MANOEL CARLOS - A verdade de cada um

É sabido que tudo o que é oculto desperta curiosidade e interesse. Nestas crônicas quinzenais, sempre que conto um episódio esotérico, chamemos assim os acontecimentos que ocorrem sem comprovação, recebo dos leitores mensagens de crença e descrença, provando que não se passa por esse tema com indiferença.

Em maio, numa crônica neste espaço, levantei a questão do “assim é se lhe parece”, e foram muitas as manifestações, ora apoiando, ora negando a existência de fenômenos inexplicáveis.

Por essa razão, eu e alguns amigos do Café Severino criamos uma espécie de jogo em que todos contam fatos vividos ou sabidos em que a veracidade não pode ser provada. Você acredita ou não. Fizemos isso na última semana. Nossa querida Carla cuidou de gravar o que cada um contou, transcrevendo para o papel o que foi dito. Devido ao espaço de que disponho aqui, passo a vocês, hoje, as duas que considerei mais intrigantes, mas prometo que no decorrer do ano irei inserindo nas minhas crônicas uma ou outra das muitas histórias que ouvi naquela tarde. A pedido deles, não direi quem contou isso ou aquilo. Querem o anonimato. Que seja assim.

Na véspera de casar-se, uma jovem recebeu uma dúzia de rosas brancas, acompanhadas de um cartão no qual se lia apenas: “Seja muito feliz”. Sem saber o autor ou autora do presente, mas admirada com a beleza e o frescor das flores, deixou-as num vaso na mesinha que tinha no quarto. Surpreendentemente, a jovem não acordou na manhã seguinte. Estava morta quando foram chamá-la para o café. E as rosas brancas amanheceram rosas vermelhas, rubras como sangue, o que ninguém conseguiu explicar.

Um homem sonhou com um número de cinco algarismos: 47296. Acordou do sonho, anotou o número num papel e voltou a dormir. Na manhã seguinte, antes que ele contasse à mulher, ela lhe disse que sonhara com o mesmo número e que também o havia anotado. Ficaram pasmos com a coincidência, na certeza de que era um aceno da fortuna e do fim dos problemas financeiros que viviam. Era a sorte batendo finalmente à porta. Correram à rua e entraram na primeira casa lotérica que encontraram. Só havia um bilhete à venda. Precisamente o de número 47296. Ah, pensaram com mais certeza, a fortuna estava garantida. Na hora do sorteio, que era transmitido pelo rádio, aguardaram — muito seguros, mas ansiosos — as bolinhas numeradas revelarem o 5º, 4º, 3º e 2º prêmios, até finalmente chegarem ao 1º. E o bilhete sorteado foi 69274. Portanto, o número sonhado, porém invertido. Podem imaginar a decepção de marido e mulher. Consideraram o acontecimento uma gozação do destino. Alguns dias depois, falando sobre o assunto, lembraram que, por causa de uma goteira na cabeceira da cama, os dois estavam dormindo havia mais de um mês com a cabeça virada para os pés. Invertidos, portanto.

Há quem jure que essas histórias são verdadeiras. Há quem as negue e até ria de quem as conta e de quem as ouve. Não me surpreendo com nenhuma das duas reações. É a verdade de cada um.

BAGUNÇA E CRIATIVIDADE ANDAM LADO A LADO, DIZ ESTUDO

De acordo com pesquisadores americanos, locais de trabalho desorganizados estimulam pensamento criativo, enquanto os mais arrumados ajudam profissional a ter foco

Sua mesa tem papéis com anotações, livros e revistas, fotos, objetos pessoais e várias canetas espalhadas? Ou tudo está arrumadinho, em seu devido lugar? Saiba que um estudo da Universidade do Minnesota, dos Estados Unidos, conclui que bagunça e criatividade andam lado a lado. De acordo com os autores da pesquisa, que realizaram três experimentos com participantes de perfis distintos, promovendo exercícios em salas bagunçadas e organizadas, é mais benéfico ter uma mesa bagunçada no início de um projeto e uma limpa no final. Isso porque um ambiente bagunçado promove o pensamento criativo e ideias não convencionais, enquanto uma mesa limpa vai ajudar a pessoa a se concentrar, ao mesmo tempo que gera mais aderência a convenções sociais e tradições. Sendo assim, o “afastamento do caos” (a mesa bagunçada) irá ajudar o profissional a terminar seu projeto.

 “Estar numa sala limpa parecia incentivar as pessoas a fazer o que era esperado delas. Já os ambientes desordenados estimularam a criatividade, e os participantes apresentavam mais ideias”, afirmou a pesquisadora-chefe Kathleen Vohs, em um artigo publicado no ScienceDaily.

Mas, afinal, o que é melhor: trabalhar em um ambiente desorganizado ou todo arrumadinho? Para os autores do estudo, há vantagens em ambos os casos, e a principal questão é decidir como potencializar tais aspectos.

“Ambientes organizados promovem escolhas tradicionais e saudáveis, o que pode ser benéfico ao encorajar as pessoas a seguirem normas sociais. Ao mesmo tempo, ambientes bagunçados estimulam a criatividade, o que tem grande importância para os negócios e as artes. Saber isso significa que as pessoas podem aproveitar o poder de cada ambiente para alcançar seus objetivos”, diz o relatório.

Para Ylana Miller, sócia-diretora da Yluminarh e professora do Ibmec, a desordem tem, sim, um lado positivo, pois pode estimular novas ideias sem a perda de foco e alcance dos resultados esperados:
— Líderes que estimulam uma atitude criativa e fora da caixa certamente não se preocupam se a sua mesa está bagunçada ou não. Para eles, “a bagunça produtiva” pode ser um diferencial da equipe. E, quando o inconformismo faz parte do DNA, o profissional fará a diferença mesmo em ambientes tradicionais, mais “quadrados”.

O coach Silvio Celestino, por sua vez, pensa que o ambiente de trabalho deve ser misto e um pouco de bagunça pode, sim, estimular as pessoas a inovar. Por outro lado, aponta, excesso de bagunça pode não ser produtivo:
— Tudo depende muito do perfil comportamental da pessoa na interação com o ambiente. Uma pessoa mais tímida e que possui grande organização dos pensamentos, por exemplo, pode não se sentir tão influenciada pela desordem e encontrar meios inteligentes de atingir resultados mesmo que o ambiente não seja favorável. Já uma pessoa mais extrovertida e com dificuldade de ter foco pode se sentir perdida em meio a tanta bagunça e, enquanto não organizá-la primeiro, não se sentirá capaz de focar o resultado desejado. Em qualquer dos casos, o importante é que o profissional seja capaz de produzir o resultado desejado.

O coach lembra que, em geral, as pessoas confundem organização com disposição geométrica de objetos e espaços. Por vezes, diz ele, o fato de um lugar estar todo organizado, geometricamente, não significa que as pessoas estão necessariamente seguindo regras. Mas, com certeza, qualquer mudança de processo que implique em mudança espacial será mais notada e, portanto, se os líderes forem muito críticos quanto a mudanças, seguramente ninguém se sentirá estimulado a fazê-la. Por outro lado, um ambiente onde o risco é estimulado, mesmo que ordenado em termos espaciais, pode promover os pensamentos fora da caixa que tantas empresas pedem.
Segundo Celestino, antes de tudo, é importante saber de qual departamento se está falando:
— Não considero apropriado um departamento fiscal bagunçado, tanto quanto considero inapropriado um departamento de desenvolvimento de novos produtos, ou de marketing, todo certinho.

Ylana conclui que o ambiente ideal de trabalho, na verdade, é aquele onde o profissional se sente bem, e que não há um padrão, e sim uma escolha, que faz parte do autoconhecimento do profissional. Para alguns, diz a consultora, o ambiente físico pode ter um grande impacto na produtividade, enquanto que para outros pode vir a ser o clima organizacional. Neste caso, são pessoas que valorizam o espaço aberto para expor suas contribuições e habilidades com naturalidade, sem medo:
—Verdadeiros líderes inspiram, valorizam e potencializam as competências dos profissionais, seja qual for o ambiente.

20 DE AGOSTO DE 2013: O DIA EM QUE A TERRA PAROU

A partir desse mês, estamos oficialmente 
consumindo mais do que a Terra pode repor

Dia 20 de agosto foi o Earth Overshoot Day (“O Dia da Terra Superada”, em tradução aproximada), o dia em que passamos a operar no vermelho – logo, nós não temos razões para festejar.

Isso porque o Earth Overshoot Day marca o dia do ano em que consumimos recursos naturais a uma taxa além do que nosso planeta pode repor (na mesma época, ou seja, um ano). Os humanos, agora, oficialmente produzem mais lixo do que pode ser reabsorvido, segundo a Global Footprint Network, uma organização não governamental com sede nos Estados Unidos, Suíça e Bélgica.

O feriado foi originalmente concebida por Andrew Simms, da organização New Economics Foundation, Reino Unido. Este ano, cai no dia 20 de agosto, dois dias (ou três, dependendo dos cálculos) mais cedo do que ocorreu no ano passado, seguindo uma tendência relativamente estável desde 2001: queda de cerca de três dias mais cedo a cada ano. O primeiro entrou em em 1970, naquele ano, Earth Overshoot Day caiu no dia 29 de dezembro.

A causa para o nosso consumo insustentável é multifacetada. Nós temos uma população em crescimento (hoje em mais de 7,1 bilhões, de acordo com o World Popular Clock, e um ganho líquido é uma pessoa a cada 13 segundos), com a crescente demanda por produtos e serviços que geram mais resíduos e usam mais recursos. Na nossa atual taxa de consumo global e de produção de resíduos, o nível de recursos necessários para apoiar-nos é cerca de 1,5 Terras. A Global Footprint Network estima que estamos no caminho certo para a necessidade de duas Terras, antes de chegar ao meio do século.

Hoje, de acordo com a Global Footprint Network, mais de 80% da população mundial vive em países que usam mais do que os seus ecossistemas podem renovar. Alguns dos criminosos maiores: Japão consome 7,1 de seus recursos; Itália 4, e Egito, 2,4. Na parte ecológica, a China é a maior esgotadora (seriam necessárias 2,5 Chinas para acomodar sua população), embora sua renda per capita seja menor do que muitos países europeus e norte-americanos.

Para calcular essa data, a Global Footprint Network descobre quantos dias de um determinado ano a biocapacidade da Terra pode fornecer para o impacto ecológico total. Assim, o cálculo é uma razão entre a biocapacidade mundial e o conjunto de impactos de ecológicos (ou pegada ecológica) no planeta por ano. A organização calcula a biocapacidade olhando para a quantidade de área produtiva (terra e mar) disponível para fornecer recursos e absorver os resíduos de acordo com as limitações da tecnologia atual e as práticas de gestão. Um país tem uma reserva ecológica se a sua pegada é menor do que sua biocapacidade; da mesma forma, se a sua pegada ultrapassa sua biocapacidade, ele é um devedor ecológico.

A Global Footprint Network observa que a data é uma aproximação. Sua precisão é limitada por conjuntos de dados nacionais agregados, mas ainda assim mostra que os seres humanos estão usando a Terra a uma taxa que é insustentável.
Por Jonatas Almeida da Silva[popsci]

TONY BELLOTTO - Sobre desertos e churrascarias

Se tem uma coisa que me emociona é ver 
no domingo um pai separado almoçar com o filho

Para quem viaja sozinho, as refeições podem ser um problema. Não me sinto à vontade quando entro desacompanhado num restaurante, nem mesmo num restaurante de hotel. Embora admire e inveje gastrônomos solitários, fico sem graça que me olhem comer quando estou só. No filme “O discreto charme da burguesia”, o diretor Luis Buñuel mostra pessoas que se reúnem à mesa para defecar juntas e depois se retiram para cubículos individuais, onde podem fazer suas refeições com privacidade.

Sushi bar
Se tenho de comer sozinho, prefiro o balcão de um sushi bar. Ali posso folhear um livro enquanto mastigo e contemplar peixes mortos sem que me tomem por um excêntrico. Posso também consultar o sushiman sobre a procedência das ovas de ouriço e até mesmo puxar um papo — depois do segundo saquê — com o vizinho de balcão. Mas há situações e cidades em que não é possível encontrar um restaurante japonês. Nesses casos a melhor opção é uma churrascaria rodízio, onde o assédio contínuo dos garçons não deixa ninguém se sentir sozinho.

A necessidade é a mãe da invenção
A origem do rodízio de carnes, ou espeto corrido, é controversa. Uma das teorias afirma que nasceu num restaurante de beira de estrada em Santa Catarina ou no Paraná, nos idos de 1960, no dia em que o dono do estabelecimento percebeu que as carnes que assavam na cozinha não ficariam prontas a tempo de suprir as demandas dos caminhoneiros famintos que lotavam a casa. A solução encontrada foi retirar do braseiro os espetos com as carnes que já estavam no ponto de cozimento e pedir aos garçons que fatiassem igualitariamente as peças pelas mesas antes que caminhoneiros enfurecidos se insurgissem.

Observatório
Encontro-me agora numa dessas churrascarias e observo a movimentação por trás da barreira formada por garçons que deslizam sobre a capa de gordura que reveste o chão. Aproveito para aprender um pouco mais sobre as naturezas humana e bovina. A humana certamente mais dura e complexa, a bovina aparentemente mais macia e saborosa. Vejo chegar um homem de 40 anos acompanhado de um menino de 8. Um pai e um filho, suponho.

Angústia
Pai e filho sentam-se frente a frente numa mesa próxima de onde estou. O homem faz os pedidos de bebidas, um refrigerante para o filho e uma meia garrafa de vinho tinto para si. Enquanto garçons distribuem guarnições pela mesa, pai e filho permanecem calados, como se não houvesse intimidade entre eles. Imagino tratar-se de um filho único de pais separados em seu fim de semana com o pai. Quando pai e filho não vivem juntos há uma cerimônia específica entre eles. Quase nunca se observa o mesmo em relação a mães separadas, pois na maioria das vezes os filhos permanecem vivendo com a mãe depois da separação, e a intimidade não se perde. Pai e filho à minha frente estão sem assunto. Essa é uma daquelas situações que só um pai separado pode experimentar. Ser pai também pode significar angustiar-se numa churrascaria.

Distância
Pai e filho começam a comer em silêncio, como se além do cheiro de carne assada, ressentimento pairasse no ar. Talvez o garoto esteja ali a contragosto. Talvez o pai sinta-se culpado por não poder conviver mais com o filho. Num rodízio o ritmo da refeição é frenético. Nos rápidos intervalos entre uma picanha e uma alcatra, ainda calados, cada um pega seu celular. O filho se entretém com um joguinho, enquanto o pai, contrito, lê e-mails. A distância entre os dois é palpável como um deserto. Passado um tempo, o pai dá um gole do vinho, larga seu iPhone e começa a observar o filho, que continua atento ao seu próprio celular. É um momento de suspense. Então o homem pergunta alguma coisa ao garoto, demonstrando interesse pelo que ele está fazendo. O menino em resposta mostra seu aparelho, explicando como funciona o joguinho. Depois de mais uma rodada de carnes, a camada de melancolia que envolve os dois começa a se desfazer. Os celulares repousam sobre a mesa, e pai e filho finalmente conseguem conversar.

O deserto
Se tem uma coisa que me emociona é ver no domingo um pai separado almoçar com o filho numa churrascaria. Principalmente se já dei cabo de quase uma garrafa de vinho, como é o caso. Lembro de “Paris, Texas”, filme de Wim Wenders que conta a história de um pai que tenta recuperar o diálogo com o filho pequeno, mais ou menos da idade do menino que vejo à minha frente. No filme, antes de reencontrar o filho — e acertar contas com o passado —, o pai vaga pelo deserto ao som de “Dark was the night, cold was the ground”, o trágico blues instrumental de Blind Willie Johnson.

HIPNOSE PODE GERAR ALUCINAÇÕES VERDADEIRAS

Um grupo multidisciplinar de pesquisadores da Finlândia (Universidade de Turku e Universidade de Helsinki) e da Suécia (Universidade de Skövde) recentemente encontrou evidências de que a hipnose pode modificar o processamento de um estímulo alvo antes que ele atinja a consciência.

As experiências demonstram que é possível modular hipnoticamente mesmo as características mais automáticas de percepção, tais como as experiências de cor. Os resultados foram apresentados em dois artigos publicados nas revistas “PLoS ONE” e “International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis”. A parte finlandesa da pesquisa é financiada pela Academia da Finlândia.

A natureza das mudanças na percepção causadas pela hipnose tem sido um dos principais temas de controvérsia durante a história da hipnose. As principais teorias atuais da hipnose sustentam que usamos sempre ativamente a nossa própria imaginação para alcançar os efeitos de uma sessão de hipnose. Por exemplo, a ocorrência de alucinações visuais sempre requer o uso ativo do objetivo imaginário dirigido, e esse fenômeno pode ser experimentado com e sem a hipnose.

O estudo publicado na “PLoS ONE” foi feito com dois participantes altamente sensíveis à hipnose, que poderiam ser hipnotizados e desipnotizados usando apenas uma única palavra-chave. Os pesquisadores mediram as atividades cerebrais oscilatórias dos participantes em resposta a uma série de imagens exibidas rapidamente a eles: formatos geométricas – quadrados, triângulos ou círculos – nas cores ou azuis ou vermelhas. Os participantes foram hipnotizados e receberam algumas dicas de que certas formas sempre possuíam uma determinada cor (por exemplo, os quadrados são todos vermelhos).

Um participante informou que havia experimentando constantemente uma mudança na cor do objeto imediatamente quando uma forma sugerida aparecia na tela (por exemplo, ver um quadrado vermelho quando a cor real era azul). Os pesquisadores descobriram que esta experiência foi acompanhada de aumento da atividade cerebral de alta frequência logo 0,1 segundo após o estímulo aparecer, além de ter sido apenas observada em resposta às formas mencionadas nas dicas.

O segundo participante não experimentou nenhuma mudança de cor nem uma atividade cerebral diferente. No entanto, relatou uma sensação peculiar quando um formato anteriormente mencionado era apresentado. “Às vezes eu via e percebia que uma forma tinha a cor vermelha, mas o meu cérebro me dizia que ela tinha uma cor diferente”.

Este aumento na atividade cerebral oscilatória reflete a comparação automática de entrada para as representações de memória. Neste caso, a sugestão hipnótica “todos os quadrados são vermelhos” levou a um traço de memória que foi ativado automaticamente quando um quadrado foi apresentado.

Além disso, para o primeiro participante, o efeito foi forte o suficiente para substituir a cor real do quadrado. A correspondência deve ter ocorrido de forma pré-consciente, no momento inicial do efeito, por isso a mudança de cor imediata. Além disso, ambos os participantes relataram ter realizado o teste sob efeito da amnésia pós-hipnótica, sem memória consciente das dicas sobre a cor das figuras.

No artigo publicado na “International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis”, o mesmo primeiro participante foi testado em um tipo de configuração semelhante. Nesse experimento, porém, foram coletados apenas os dados de comportamento, incluindo a precisão e os tempos de resposta no reconhecimento de cor.

Estes resultados mostram que uma sessão de hipnose afeta a percepção das cores de um determinado objeto antes mesmo da pessoa se tornar consciente da figura – como aconteceu com esse participante. Além disso, ele não foi capaz de alterar a sua experiência com os objetos apresentados visualmente sem o uso da hipnose. Ou seja, ele não conseguiu fazer com que as informações que já possuía em seu imaginário se sobrepusessem à força da hipnose.

É importante ressaltar que ambas as experiências foram feitas usando uma sugestão pós-hipnótica. O efeito foi sugerido durante a hipnose, mas a experiência foi sugerida para ocorrer após a hipnose. Assim, todos os experimentos foram realizados enquanto os participantes estavam no seu estado normal de consciência.

Este resultado indica que, utilizando a hipnose, é possível criar um traço de memória que influencia as fases anteriores e logo o início do processamento visual, já cerca de 0,1 segundo após o aparecimento de um alvo visual. Este resultado tem implicações importantes em psicologia e neurociência cognitiva, especialmente quando se estuda a percepção visual, a memória e a consciência.
Por Bruno Calzavara [Medical Xpress]

CORA RÓNAI - História e os cheiros

Fui para a Índia bastante preocupada 
com os cheiros que encontraria; pois me preocupei à toa

Tenho algumas perguntas que nunca serão respondidas. Gostaria de saber, por exemplo, qual era o gosto da comida na Idade Média. Posso ler mil descrições, mas nenhuma jamais corresponderá à garfada que me esclareceria essa dúvida. Tenho certeza de que eu detestaria praticamente qualquer prato, já que sutileza não era uma marca registrada da época. Já participei de alguns jantares “medievais” na Europa, em que cozinheiros criativos tentaram recriar antigas receitas, mas faltava-lhes metade dos ingredientes e, imagino, boa parte da coragem para carregar nos temperos.

Tenho também muita curiosidade em relação ao cheiro do mundo. Quando passeio por encantadoras cidades antigas, em que tudo parece cenário de filme de época, nunca esqueço que, no tempo em que viveram seu auge, as noções de higiene eram bem diferentes das nossas. As ruazinhas estreitas que tanto me encantam eram melequentas e imundas. Bichos de todos os tipos circulavam entre as pessoas, de bodes e vacas a ratos e insetos; ninguém tomava banho; havia esgotos a céu aberto. Cavalos, bois e burros ocupavam as ruas, montados ou puxando carroças, e deixavam por toda a parte o rastro da sua presença. Queimava-se incenso nas igrejas não por motivos sagrados, mas para dar um trato no bodum de tanta gente junta: havia quem acreditasse que a fumaça afastava doenças.

Tive dois momentos de grande percepção histórico-olfativa, digamos assim. O primeiro aconteceu na Turquia quando, circulando pelo interior, fui parar numa aldeia minúscula que pouco tinha mudado com os séculos. As casas eram construídas em dois pisos. No térreo ficavam os armazéns e os animais; no andar superior, as pessoas. Entrei em várias delas e, embora estivessem limpas, o aroma era — para usar um termo diplomático — intenso. Estávamos no começo da primavera, o que significava portas e janelas abertas e espaços arejados. Não tive imaginação suficiente para fazer ideia de como seria no inverno.

O outro momento aconteceu em Delhi. Fui para a Índia bastante preocupada com os cheiros que encontraria; pois me preocupei à toa. Não cheirei nada no país que já não tivesse cheirado, e bem pior, depois da passagem de um bloco pelas ruas do Rio. A exceção foi na Jama Masjid, a grande mesquita. Em frente ao magnífico edifício havia uma muvuca completa, em que se misturavam no ar os cheiros dos perfumes usados pelos indianos, das frituras preparadas pelos vendedores de comida, dos animais que seriam sacrificados no dia seguinte (estávamos às vésperas do Eid) e de um esgoto nauseabundo. Fiquei em estado de choque nasal — e devo ter ficado também meio esverdeada, pois logo um rapaz me ofereceu um frasco minúsculo com um cheiro suficientemente forte para encobrir os demais pela módica quantia de cinquenta rúpias. Mal sabia ele que eu teria dado qualquer coisa por aquilo!

Ali, de frasquinho nas ventas, tive plena consciência de que estava o mais perto possível do cheiro com que a Humanidade conviveu, universalmente, até descobrir as primeiras noções de higiene, há meros 200 anos.

Na sequência eu ia a Varanasi, antiquíssima cidade à beira do Ganges, onde, além de todos os cheiros já descritos, me esperava, ainda, a fumaça das piras de cremação. Pelo sim, pelo não, comprei mais um vidrinho de sais aromáticos do vendedor, que estava tendo um ótimo dia com os firangs. Cheguei a pensar em cancelar a viagem, o que teria sido um grave erro. Varanasi é a cidade mais impressionante que já visitei. É linda, está suspensa no tempo e cheira predominantemente a incenso e especiarias. Tem sua cota de ruas mal cheirosas, mas nada que se compare ao que encontrei em Delhi.

Quanto às piras funerárias, não cheiravam nem fediam. Os indianos dizem que isso se deve a Krishna; já eu acho que se deve à brisa. Só vim a descobrir qual é o cheiro que temos quando nos cremam em Pashupatinath, na área sagrada de Kathmandu, onde Krishna e o vento não trabalham, e onde não há incenso que dê jeito no ar. Muitos ocidentais mais sensíveis passam mal, mas eu estava curiosa demais para me dar a esse luxo.

Mas se o fedor do passado me interessa, mais ainda me interessa o perfume. Adoro incensos e gosto de imaginar que nos acompanham desde tempos imemoriais. Daria tudo para saber com que cheiro ficava Cleópatra depois dos seus famosos banhos e quais eram os perfumes favoritos dos egípcios e dos romanos. Podemos ter uma vaga ideia disso indo às perfumarias orientais que ainda trabalham com óleos essenciais naturais. Os cheiros de origem animal, como o ambar gris e o musk, ou os extraídos de flores, de especiarias e de madeiras, continuam basicamente iguais.

Durante séculos e séculos tivemos uma paleta de fragrâncias mais ou menos imutável. Só começamos a cheirar de acordo com os nossos tempos em 1889, ano em que a Torre Eiffel foi erguida em Paris e em que um jovem perfumista chamado Aimé Guerlain inventou de usar moléculas sintéticas.

A MORTE VIROU LUGAR COMUM - Arnaldo Jabor

Só se fala em morte, hoje em dia. Quantos morreram hoje na Síria? Só 130? Ontem foram 200. E na periferia de São Paulo, quantas chacinas? Só duas, com alguns feridos? Quando Hannah Arendt cunhou a expressão "banalidade do mal", ela não imaginava como a morte se tornou um fato corriqueiro no mundo atual, sem os trágicos acordes do Holocausto. Talvez haja nas matanças banais um desejo de desvendar o mistério da morte, bem lá no fundo do inconsciente.

Para além de vinganças, busca de poder ou dinheiro, ódio puro, prazer, há a vontade de 'naturalizar' a morte, de modo que ela deixe de ser a implacável ceifadora.

Tenho certeza de que os assassinos que passam de moto e metralham inocentes não têm consciência da gravidade de seus feitos - apenas mais um dia divertido de violências. Os filmes americanos buscam o tempo todo essa banalidade: tiros súbitos sem piedade, jorros de sangue ornamentais, a beleza fálica das superarmas automáticas. Nos brutos filmes de ação, nos videogames, nas notícias bombásticas de tragédias há um claro desejo de esquecer a morte, mostrando-a sem parar. Um desejo de matar a morte. Um desejo de entendê-la pela repetição compulsiva. Mas, nunca conseguiremos exorcizá-la, porque quando ela chega não estamos mais aqui. Gilberto Gil fez uma música genial sobre a morte, onde ele canta, numa toada fúnebre:

"A morte já é depois/ já não haverá ninguém/ como eu aqui agora/ pensando sobre o além. / Já não haverá o além/ o além já será então/ não terei pé nem cabeça/ nem fígado, nem pulmão/ como poderei ter medo/ se não terei coração?" É isso. Só se pode falar da morte pela ausência. Nós apenas saímos do ar. Desaparecemos.

Ela é tão banal que inventamos solenes rituais para dar-lhe consistência, religiões ou crenças materialistas para nos consolar: "O universo é a eternidade. Deus é o universo, a substância. Ele está nas galáxias e no orgasmo, nos buracos negros e no coração batendo..." "Grandes merdas" - penso hoje -, pois quando ela chega acaba a literatura. Aliás, falar sobre a morte também é um lugar-comum - mas agora, é tarde demais para mim -, tenho de ir em frente. Até o grande Guimarães Rosa caiu nessa: "Morremos para provar que vivemos". O Nelson Rodrigues me perguntava sempre: "Pelo amor de Deus, me explica essa frase! E qual a profundidade de "Viver é muito perigoso?"

A morte só tem "antes", não tem "depois" - no Ivan Ilitch, do Tolstoi, quando ela chega, acaba o conto. Ele diz no instante final: "A morte acabou". Dizem que o Muhammad Atta, o terrorista que comandou o ataque às torres de NY, era ateu, mas queria conhecer aquele instante que separava o avião da torre erguida. A morte não está nem aí para nós; ela tem "vida própria". A gente vai para um lado, o corpo para o outro. Ela nos ignora, nossos méritos, nossas obras. Mais um lugarzinho comum: "Só nos resta viver da melhor maneira possível até o fim. Tem mais é que curtir, gente boa..." Pois é; há muitos anos, pegou fogo no edifício Joelma em São Paulo, torrando dezenas de infelizes. Do prédio em frente, as teleobjetivas fotografaram todas as agonias. Até hoje, lembro-me da foto em cores de um homem de terno, pastinha 007, agachado numa janela do 20.º andar, com o fogo às costas. Seu rosto mostrava a dúvida: "O que é melhor para mim? Morrer queimado ou me jogar?" Ele curtiu até o fim - e se jogou.

O que me chateia é ficar desatualizado. As notícias vão rolar e eu nada saberei. Haverá crises mundiais, filmes que estreiam, músicas novas, e eu ficarei lá embaixo, sem saber das novidades. É insuportável a desinformação dos falecidos.

Meu avô me disse uma vez: "Acho triste morrer, seu Arnaldinho, porque nunca mais vou ver a Av. Rio Branco..." Isso me emocionou, pois ele ia diariamente ao centro da cidade, onde tomava um refresco de coco na Casa Simpatia. Por isso, quando me penso morto, eu, que não irei ao meu enterro, de que terei saudades? Ou melhor, que saudades teria se as pudesse ter?

Não terei saudades de grandes amores, de megashows da vida de hoje, excessiva e incessante. Não. Debaixo da terra, terei saudades de irrelevâncias essenciais, terei saudades de algumas tardes nubladas de domingo que só o carioca percebe, tudo parado, com os urubus dormindo na perna do vento, como dizia o sempre presente Tom, do radinho do porteiro ouvindo o jogo, terei saudades do cafezinho nas beiras dos botequins, de certos tons de roxo e rosa em Ipanema antes da noite cair, saudades do cafajestismo poético dos cariocas, saudades dos raros instantes sem medo ou culpa, de alguns momentos de felicidade profunda, sem motivo, apenas pela gratidão de respirar. Não terei saudades dos fatos e notícias, nada do mundo febril; só a quietude, o silêncio entre amigos na paz de um bar, papos de cinéfilo, risos proletários e camaradagem de subúrbio, do samba que nos envolve nas rodas pobres com a alegre sabedoria da desesperança, da Lapa, da Av. Paulista de noite, do jazz, pernas cruzadas de mulheres inatingíveis, terrenos baldios de minha infância, saudades da literatura, do prazer da arte, Fellini, Shakespeare, de Cantando na Chuva - o maior hino da alegria americana, saudades de Fred Astaire dançando Begin the Beguine com Eleanor Powell, felizes para sempre dentro do universo estrelado.

Há várias mortes. Há brutas tragédias, fomes e bombas, horrendos desastres, mas, na morte óbvia, comum, caseira, só temos duas escolhas: súbita ou lenta.

Você, frágil leitor, qual delas prefere? O rápido apagar do "abajur lilás" de um ataque cardíaco ou o lento esvair da vida, sumindo com morfina? Se eu pudesse escolher, queria morrer como o velho Zorba, o grego, em pé, na janela, olhando a paisagem iluminada pelo sol da manhã. E, como ele, dando um berro de despedida.

CONTARDO CALLIGARIS - Atores famosos no palco

Uma caraterística da telenovela talvez produza 
atores sempre atentos ao retorno da platéia

Passei um mês em Nova York -escrevendo, lendo e frequentando teatros, cinemas e galerias. Aproveitei para ver ao vivo alguns atores de cinema ou de televisão. Por que eu não estaria a fim de "conhecer os corpos" de atores que dão vida a ficções que me tocam?

No teatro, nunca desdenho uma primeira fileira, de onde é fácil ouvir a respiração e enxergar as gotas de suor e de saliva que constituem, para mim, o charme da presença material, física do ator.

Vi Jessica Chastain (a imperdível protagonista de "A Hora Mais Escura", de Kathryn Bigelow, que estreará em 15 de fevereiro), David Strathairn e Dan Stevens (o Matthew Crawley de "Downton Abbey" -agora no GNT), todos em "The Heiress" ("A Herdeira"), de R. e A. Goetz, no Walter Kerr Theatre. E vi Scarlett Johansson em "Cat on a Hot Tin Roof" ("Gata em Teto de Zinco Quente"), de Tennessee Williams, no Richard Rodgers Theatre.

Ao entrarem no palco, os atores eram recebidos por aplausos que sustavam a ação: afinal, o público estava lá para vê-los. Mas, fora essas breves suspensões, todos eles seguiam o que é hoje um padrão de atuação: uma sólida quarta parede. Explico.

No teatro, o palco é delimitado por três paredes, a quarta sendo a que está faltando, de modo que a plateia possa enxergar a ação. Os atores podem aproveitar dessa abertura para interagir com o público (lembrando assim a todos que se trata de uma peça) ou, no extremo oposto, agir como se eles estivessem sozinhos, entre quatro paredes.

Hoje, em regra, o ator (ainda mais se for de cinema) tende a atuar assim, entre quatro paredes, como se não houvesse câmera nem plateia. A ponto que uma cumplicidade com o público parece intencional -um jeito de transgredir o padrão dominante, de nos fazer rir ou de nos distanciar da história representada.

A experiência foi diferente quando fui ver Al Pacino em "Glengarry Glen Ross", de David Mamet, no Schoenfeld Theatre. Aqui, a atuação de Al Pacino era um grande aparte endereçado ao público. Mesmo nos diálogos com os outros atores, ele olhava e falava para nós.

Não vou me queixar de que, num diálogo comigo (e 800 outros, claro), ele usasse as manhas de Michael Corleone, Frank ("Perfume de Mulher") ou Lefty ("Donnie Brasco"). Afinal, eu estava lá para isso, não é?

No Brasil, também, já vi atores famosos do cinema e da televisão atuando no teatro. Nunca vi um deles dar uma de Al Pacino e quebrar a quarta parede para oferecer ao público um banho de presença estrelada.

Em compensação, fico quase sempre com a impressão de que, no Brasil, os atores mantêm uma conexão com a plateia que abre uma fresta na famosa quarta parede.

É óbvio que não estou me referindo a peças nas quais, de maneira intencional, os atores interagem com a plateia como se não houvesse quarta parede. É óbvio também que não estou falando de rupturas escrachadas da quarta parede, como, sei lá, apartes ou piscadinhas engraçadas para o público.

Ao contrário, gostaria de descrever (mas não consigo) uma impressão sutil de que os atores, aqui no Brasil, atuam PARA mim. Ou seja, que a presença da plateia pesa no que acontece no palco.

Se essa minha impressão capta alguma realidade, qual seria uma origem possível do fenômeno? É difícil superestimar a importância da telenovela na cultura nacional (e, por consequência, na formação dos atores). Ora, há uma especificidade da novela que dota a quarta parede de uma leve, mas constante transparência. Qual?

novela é escrita enquanto está sendo gravada e vai ao ar -ela é um pouco herdeira da "commedia dell'arte", uma gloriosa forma de teatro em que os atores improvisavam a partir de uma sinopse.

A primeira consequência disso é que, na novela, como em nenhum outro gênero, a relevância de um personagem e seu destino na história podem depender da recepção que o público lhe reserva.

O ator sabe que, se seu personagem conquistar o público (pelo bem ou pelo mal), ele ganhará relevância nos capítulos seguintes (um personagem pode ser secundário na sinopse e se tornar central ao longo da novela). Ou seja, o caráter inacabado do texto impõe ao ator uma tarefa que corrói a opacidade da quarta parede: a tarefa de ser especialmente apreciado (gostado ou odiado, tanto faz).

Em suma, talvez a telenovela, por sua relevância e por essa sua caraterística, produza, entre nós, atores particularmente atentos ao retorno da plateia. Não sei se é um bem ou um mal.

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO - Acariciando a Comédia Humana

Para Cora Rónai, amiga de tantos anos.

O pacote subiu pelo elevador. Apanhei, era da Editora Globo. Deixei em cima da mesa, enquanto almoçava e na hora do café abri. Surgiram os primeiros quatro volumes da Comédia Humana, de Balzac, numa reedição dentro da Biblioteca Azul. Então, o tempo se misturou e me vi numa tarde de muito vento em Araraquara, com meu pai chegando com os cabelos revoltos e um sorriso enorme. Trazia um pacote. Colocou sobre a mesa do jantar e disse: "Uma preciosidade. Um dos maiores livros do mundo". Meu irmão Luis e eu ficamos em polvorosa. Que livro seria? Líamos contos de fadas e o Tesouro da Juventude e já achávamos o máximo. Minha mãe colocou a sopa, sempre havia sopa na janta (como se diz) em minha terra, cidade quente. Meu pai comia com a colher na mão direita, enquanto a esquerda repousava sobre o pacote. Fazia o teatro dele, o Totó Brandão.

Terminado o jantar, ele tomou leite com farinha de milho e foi sentar-se com o pacote no colo. Abriu e vimos o que provocava tanto encantamento: o primeiro volume da Comédia Humana, editado pela Globo de Porto Alegre. Era o ano de 1948 (vejo, agora, que era a quarta edição do volume 1, datado de 1947) e eu tinha 12 anos, mas aquela tarde ficou em mim. Parte da então chamada Biblioteca dos Séculos, o volume de Balzac foi devorado por meu pai ao longo de semanas, uma hora por dia, ao chegar do trabalho.

Aquele mesmo exemplar e todos os outros da Comédia estão hoje aqui, em casa. Trouxe a coleção após a morte de meu pai em 1993, lembrando que foram comprados um a um, à medida que saíam. Dinheiro economizado do salário de um ferroviário. Livros encadernados em couro marrom avermelhado.

Passaram-se os anos, muitos, e minha filha Rita viu quando cheguei de Araraquara com aquela coleção. Abri espaço nas estantes. Um dia, ao chegar em casa, vi que a Comédia tinha "desaparecido". Estranhei até descobri-la no quarto de Rita. Tinham sido baldeados (para usar uma expressão de ferrovia), porque, aos 25 anos, ela começou a ler e se encantou. Leu todos. Imaginei que Balzac não seduziria nova geração. Enganei-me.

Antes, muito antes daquele dia de vento, na aula de francês do ginásio, mademoiselle Fanny nos fez ler, em francês, um trecho que ela havia trazido, copiado em mimeógrafo (aparelho da pré-história das copiadoras). Cada aluno teve um excerto (palavra da época) do Pai Goriot para ler, traduzir. Aos 14 anos, em meu francês primário e precário, traduzi. O dicionário era o Burtin-Vinholes, de segunda mão. Tudo que me lembro do trecho é que havia um gato que farejava leite e uma mulher com um nariz como bico de papagaio. Sei que foi um dia de vento e chuva, porque o dicionário molhou todo, até hoje conserva as páginas amareladas, enrugadas. Logo depois, Fanny nos mandou ao cinema assistir ao filme O Pai Goriot. Filmes franceses eram exibidos no cine Paratodos, considerado o cinema dos pobres, ainda que fosse o mais belo arquitetonicamente, e eram sempre esperados com avidez, porque eram os únicos em que as atrizes mostravam os seios.

Mas O Pai Goriot era um drama sem nenhum erotismo e acabei envolvido pela atmosfera. Tão diferente dos filmes americanos róseos, em que tudo dava certo. Não tenho certeza se o pai Goriot foi interpretado por Pierre Frenay ou Pierre Brasseur, não encontrei mais referências. Lembro-me dos ambientes soturnos, pesados, das casas imundas. Há uma versão moderna com Charles Aznavour como Goriot. Não vi.

Anos atrás, apanhei o metrô em Paris na direção de Passy. Queria descobrir as ruas e os edifícios que aparecem no início de O Último Tango em Paris. Caminhando, encontrei o que desejava e continuei; afinal, à minha frente caminhava uma jovem japonesa morena, saia curtíssima, pernas queimadas de sol. Súbito, um vento furioso bateu, a saia subiu, ela segurou com as duas mãos, de nada adiantou.

Distraí-me um segundo, ela sumiu. Caminhei e dei com uma escada que descia para uma espécie de pátio cinco metros abaixo do nível da rua. Ela estaria ali? Desci, dei com a placa: Maison Balzac. Ali ele tinha morado, é um museu, Rue Raynouard, 47. Entrei para ver o museu e a jovem. Ela tinha desaparecido. Não importa. Fiquei horas indo de uma sala para outra, porque me emociona olhar manuscritos, ver a letra, as emendas nas provas de livros, as fotos, os móveis. E as mulheres que ele amou e que o amaram? Condessas, marquesas, burguesas. Baixo, gordo e (diziam) desdentado, ele seduzia pela inteligência. E fui também à porta dos fundos, por onde Balzac fugia dos credores.



Tudo isso e aquelas rajadas de vento esses quatro volumes me trouxeram em instantes. Encantamento. Neste dia, fim do ano 2012, sinto a mesma sensação de meu pai naquela tarde de vento. Quatro volumes quadrados, bons para manusear, capas tipográficas, elegantes. Como o mundo não acabou, terei tempo de me deliciar, são livros com 700 a 800 páginas cada um, levíssimos. Ao olhar para esta coleção, me vem ainda a lembrança de Paulo Rónai, intelectual excepcional, história de vida fascinante. Uma vida que ele dedicou às traduções e a Balzac. Tudo vai se ligando, a vida é assim. Digito esta crônica com a mão direita. A outra mão está repousada sobre estes livros quadrados, de cor cinza, assim como vi meu pai fazer, cuidando e acariciando a Comédia Humana e me sentindo ínfimo como escritor.

UM MERGULHO NO OCEANO - Martha Medeiros

A última vez que entrei numa sala de aula foi no último dia da faculdade, e lá se vão muitas luas, parece que foi em outra vida. Fazia tanto tempo que eu não era estudante que fiquei apreensiva ao me matricular na The London School of English, de onde retornei semana passada. Haveria quantos alunos por sala? Ainda existe giz e quadro-negro? E sendo eu uma analfabeta digital, passaria vergonha levando um caderno e uma caneta para anotações?

Éramos poucos em cada sala – no máximo oito, entre tchecos, russos, japoneses, italianos, espanhóis e brasileiros. O quadro-negro agora é um quadro branco onde se escreve com marcadores coloridos (para os saudosistas, vale uma visita à Saatchi Gallery, que expõe antigos quadros-negros das mais famosas universidades do mundo – Cambridge, Harvard, Oxford – extraindo de nós um novo olhar para o efeito das frases, fórmulas e gráficos rabiscados a giz).

E a analfabeta digital não passou vergonha com seu caderno e caneta, mesmo cercada por colegas equipados com tablets e laptops. Não conheço recurso mais eficiente para reter e decorar informações do que escrevê-las à mão. Fiquei impressionada ao ver que alguns alunos fotografam o quadro antes de o professor apagá-lo. Não copiam, simplesmente fotografam com seus celulares. Eu sempre aprendi mais escrevendo, sublinhando, fazendo círculos em torno das palavras, enchendo a página de flechas e asteriscos. Meu caderno ainda vai acabar sendo exposto numa mostra de design.

O mais valioso da experiência foi resgatar o prazer inocente de aprender. Cada nova palavra, cada nova expressão era uma vitória particular que eu assimilava com humildade. A minha vergonha em falar um idioma que não domino, e ao mesmo tempo a disposição em me divertir com os próprios erros, me tornavam uma aprendiz de mim mesma e da vida, essa venerável mestre.

Algumas pessoas se satisfazem com o que já sabem, é como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro, agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas também revitaliza. Uma pena que nossa preguiça impeça a grandeza de se descobrir algo novo todos os dias.


Eu, que além de apegada aos instrumentos rudimentares da escrita, tenho certo receio de procedimentos estéticos em geral, descobri uma maneira de me manter jovem para sempre, mesmo que, olhando, ninguém diga: não vou mais parar de estudar e assim realizarei a utopia de me sentir com 20 anos até os 100 – depois disso, aí sim, recreio.

VÁ ENTENDER - Luis Fernando Verissimo

Vá entender-1: quando era raro mulher ir a futebol os calçõezinhos curtos dos jogadores deixavam suas coxas reluzentes à mostra. À medida que mulheres começaram a frequentar os estádios, os calções foram aumentando de tamanho. Hoje são até mais compridos do que os que usavam os europeus, e dos quais dávamos risadas. 

Quando o Arsenal veio jogar no Brasil, na pré-história, nada parecia mais estranho do que seus calções até os joelhos. Hoje, vendo jogos antigos da seleção e de times brasileiros, nada parece mais estranho do que seus calçõezinhos apertados. As coxas reluzentes foram sonegadas das moças. Explicações sociológicas à vontade.

Vá entender-2: na Europa as manifestações populares são contra a austeridade e o corte nos gastos sociais do governo, para pagar as dividas e sanar as finanças. No Brasil, as manifestações são pela austeridade: protestam, entre outras coisas, pelo desperdício de dinheiro em estádios de futebol e os outros custos da Copa. 

Claro que nem os manifestantes europeus pedem que seus governos construam estádios de futebol para ficarem ociosos, como exemplo de estimulo à economia, nem os manifestantes brasileiros pedem que o governo não gaste nada. 

Mas o contraste entre as reivindicações de parte a parte mostra como essa questão de intervencionismo keynesiano versus conservadorismo monetarista pode ser apenas uma questão de geografia.

E chegamos, não me pergunte como, aos pelos pubianos. Durante muitos anos a “Playboy” americana publicou fotos de mulheres nuas sem mostrar seus pelos pubianos. Até que houve uma edição histórica por duas razões: pela primeira vez a nua do mês era negra, e apareciam seus pelos pubianos. Agora, como sabe quem costuma ver a “Playboy” brasileira, os pelos pubianos voltaram a desaparecer. Não por obra de retoque editorial ou fotoshop, mas por obra das próprias mulheres, que os raspam — ou no máximo os reduzem a um bigodinho do Hitler. Vá entender-3.

PAPO VOVÔ
Lucinda, nossa neta de 5 anos, volta e meia aparece com palavras novas, que não sabemos onde aprendeu. Sua palavra favorita, no momento, é “estatelado”. E no outro dia ela estava brincando de apresentadora de um programa culinário e, quando terminou seu bolo de faz de conta, mostrou para a câmera imaginária e disse: “Voalá!” Ficamos estatelados.

ZUENIR VENTURA - Porque sim e porque não

Estimulado pela generosidade de alguns amigos, pensei em me candidatar à sucessão do querido Luiz Paulo Horta na Academia Brasileira de Letras. Sei que haveria pessoas mais credenciadas para exercer o privilégio de substituir um dos jornalistas mais cultos de sua geração e alguém que não só pregava como encarnava as virtudes do cristianismo. Era, porém, o que o acaso me oferecia. Nos tempos em que vigoravam o sectarismo ideológico e o preconceito, a ABL era tida por parte dos intelectuais de esquerda como uma instituição “reacionária”, de “direita”. A favor dessa crença havia a presença imortal do general Aurélio de Lira Tavares, membro da Junta Militar que governou o país por alguns meses nos anos de chumbo. Como tomar chá ao lado de “Adelita”, seu nome artístico? perguntava-se, sem considerar que a Casa abrigava também o contrário, sem contar a maioria liberal.

Assim, funcionando como contraponto, havia o caso do comunista Jorge Amado em 1961, do esquerdista João Cabral de Melo Neto em plena efervescência revolucionária de 1968, e de Dias Gomes (do Partidão e cuja cadeira viria a ser ocupada mais tarde por Paulo Coelho), em 1991. Hoje, além de manter essa opção pela pluralidade (“a Academia não tem ideologia”, afirma seu ex-presidente Marcos Vinicios Vilaça), a instituição deixou a torre de marfim e se abriu para a sociedade, recebendo artistas, intelectuais, sambistas. Foi vista até desfilando no carnaval pela Mangueira.

De qualquer maneira, antes de me decidir, comecei uma sondagem para saber se e como seria recebido pela Casa de Machado de Assis, patrono da cadeira que Luiz Paulo ocupou. Que chances eu realmente teria, quais eram as tendências e quem eram os concorrentes. Esbarrei então com observações que agiram em mim como delicadas objeções. A primeira foi que a “prévia” apontava para um empate técnico entre meu nome e o do romancista Antonio Torres, levando a uma disputa polarizada que iria “dividir amigos”. Outro argumento contra é que a Academia, embora seja de “Letras”, não apenas de literatura, preferiria eleger um ficcionista, e a hora seria de Torres, que concorre pela terceira vez. E por quem tenho grande estima.

Na verdade, é provável que tudo isso seja mera desculpa para uma preguiçosa e pouco democrática incompetência para fazer campanha para disputar votos. Tem gente que só compete para ganhar. Já eu queria ganhar sem competir. “É, assim não dá”, me disse um dos mentores de minha candidatura, desejando que eu tenha aprendido pelo menos a lição de que na ABL a humildade é melhor cabo eleitoral do que a soberba.

RUTH DE AQUINO - A UPP é uma mentira?

É irresponsável com os jovens do asfalto e do morro 
tentar dinamitar o projeto das UPPs

Só os ingênuos, sem perspectiva histórica ou com má-fé podem proclamar que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é uma enganação para inglês ver. Que jovens de 18 anos de berço esplêndido confundam tudo, até entendo. Mas adultos que sobreviveram aos governos Garotinho e Rosinha (argh!) e à última fase da prefeitura Cesar Maia (argh!) só têm uma desculpa para dizer que a UPP é uma mentira: a pendenga partidária que desmerece tudo que vier de um adversário político. Quando bandeiras de partidos substituem os valores de nossa consciência, a vida e a inteligência naufragam.

Impossível não lembrar – a não ser que sejamos acometidos de uma amnésia oportunista – o pacote dos ex-desgovernos do Rio: a politização da política de segurança do Estado, os pactos sórdidos com traficantes, o descontrole no número de “autos de resistência” (eufemismo para extermínios nos becos por homens fardados), a absurda mortalidade de jovens favelados em brigas de gangues, o abandono total das favelas, que se espalhavam pelas matas e por áreas de risco.

Nossas favelas eram fortalezas do tráfico e do crime organizado, isoladas por barricadas. Havia o terror imposto aos moradores de bem, o aliciamento escancarado de garotos, a gravidez precoce de garotas encantadas pelos chefões, modelos de “heróis” armados e donos do pedaço. Jornalista só entrava ali após acordo prévio com o chefão ou assumindo risco de morte, como aconteceu com Tim Lopes.

É irresponsabilidade com o Rio de Janeiro e com o futuro dos jovens no asfalto e no morro tentar dinamitar o projeto das UPPs só porque a população tomou ódio ao governador Sérgio Cabral em seu segundo mandato, depois de ele ser reeleito com 66,08% dos votos e com a bênção de Lula. Um ódio compreensível diante da arrogância que Cabral construiu, ao menosprezar qualquer crítica e se fazer de “ixperto” como seu ídolo na terra e no céu, Lula.

Quantos Amarildos sumiram nas favelas, quantos pedreiros e filhos e mulheres de pedreiros foram incendiados em fornos por traficantes ou executados por policiais corruptos e metidos no tráfico e ninguém falou nada? Cariocas que hoje condenam pesadamente as UPPs iam à praia, subiam a serra, lotavam os bares e saíam em seus carrões 4x4 sem tomar conhecimento das chacinas nos morros. Era um assunto inconveniente. Os cariocas de bem nunca tinham enlameado nas ladeiras da Rocinha seus tênis made in China – a não ser para comprar droga.

Só comecei a entender a Rocinha quando dormi ali uns dias, em agosto de 2007, na Rua 2, para escrever sobre a urbanização comandada pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo. Já no governo Cabral, mas antes das UPPs. Uma cena nunca me saiu da cabeça. Eu bebia cerveja num boteco. Um rapaz passou na ruela, com um saco de mercado numa das mãos e uma submetralhadora cromada na outra, apontada para baixo. Eu não conseguia enxergar a arma, mesmo alertada por minha amiga. Como todos do asfalto, reconheço uma arma apenas quando é apontada para mim. Ali, na Rocinha, a submetralhadora equivalia às frutas e verduras, quase um peso compensando o outro, carregados com a naturalidade do cotidiano, como se não houvesse contradição entre a fonte da vida e o instrumento da morte.

Vamos, sim, criticar: está muito longe o cumprimento das promessas das UPPs. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, está consciente das frustrações. Sempre foi claro: o objetivo era recuperar os territórios e abrir caminho para a ocupação social do Estado e para a integração das favelas e dos jovens à cidade. Nunca se prometeu prender todos os traficantes ou acabar com o tráfico.

Há dois problemas sérios. Um é o Estado, incompetente para tornar prioridade a infraestrutura das favelas. É lenta demais a ocupação social – com saneamento, serviços essenciais de limpeza, luz, habitação, educação, saúde. O outro problema é a força policial: há casos excessivos de desvio de conduta. Foram expulsos 1.500 da corporação? Muito mais terão de ser expulsos.

Os equipamentos desligados simultaneamente na Rocinha – câmeras e GPS – no dia em que Amarildo foi detido bastariam para afastar o comando local da UPP até que se concluíssem as investigações. Ah, agora a versão é que ele e a mulher, Bete, ajudavam o tráfico nas horas vagas? É uma versão plausível, sim. Nada nas favelas é preto no branco. Há uma zona cinzenta, familiar e histórica que não acabará de um dia para o outro. Mesmo que Amarildo e Bete ajudassem, ele não poderia ter sumido depois de ser levado de casa num carro da UPP. Foi morto por traficantes? Por policiais? Ou por ambos?


É forçada a palavra “pacificação”. Não existem favelas pacificadas. Esse “P” da sigla talvez seja um equívoco, porque promete uma utopia irrealizável. Nenhuma cidade deste país, grande ou pequena, está livre de tráfico, assassinatos, latrocínios. Como exigir que uma favela seja uma ilha da fantasia, dissociada da realidade da violência urbana? O Brasil está longe de ser “pacificado”.

ADRIANA CALCANHOTTO - Visita

Meu pai e eu fomos ficando mais iguais 
à medida que nos tornamos cada vez mais diferentes?

Acompanho o movimento das mãos, elegantes, másculas, de unhas bem lixadas, redondas nos cantos. Não são mais as mesmas, têm marcas que não conhecia e parece que agora se movem com menos precisão. Arriscaria dizer que tremeram levemente quando folheando as páginas dos cadernos, que eu não sabia que existiam. São oito ou dez cadernos pequenos, empilhados na mesa de centro da sala. Ele aponta e me diz “se quiser saber quem sou, está tudo aqui”.

Nunca soube que ele tivesse cadernos, nunca vi cadernos antes, em nenhuma das casas onde morou, ou moramos. Nos escritórios, no meio das baquetas, dos papéis de desenho, dos instrumentos musicais, das revistas de arquitetura, nunca vi cadernos. Mas achei engraçado, diz que está tudo ali, embora não encontre o que quer que seja que procura, caderno por caderno, folha por folha. Engraçado porque também tenho uns dez cadernos, que comprei ou ganhei, empilhados, na bancada. Mas nos meus não há nada escrito. Não escrevi. Por não saber o que dizer, com certeza. Ou como. Ou talvez por saber o que dizer e preferir não dizê-lo. O silêncio sempre é menos precário. Com o que encher dez cadernos pequenos? Com pontos de interrogação no final de períodos curtos? Dez cadernos vazios não seriam mais úteis do que cheios?

Ele não parece ter essas dúvidas, o meu pai. Sabe que está nos cadernos, conforme anunciou. Só não encontra o que procura. Exatamente o que aconteceria comigo, caso tivesse escrito. Por isso é que não me dei ao trabalho de escrever, imagino. Espero, paciente e curiosa. Ganho tempo enquanto ele folheia tudo novamente, agora de trás pra frente. Tempo para assimilar a surpresa de saber que ele tem cadernos. E que anota coisas, diferentemente de mim, que tenho a mesma pilha de cadernos, em branco.

Como podemos continuar tão iguais e tão diferentes? Fomos ficando mais iguais à medida que nos tornamos cada vez mais diferentes? Ou não faz diferença se escrevemos ou não, já que na hora de ler não se vai encontrar nada mesmo? Nisso somos idênticos. Quem sabe ele não escreveu aquilo que está procurando? Isto é o mais provável. Está, se me conheço, porque o conheço, procurando o que não há, independentemente de quem o tenha escrito, se é que foi escrito. Se é que seria possível escrever isso que ele procura, e não encontra.

Finalmente as mãos me passam um dos cadernos, aberto, com a caligrafia que não é igual ao que era, mas que eu reconheceria a centenas de milhas daqui, e diz: “olha isso”. A letra de um samba. Não foi ele quem escreveu, apenas copiou ou anotou pra não esquecer. Um samba-enredo que tem uma letra ridícula porque precisa enfiar o tema à força nos versos, por causa de patrocínio para o desfile da escola. O que talvez pudéssemos chamar de o samba-enredo menos inspirado do mundo.

Obviamente não era isso que ele procurava, mas rimos mesmo assim. Fica claro que não encontrou o que queria me mostrar, o mesmo que aconteceria comigo. Desconfio que só quisesse, afinal, me fazer saber que tem cadernos e que ali se encontra, embora não pareça, assim, à primeira vista. Tem cadernos, caso eu queira saber quem ele é. Nos abraçamos, o tempo está fechando, vai chover, e preciso pegar a estrada de volta.

A FILA NÃO ANDA - Ruy Castro

Mick Jagger, líder dos Rolling Stones, fez 70 anos. Quando eles surgiram, em 1962 ou 63, o Reino Unido ainda estava na idade do gelo. O romance "O Amante de Lady Chatterley", de D. H. Lawrence, de 1928, continuava proibido. A pílula anticoncepcional já existia, mas ainda não chegara às farmácias. Homossexualismo era crime. E o "hit parade" inglês tocava xaropes como "Oh! Carol", com Neil Sedaka; "What Now My Love", com Gilbert Bécaud; e "I Can't Stop Loving You", com Ray Charles. Os londrinos tropeçavam em mamutes mortos nas calçadas.

Para os jovens que os ouviam pela primeira vez, os Stones eram um grito de rebeldia contra tudo o que seus pais - os coroas - representavam. E não era só a música ou o barulho, mas os penteados, as roupas, o comportamento, a "atitude". Comparados aos Stones, os Beatles, que tinham nascido pouco antes, eram rapazes de família, com seus terninhos sem gola, gravatas com prendedor e botinhas engraxadas. Os Stones é que eram o bicho, temidos pelos mais velhos.

Mas a fila anda. Uma fã de primeira hora de Mick Jagger teria, digamos, 20 anos em 1963. Isso foi há 50 anos, com o que, hoje, ela terá 70. A filha dessa mulher, nascida naquele mesmo ano, estará com 50 e já lhe terá dado uma neta. Esta neta, nascida em 1983, acaba de fazer 30 e, por sua vez, também tem uma filha, que está agora com 10 anos. Donde esta última menina é bisneta daquela fã original de Mick Jagger. Para ele, deve ser chocante pensar que suas primeiras fãs, as gostosuras de minissaia e longos cabelos escorridos que se atiravam aos seus pés, transformaram-se em... bisavós.

Ou não. O próprio Mick, aos 70, também deve usar óculos de leitura, fazer exame de próstata e controlar o ácido úrico. Mas continua a se ver e a ser visto como sinônimo de rebeldia.

Pensando bem, a fila não anda.

A RARA FLOR DA POESIA - Arnaldo Jabor

‘Flores raras’ tem um clima quase ‘de época’ na mise-en-scène, 
pois retrata ainda o tempo da delicadeza e da ilusão. 
É um dos belos filmes de Bruno Barreto, 
como ‘Dona Flor e seus dois maridos’

Vi o filme novo de Bruno Barreto, “Flores raras”, que entra em cartaz esta semana. Uma história de amor entre duas mulheres nos anos 1950/60 no Rio. O filme tem uma delicadeza rara hoje em nosso cinema, cheio de neochanchadas para arrasar quarteirões e embrutecer mais ainda o imaginário das plateias. “Flores raras”, não; tem um clima quase “de época” na mise-en-scène, pois retrata ainda o tempo da delicadeza e da ilusão — praias, montanhas e sol cegando a cidade para seus problemas. É um dos belos filmes de Bruno, como “Dona Flor e seus dois maridos” ou o “Romance da empregada”. Duas mulheres se amam: Lota e Elizabeth Bishop.

Muita gente não sabe quem foi Elizabeth Bishop, nem é obrigada a saber. Trata-se de uma grande poeta americana que, em 1951, passou pelo Brasil, apaixonou-se pela brasileira Lota Macedo Soares, intelectual da elite carioca, e aqui ficou por 16 anos, entre grandes alegrias, sofrimentos, crises de alcoolismo e extraordinários poemas. Lota era assessora de Carlos Lacerda e comandou a construção do nosso “Central Park” — no Aterro do Flamengo, contra os vorazes políticos picaretas que queriam tomar conta da área. Ali, consumiu sua saúde e seu amor por Bishop. Sempre ouvi falar de Elizabeth Bishop, mas só fui ler seus poemas há poucos anos, quando saiu a excelente tradução de Paulo Henriques Britto. Por que não li na época, eu que gostava tanto de poesia? Porque (deliciem-se, patrulheiros...) como ela era “caso” de Lota, assessora de Carlos Lacerda, o inimigo máximo da esquerda janguista, ficava feio ler seus trabalhos. Ela era uma “americana lésbica” e, certamente, “reacionária” — palavras devastadora para nós. Éramos assim em 1967.

No entanto, Bishop não era apenas uma “boa poetisa”. Ela está no nível de Marianne Moore, Robert Lowell e outros; tem uma poesia seca e dolorida, um amor transbordante e contido, uma poesia afetiva das “coisas”, como fizeram Francis Ponge, João Cabral, a Moore e, lá longe, John Donne. Elizabeth Bishop fez uma poesia não lamentosa, uma poesia crítica e seca, com forte nostalgia romântica, sem a melancolia paralisada de outro gênio como Emily Dickinson.

Bishop escreveu muitos poemas sobre o Brasil dos anos 1950 e 60, onde se vê, mesclada a uma irritação “calvinista” com nossas mazelas, uma profunda compaixão pelo desamparo social, um amor raríssimo pela fragilidade do povo, poucas vezes encontrado em poetas brasileiros.

Elizabeth Bishop não era de “esquerda” nem de “direita”, como se dividiam todos naquela época (e ainda hoje).

Era uma liberal americana, com olhos anglo-saxões, que assistiu como uma “brasilianista artística” a anos cruciais de nossa história: a morte de Getúlio, JK, Jânio, até o golpe militar de 1964. É curioso ver que sua vida piora enquanto o Brasil piora. E Elizabeth tem neste tempo a antevisão dolorosa do futuro difícil que esperava nosso país. Ela vê uma infraestrutura secular de equívocos que estão nas instituições, como um veneno que tudo contamina. Elizabeth viu além das ideologias, alem dos dogmas.

Ela escreve: “Como país, acho que o Brasil não tem saída — não é trágico, como o México, não; é apenas letárgico, egoísta, autocomplacente, meio maluco.” Mas, mesmo assim, tem amor por ele: “Um país onde a gente se sente de algum modo mais perto da verdadeira vida, a de antigamente. (...) Com todos seus horrores e estupidez, uma parte do mundo perdido ainda não se perdeu aqui”.

Seu olhar profundo se detinha sobre os sintomas do que nos acontecia e poderia continuar acontecendo. Ela viu os indícios de tragédia e paralisia que se ocultavam por trás do egoísmo da direita udenista e também da iludida generosidade “de esquerda”, ela viu que uma maldade profunda nos regia, que uma impiedade secular comandava nosso atraso. Ela poderia ter escrito, no mesmo tom de Eça de Queiroz, cem anos antes, sobre o Brasil:
“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do pais. Não é uma existência; é uma expiação”.

Seus poemas sofisticadíssimos desciam ao nosso chão:

“Sob a falsa amendoeira/ uma puta ainda menina/ dança um cha-cha-cha, girando/ como um átomo na esquina (...)/ Na sombra negra de meu prédio/ um negro levanta a camisa/ pra mostrar um curativo/ cobrindo negra ferida/ com um bafo de cachaça/ potente feito bazuca/ aponta a bandagem branca/ e me diz coisas malucas/ dou-lhe dinheiro e boa noite/ por força do hábito. Ah!/ não haveria uma palavra/ mais relevante pra lhe dar?”

Perguntem a qualquer ladrão de gravata de Brasília e todos dirão de mãos postas e olhos em alvo que “o povo é sagrado”.

Nós costumamos idealizar epicamente o povo ou o ignoramos com empáfia; nós costumamos rir de sua ignorância ou transformamos a zona geral, a bagunça, em uma espécie de orgulho cultural, como se o fracasso permanente e outras bossas fossem uma “riqueza macunaímica” — o tesouro de nosso destino de “malandros inzoneiros”.

Elizabeth Bishop, não. Ela olha cada ferida aberta, olha o negro bêbado, a cadela leprosa na rua, a solidão do bandido Micuçu no morro da Babilônia, o doente morrendo na maca no Rio Amazonas, os bolos coloridos de mau gosto na padaria, as sandálias de plástico das pobres mães com bebês em Ouro Preto, provérbios em para-choques de caminhões, os pobres diabos jogando absurdas peladas no capim por toda a parte, os tatus e corujas fugindo da queimada, crianças doentes brincando na lama, toda essa desgraça vegetando no meio de majestosas paisagens, cortadas por cachoeiras e florestas. E chora, tomando porres homéricos nos botequins mais sujos.

Bishop amava o Brasil com olhos mais fundos do que nós.

A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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Livros de Edmir Saint-Clair

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