ACESSE - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ETC. |
A IMPONTUALIDADE DO AMOR - Martha Medeiros
CORA CORALINA - Todas as vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do a lavadeira do
Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de
são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro. Taipa de
lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheda de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste
fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.
------------------------------------------------------
DENTRO DE UM ABRAÇO - Martha Medeiros
A LUCIDEZ PERIGOSA - Clarice Lispector
RITA LEE: "ENVELHECER É UMA LOUCURA, NÃO É PARA MARICAS"
Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido"
A ALMA ESTÁ NA CABEÇA - Dr. Paulo Niemeyer Filho
A FITA MÉTRICA DO AMOR - Martha Medeiros
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.
Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes.
A TRISTEZA PERMITIDA - Martha Medeiros
Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for.
Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.
A CASA ENCANTADA - Contos do Leblon - - - - Clique abaixo para comprar na AMAZON
POR FAVOR, NÃO ME ANALISE - Mirthes Mathias
Veja em cada exigência
AVE DE RAPINA - Ana Anaissi
Logo nos aproximamos e eu pude perceber, encantada, que o jovem era estrangeiro e que viera ao Brasil a negócios. Em pouco tempo nos apaixonamos e como não podia deixar de ser, fui, com os poucos pertences que tinha, ao encontro de Paris com meu príncipe encantado. Também como não podia deixar de ser, em poucas semanas estava eu em Paris dormindo nas praças e, pior (pode? Pode!) tendo que disputar comida com os pombos que ali habitavam (Muito antes de mim).
Eu, que já tinha fobia de pássaros, vivi momentos aterrorizantes quando precisava ficar a menos de dois metros desses serezinhos assustadores. Pois bem, de lixo em lixo acabei fazendo amizades com alguns mendigos-artistas que por outros motivos (nenhum tinha fugido do seu país de origem com um francês pois já eram todos franceses)residiam nas ruas do centro de Paris. Enquanto aperfeiçoava minha arte, aperfeiçoava também minha fobia; Qualquer coisa que voasse me deixava embaraçada na tênue linha que separa a sanidade da loucura.
Como se não bastasse meus problemas (Pobre, enganada, abandonada num país estranho, convivendo com pombos que me intimidavam, descobrindo que não tinha talento algum para as artes, tá bom?), um belo dia estava eu pintando esse quadro quando de repente, ao olhar para o céu, deparei-me com o que eu chamei (para o psiquiatra que me atendeu de emergência) de “grande pombo desgovernado”. Devidamente medicada e de volta ao meu espaço parisiense favorito, arredores da Torre Eiffel, continuei minha arte, minha procura do que comer e minha fobia aos pássaros.
Mal havia me recuperado do trauma e numa bela tarde de ventania sinto sobre mim uma grande sombra desgovernada que logo (graças a Deus) foi levada, ao sabor do vento, pra longe das minhas vistas.
Embora não entendesse a preocupação no rosto das pessoas ao redor (deveriam estar comemorando o pássaro vencido), comecei a, sozinha, bater palma esfuziantemente para comemorar a morte do inoportuno. Em meio à caras zangadas e resmungos franceses, vi que de dentro do pássaro morto saía um homem, sorrindo apesar dos percalços e que, pra minha surpresa, falava alguns impropérios em português, minha língua. Impressionada e penalizada por aquele conterrâneo que escapara de ser engolido pelo pássaro gigante, eu corri para abraçá-lo por pura solidariedade. Orgulhosa por meu conterrâneo ter libertado o mundo da grande ameaça voadora, lhe falei:
ADRIANA FALCÃO - O HOMEM QUE SÓ TINHA CERTEZAS
Parece que foi de nascença. Ele já teria vindo ao mundo assim, com todas as certezas junto, pulou a fase dos por quês e nunca soube o que era curiosidade na vida. Na escola, era uma sensação. Mas não ligava muito pra isso não. E cresceu achando muito natural viver derramando afirmações pela boca. Tinha resposta pra tudo, o homem que só tinha certezas, mas o maior orgulho do homem eram as certezas mais duvidosas que ele tinha. A certeza de que o mais fraco ia vencer, de que as coisas iam melhorar, de que o desenganado ainda teria muitos anos pela frente.
A notícia espalhou-se rapidamente. Como ele vivia no meio de pessoas, e pessoas vivem cheias de dúvidas, logo começaram a pedir sua opinião para os mais diversos assuntos, os triviais e os de grande importância, e ele, certo de que podia viver muito bem de suas certezas, virou um consultor. Pendurou em sua porta uma placa onde estava escrito "Consultor de tudo" e o negócio foi crescendo aos pouquinhos. Devido ao boca-a-boca favorável de clientes e a um único anúncio no rádio, passou a atender, sem nenhum exagero, milhares de pessoas por dia, até que limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, um minuto e meio por pessoa, o que era mais do que suficiente para uma resposta certa desde que a pergunta não fosse muito longa.
Chegava gente do país inteiro e depois de outros continentes, pessoas comuns, pessoas ilustres, todas elas indecisas, mas cada pessoa só tinha direito a uma pergunta por consulta, o que as deixava mais indecisas ainda. Certa vez uma moça chegou na dúvida se devia perguntar primeiro sobre o amor ou o trabalho, no que o homem respondeu, sobre o amor, é claro, senão você não vai conseguir trabalhar direito, e deu por encerrada a consulta. O homem que só tinha certezas aconselhou um garoto tímido a tomar quatro cervejas, encorajou um político receoso a aprovar um projeto esquisitíssimo que se destinava a melhorar a vida dos homens, avisou a uma senhora preocupada com os anos que no caso dela nada melhor do que beijos na boca, desentorpeceu um rapaz doente de amor por uma mulher que gostava de outro, convenceu o ministro da fazenda de que ou o dinheiro era pouco, ou eram muitos os homens, ou ele estava louco, ou alguém tinha se enganado nas contas.
Não demorou muito para se tornar capa de todas as revistas e personagem assíduo dos programas de TV. Para cada pergunta havia uma só resposta certa e era essa que ele dava, invariavelmente, exterminando aos pouquinhos todas as dúvidas que existiam, até que só restou uma dúvida no mundo: será que ele não vai errar nunca? Mas ele nunca errava, e já nem havia mais o que errar, uma vez que não havia mais dúvidas.
Num mundo que só tinha certezas, o homem que só tinha certezas virou apenas mais um homem no mundo. Melhor assim, ele pensava, ou melhor, tinha certeza.
Um dia aconteceu um imprevisto, e o homem que só tinha certezas, quem diria, acordou apaixonado. Para se assegurar de que aquela era a mulher certa para ele, formulou cento e vinte perguntas, que ela respondeu sem vacilar, mandou fazer mapas do céu, exames de sangue, contagem de triglicerídeos, planilhas complicadíssimas e finalmente apresentou a moça à sua mãe e ao seu cachorro. Os dois se amaram noites adentro, foram a Barcelona, tiraram fotos juntos, compraram álbuns, porta-retratos, garfos, facas, um escorredor de pratos, tiveram filhos e tal, e, desde então, por alguma razão desconhecida, o homem que só tinha certezas foi perdendo todas elas, uma por uma. No início ainda tentou disfarçar, por via das dúvidas, quem sabe era um mal passageiro? Mas as dúvidas multiplicavam-se como praga (dúvidas se multiplicam?), espalharam-se pelo mundo, e agora, meu Deus? Deus existe? Existe sim. Ou será que não? Ele não estava bem certo.
A IDADE DA MUDANÇA - Lya Luft
Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível... A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito. Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho?
Onde é que nós estamos?'
Onde, não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.
Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas, mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se 'mudança'. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.
Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.
Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional.
Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face. Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
Olhe-se no espelho...