajadas de metralhadora pareciam ricochetear entre os prédios estremecendo os vidros da janela. Um corte no ar, picotes abrindo superfícies que ele não via, não imaginava, recusando-se ainda a pensar carne e sangue. As rajadas seguiam-se a intervalos pequenos. E a cada brecha de silêncio ele desejava que fosse a última, fechando a noite onde ela havia sido rasgada, restaurando integridade da escuridão como o lago restaura sua superfície encobrindo o corpo que caiu.
A primeira granada estourou altíssima. Começou, disse mulher. E ele então mexeu-se porque já não era necessário cuidar do sono dela. Começou, respondeu. Continuaram no escuro.

Da rua — mas seria mesmo daquela rua?, os sons se alastravam com tal rapidez que poderiam estar vindo da praça, ou de outra rua —, de onde quer que fosse, ali embaixo ou ali perto, chegavam agora tiros de revólver. E gritos. Eram ordens gritadas, iradas, esparsas. Será que não acertam ninguém, perguntou-se ele calado, porque nenhum grito de dor ou de medo lhe chegava e a dor e medo pareciam ser só dele, dele que ali deitado não era a caça de ninguém e se sentia ferido. Desejou que se matassem, que se rasgassem, que se largassem aos pedaços pelo chão.

Levantou-se. Não vai, disse a mulher, embora sabendo que ele só iria até a janela e que mesmo assim o chegaria perto dos vidros, protegendo-se atrás da quina de cimento. Não vai, você está louco, uma bala perdida te acerta. Nessa altura não chega, disse ele certo que no alto daquele prédio alto nenhuma bala viria se perder, e ainda assim não ousando aproximar-se nem muito menos debruçar o corpo e esticar o pescoço para vasculhar, vasculhar o escuro e saber, com alguma mínima certeza, o que estava se passando.
Entre vidro e cimento olhou para baixo. Acreditou ter visto sombras furtivas. Certamente defendiam-se atrás dos carros estacionados, protegiam-se nos portões, alguns haveriam de correr entre um anteparo e outro, armas nas mãos. Estão lá embaixo, disse para a mulher. Mas sabia que tinha visto o que queria ver, talvez não houvesse ninguém naquele rio negro que era a rua visualizada do alto e ainda por cima encoberta pelas copas das árvores, talvez estivessem mais para lá, além do sinal luminoso que alheio como um farol continuava a trocar de cor.

Uma explosão. E quase em cima daquela, outra. Mais fortes, dessa vez. Recuou rápido, meteu-se na cama. Estão usando armamento pesado, disse a mulher como se entendesse de armamento. E ele respondeu, talvez sejam granadas, sabendo muito bem que nunca antes tinha ouvido uma explosão de granada e que não saberia distingui-la de qualquer outra explosão.
A fuzilaria pipocou, as balas pareciam ferir chapas de metal. Ao longe, sons semelhantes responderam. Depois explosões em série, um estrondo. E o silêncio. Nenhum carro passava.

Eles não encontravam nada para dizer. Pensavam que deveriam tentar dormir porque no dia seguinte, mas como? e se deixavam ficar, tomados por aquele medo que não era medo porque nada iria lhes acontecer mas que era medo porque tudo estava lhes acontecendo. Durante longo tempo ouviram o tiroteio intenso que ora se aproximava, ora parecia afastar-se, quase ocorresse atrás de muros. Aquilo não tinha fim. Como uma guerra, pensou ele encolhendo as pernas sobre o peito, de costas para a mulher. As rajadas multiplicavam-se em ecos, silenciavam de repente, sobrepunham-se. Sentiu um desespero sem conserto apertar-lhe a boca, azedar-lhe a saliva. Como uma guerra, disse em voz alta. E ela não respondeu, mas ele teve certeza de que em silêncio repetia, uma guerra meu deus uma guerra.

Uma guerra da qual amanhã certamente não haveria nenhum vestígio nas ruas, nenhuma notícia no jornal. Uma guerra em que todos lutavam com o rosto coberto. Chegaria um momento, na madrugada, quando as pessoas em suas camas estivessem exaustas, olhos ardendo de sono e secura, quando a batalha lá embaixo estivesse perdida ou gasta, chegaria um momento em que não se ouviriam mais tiros só cães latindo, e ele se perguntaria, como se perguntava cada vez, onde estão os mortos, onde, e quantos são, um momento em que afinal esticaria as pernas debaixo do lençol e deitado sobre as costas se permitiria afinal adormecer.
Olhou o despertador, mas a fluorescência há muito tinha se esvaído. Que hora será? perguntou à mulher, quando na verdade queria perguntar há quanto tempo estamos aqui e quanto tempo ainda teremos que ficar ouvindo, ouvindo o esfacelamento da noite. É tarde, respondeu a mulher só para dar-lhe uma resposta, ela que também tinha perguntas a fazer mas, para quê? E ele pensou é tarde, e teve vontade de chorar.

MOACYR SCLIAR - Lágrimas e testosterona

Atenção, mulheres, está demonstrado pela ciência: chorar é golpe baixo. As lágrimas femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiverem por perto, deixando o sujeito menos agressivos. Os cientistas queriam ter certeza de que isso acontece em função de alguma molécula liberada — e não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e deixaram que fossem cheirados pelos homens. O contato com as lágrimas fez a concentração da testosterona deles cair quase 15%, em certo sentido deixando-os menos machões. (Publicado no caderno Ciência, 7 de Janeiro de 2011)


Ele vivia furioso com a mulher. Por, achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava faltar comida na geladeira, não cuidava bem das crianças, gastava de mais. Cada vez porém, que queria repreendê-la por urna dessas coisas, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o ânimo, derretia. Acabava desistindo da briga, o que o deixava furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o faria? Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.

Por que o pranto da mulher o comovia tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim ele se comovia de uma maneira absurda.

Foi então que leu sobre a relação entre lágrimas de mulher e a testosterona, o hormônio masculino. Foi urna verdadeira revelação. Fina! mente tinha uma explicação lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas diminuíram a testosterona em seu organismo, privando-o da natural agressividade do sexo masculino, transformando o num cordeirinho.

Uma idéia lhe ocorreu: e se tomasse injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia, mas por carência do hormônio.

Com ele conseguiu duas ampolas do hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar alguns dias para que o nível da substância aumentasse em seu organismo e então chamar a esposa à razão.

Decidido, foi à farmácia e pediu ao encarregado que lhe aplicasse a testosterona, mentindo que depois traria a receita. Enquanto isso era feito, ele. de repente caiu no choro,um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa estava acontecendo?

É que eu tenho medo de injeção, ele disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.

JÔ SOARES - 18 Frases de Humor


“O filme sempre começa na hora certa, principalmente quando você chega atrasado”.

 “O ar quando não é poluído, é condicionado".

"A pessoa que se diz humilde, se era, deixou de ser."

"Esse sorriso tão lindo que você tem é seu mesmo ou é patrocinado por algum creme dental?"

"Houve uma guerra que durou 100 anos. É dose. Os soldados morreram todos de arteriosclerose."

"Era um sujeito realmente distraído: na hora de dormir, beijou o relógio, deu corda no gato e enxotou a mulher pela janela."

"As duas mulheres se pareciam tanto que todos pensavam que fossem gêmeas. Mas não: eram clientes do mesmo cirurgião plástico."

"A prova de que a natureza é sábia é que ela nem sabia que iríamos usar óculos e notem como colocou nossas orelhas."

"Era um menino tão mau que só se tornou radiologista para ver a caveira dos outros."

"Não há amizade, que por mais profunda que seja, que resista a uma série de canalhices."

"É bem melhor pensar sem falar, do que falar sem pensar."

Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, era só sentar-se nele”.

O pára-quedas é o único meio de transporte que ao enguiçar, chega-se mais rápido”.

"Não há nada de errado com a velhice que a morte não resolva."

"Não há nada de errado com a juventude que a idade não cure.

"Nunca faça graça de graça. Você é humorista, não político."

"Gordo, quando está fazendo dieta, sempre faz a barba antes de se pesar."

"Morava tão longe, que o carteiro mandava suas cartas pelo correio."

AGUINALDO SILVA - Os acrobatas liam Júlio Cortázar antes de subir ao trapézio

Eu nunca lera nada sobre este cara chamado Júlio Cortázar. Mas pederastas já vira muitos, desde os tempos do colégio, quando nós os humilhávamos no banheiro, depois das aulas de educação física. Isso sem falar nas vezes em que cruzava com um deles nos cinemas, nos corredores mais escuros, nos mictórios públicos e nas madrugadas sombrias, locais e ocasiões em que essa raça parecia se sentir mais à vontade. Aqueles quatro, no entanto, me pareceram estranhos desde o primeiro instante. Primeiro porque andavam em fila, ordenados, um atrás do outro e todos silenciosos, sérios. Depois porque havia uma coisa difícil de explicar em seus corpos. Embora andassem calmamente, e evitassem gestos inúteis, a verdade é que eles, misturados às dezenas de pessoas que, naquela madrugada, se encontravam na estação rodoviária, mesmo que estivessem parados, ou até se fossem estátuas, me pareceriam, logo os visse, prestes a alçar vôo. Era como se a terra fosse para eles um rápido descanso, um momento antes de uma revoada para o céu, ou ao menos para os travões de ferro que cruzavam o teto inacabado da estação. Foi assim que os vi a primeira vez, quando passaram mergulhados no próprio silêncio, em fila, carregando a bagagem que não me pareceu muita - duas ou três valises. E mais ainda quando, depois, cruzei com eles à porta do ônibus que nos levaria a São Paulo — calçavam sapatos de borracha, eu observei, e aquele silêncio que faziam seus oito pés ao caminhar parecia um só, e planejado, metrificado e posto a funcionar num esquema: sendo. quatro, eram ao mesmo tempo um só, tão semelhantes me pareciam, e como se ligados pelo ritmo que os conduzia. Agora me pergunta como é que eu soube que se tratava de pederastas. Ora, acontece que os conhecia sempre, os pederastas, mesmo que estivessem imóveis e de olhos fechados, até mesmo quando estavam de costas eu tinha facilidade em reconhecê-los, coitados, nem sempre presos aos maneirismos e gestos que faziam conhecida a raça, mas iguais naquele olhar oblíquo, na maneira como punham um pé diante do outro, o da frente ligeiramente desviado para a direita ou para a esquerda, apontando nesta ou naquela direção. Muitas vezes, em determinados locais, eu vira quando um deles entrara, discreto, silencioso e solitário, cumprira esta ou aquela missão e se retirara, e eu dizia para mim mesmo, é um deles, e olhava em volta surpreso, já que ninguém, além de mim, o notara. Às vezes, se estava acompanhado, não resistia e murmurava para o meu companheiro, viu só aquele pederasta? E o outro surpreso perguntava, mas quem? Ou comentava, depois que eu o apontasse: mas é mesmo? Como é que você sabe?
E era de madrugada, claro: uma hora da manhã na estação rodoviária. Só a essa hora eles ousariam viajar, tomar um ônibus para São Paulo, mesmo sendo quatro. Chegariam lá às sete horas, e ainda gozariam um pouco com o frio da manhã: beberiam café num dos bares próximos da estação, e depois desapareceriam pelas ruas próximas, ao que parece consumidos pelos primeiros raios do sol. À noite seria fatal encontrá-los outra vez em algum lugar escuso.

Abriram a porta do ônibus, e o motorista foi recebendo os bilhetes, um a um. As pessoas se atacavam aflitos beijos de despedida — era como se São Paulo fosse o fim do mundo. E os quatro entraram um a um, à minha frente. No interior do ônibus meio escuro, tateei em busca do número que me fora reservado, e embora não tivesse ainda pensado nisso em nenhum momento, nem fiquei surpreso quando, ao sentar-me, encontrei um deles ao meu lado. Olhei de esguelha, pensei aborrecido que no meio da estrada ele iria me apalpar, procurei manifestar o meu aborrecimento de alguma forma: acendi a luz individual, procurei o cinzeiro, encontrei nele uma ponta de cigarro, murmurei um palavrão sem abrir os dentes, mas o rapazinho não deu atenção. Ao contrário, abriu calmamente sua valise, retirou de dentro dela um livro, acendeu sua luz individual e começou a ler. Esperei mais aborrecido ainda que seu cotovelo roçasse no meu — o livro poderia ser um simples pretexto —, mas os outros passageiros entraram, o motorista também, a porta foi fechada, acesas as luzes, e o ônibus deu partida. Os outros dois estavam sentados à frente, juntos no mesmo banco, e o quarto, à minha esquerda e um pouco atrás, acomodara-se próximo a um velho. O ônibus seguia e eu comecei a pensar em descontrair os músculos, tentar dormir.
Foi quando, de esguelha, olhei o livro que ele lia. Aberto na página trinta e dois, trazia o nome no alto da página: Júlio Cortázar era o autor. E na seguinte, também no alto, o título, Rayuela. Eu não sabia o que significava essa palavra, mas ela, mal a li, brilhou no escuro, como se fosse mágica. Tanto isso aconteceu, que cresceu imediatamente nos meus lábios a pergunta, avolumou-se e, amarga, cheia de bílis e esverdeada, ela transpôs a barreira de meus dentes, rompeu a fraca contração dos meus lábios e espalhou-se na área próxima ao meu rosto, a pergunta como se fosse uma brisa, sibilina e meia morna:
Você lê esse cara?
Sim, porque paralelamente me lembrara: em algum lugar, num jornal ou revista, lera qualquer coisa sobre esse sujeito, Cortázar, que escrevia e era misterioso, uma dessas situações pouco másculas que os escritores e artistas costumam alimentar. E, ao mesmo tempo, sabia agora, aquela palavra, quando lera o artigo, ficara gravada dentro de mim, Rayuela, e só à espera de um momento como este (e porque ele ainda não havia chegado é que eu disse, antes, que nunca lera nada sobre este Júlio Cortázar).
O rapaz, que no rápido instante seguinte me pareceu já esperar pela pergunta, respondeu sem me olhar - nós lemos sempre Cortázar, desde que o descobrimos em Paris. E me olhando, então, pela primeira vez de frente, seus olhos que não ousei enfrentar (me pareceu, de repente, que eu resvalava numa direção contrária à normal), explicou:
O Waldo descobriu que nós somos seus personagens principais quando subimos ao arame. Somos equilibristas.
E me apareceram então, como se impressas no ar ou gravadas em acinzentada fumaça, as palavras da manchete de um dos jornais do Rio: Secretário de Segurança proibiu a exibição dos Irmãos Fantini. Outra vez perguntei:
Irmãos Fantini?
Sim, respondeu o outro, embora não sejamos irmãos, nem nos chamemos Fantini, a não ser o Waldo, que tem esse nome. Mas quando estamos no alto, sobre o fio, combinamos como se fôssemos irmãos.
O fio: era lá que eles fariam a exibição. O fio de aço estendido entre dois prédios, cruzando a avenida central da cidade, à altura do décimo segundo andar. Os Irmãos Fantini, segundo o jornal, pernambucanos famosos em toda a Europa, atravessariam um a um, caminhando sobre o fio. E receberiam, em troca de tão terrível proeza, as doações que o generoso povo carioca lhes quisesse oferecer. Com o dinheiro conseguido, eles pretendiam retornar à Europa, mas, proibidos pelo Secretário de Segurança — que vira no espetáculo uma ameaça em potencial aos nervos da população —, haviam anunciado uma possível exibição em São Paulo, para onde se dirigiriam. E lá estavam, os quatro.
Deve ser um troço difícil, esse de ser equilibrista, não é?
Novamente minha voz me desobedecia. E o rapaz, agora sem se voltar, entreabrindo o livro e folheando suas páginas — e, ao que me pareceu, retirando delas as frases que me ditava —, comentou sem sair de sua calma: depende. É uma questão de especialização. A mesma coisa que ser datilógrafo, ou motorista de caminhão. Difícil mesmo é encontrar o parceiro. Nós nos conhecemos numa feira. Andávamos os quatro, com dificuldade, na corda bamba, e nas feiras íamos conseguindo donativos suficientes para uma vida de miséria. Até que nos encontramos. O Waldo é que adivinhou as excelentes possibilidades que teríamos se nos juntássemos. Nós nos recolhemos a um sítio, lá no Recife, e foi nessa mesma cidade que cumprimos, depois de uns meses de treinos, nossa primeira exibição.
O ônibus seguia rápido, inevitável. A voz do rapaz, que eu sabia ser pederasta — embora ele não traísse nenhum dos maneirismos habituais à raça — me envolvia. As palavras, no entanto, eram pronunciadas num sussurro, e mesmo sem verificá-lo, eu estava certo de que nossos vizinhos mais próximos não nos escutavam. Um deles, o da frente, até ressonava forte, quase roncava:
Foi um sucesso, essa nossa primeira exibição. O Waldo decidira que nós. viveríamos apenas do que o povo nos oferecesse. E foram muitos os donativos. Quando estávamos no ar, em plena travessia, pude escutar o silêncio gelado que se fazia lá embaixo. E quando o último de nós deu o passo final e se precipitou em direção à janela de onde o fio saía, ouvimos os quatro alguns soluços antes que viessem as palmas, os gritos entusiasmados. O povo se entusiasma facilmente, e mais facilmente ainda se emociona. E Waldo pedira que não ficássemos frios ante essa emoção. Ela valia por tudo o que nós pensássemos em ganhar.
Anotei mentalmente esse nome, Waldo, e a ele acrescentei o outro:
Waldo Fantini: um deles, o que usava óculos escuros, deveria ser o próprio. Perguntei, o Waldo usa óculos escuros? E o rapaz respondeu, sim, viu nosso retrato nos jornais? Sem poder explicar ao certo, resmunguei que sim, e ele continuou, já agora sem que eu fizesse qualquer pergunta:
Tanto dinheiro recolhemos que resolvemos viajar para a Europa. Nossa primeira exibição, cruzado o oceano, foi em Lisboa, onde os portugueses nos pareceram bastante apáticos. Ainda aí, alguns — parece que os mais pobres — choraram quando cumprimos os últimos passos. Proibidos em Madrid, pudemos fazer uma exibição em Barcelona. Novas lágrimas. Paris nos deu apenas alegrias, embora nessa alegria notássemos um sinal de fraqueza. Não somos assim tão cultos, mas na França, a impressão que tivemos é de que tudo é utilizado para dar ao visitante uma falsa impressão de euforia. Lá, no entanto, tivemos a felicidade de descobrir — ou nele nos descobrir — Cortázar. Uma manhã Waldo entrou precipitadamente no quarto que ocupávamos num hotel modesto (apesar do dinheiro ganho, vivemos sempre modestamente, evitamos o luxo que, sem dúvida, poderá fazer mal aos nossos músculos e às nossas mentes), e exibiu o livro: Rayuela. E explicou que o senhor Júlio Cortázar, que era argentino, mesmo sem nos conhecer havia escrito nossa história.
Desde então, passamos a ler o livro em rodízio, diariamente, ora um, ora outro. O Waldo, e apenas ele, fez várias anotações, que nós sempre estudávamos. A cada leitura descobrimos novas palavras, outras significações. E como se o livro crescesse sempre, fosse aumentando a cada dia o seu número de páginas. E nós estamos sempre em todas as linhas.
O Fantini me explicou depois, que nem tudo fora êxito na breve carreira do grupo. De volta ao Recife, onde cumpriram outra exibição — já agora com a fama da Europa —, haviam sido roubados em quase tudo. E no Rio, onde o dinheiro já se tornara escasso, tiveram proibida a apresentação. São Paulo, para onde o ônibus se dirigia cruzando aquela escura noite, era sua nova esperança.
Se ganharmos o bastante, voltaremos para a Europa.
E sempre folheando o livro entreaberto sobre os joelhos, mais falou de suas exibições. Citou outras três vezes o Waldo, e eu perguntei, quase aborrecido:
Mas o Waldo é quem manda no grupo? É o chefe?
Ele respondeu que sim. De suas mãos saía toda a garantia do sucesso. Era ele quem iniciava a travessia, e o fazia quando o fio sequer estava estendido, pois a tarefa de estendê-lo era ele quem cumpria com seus próprios passos, lançando-se pela janela a fora, no décimo segundo andar, em direção ao vazio, cumprindo uma terrível guerra contra as inflexíveis noções da gravidade e peso que os homens lá embaixo - os olhos pregados no alto - teimosamente sustentavam. E dessa batalha saía sempre vencedor, seu corpo avançando de dentro de si mesmo a cada passo, no centímetro seguinte já seu corpo novamente avançando, sempre trazendo presa entre os dentes a ponta do fio de aço que para trás ficara preso à primeira janela, o Waldo, o de óculos escuros, enquanto lá embaixo a multidão rezava para que ele rompesse realmente a barreira das leis — Waldo era um deles, afinal —, e na janela os outros irmãos, nem sequer tensos — tanto confiavam na vitória —, esperavam sua vez de atravessar a rua sobre o fio daquela invisível teia.
E eu senti então que, desde a primeira vez que os vira, a entrada da estação, ou mesmo antes, quando lera nos jornais a notícia com os seus nomes, ou antes ainda, quando ouvira falar em Cortázar, em Rayuela, compreendi então que não fizera outra coisa senão me desprender de mim mesmo, despencar, ou resvalar em direção contrária à minha. E naquele ônibus, então, o que ocorreria? Perguntei, mas o Waldo, esse Waldo; o rapaz me interrompeu com um meio sorriso:
Já sei, quer conhecê-lo, não é?
Não respondi que sim, mas me levantei ao mesmo tempo que ele. Lá na frente, notei que o quarto elemento do grupo se postara junto aos outros dois — um destes era o Waldo —, e que os três me esperavam. Caminhamos eu e meu companheiro em direção a eles, e lá, Waldo dormia, a cabeça encostada de leve à janela, os olhos fechados, os óculos escuros guardados no bolso da camisa. Ele dormia mas acordou ao segundo chamado, ergueu de leve a cabeça e lentamente entreabriu os olhos; eu forcei os meus, mas — e foi então que o ônibus se precipitou de vez na escuridão da noite — de dentro dos olhos dele nada mais pude arrancar além da brancura que, impotente, me fitava. Waldo Fantini, o primeiro dos irmãos equilibristas, atingido na infância por um terrível mal, era definitivamente cego.

A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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