Edmir Saint-Clair

COMO ERA A VIDA SEM CELULAR – Edmir Saint-Clair

 
O que mudou nas nossas vidas com o surgimento do telefone celular? Sucedido pelo smartphone. A intenção era nos falarmos mais. O celular potencializou essa comunicação e o Smartphone reduziu-a a ponto de, hoje, falarmos muito mais por texto ou recado de voz do que no “telefone” propriamente dito, falando ao vivo.

As diferenças em nossas vidas são muito mais profundas do que nos damos conta.

Quando só havia o telefone fixo as pessoas tinham que ligar e dar a sorte de encontrar a pessoa em casa. Não era acostume ninguém se ligar o dia inteiro. Ligar para alguém no trabalho era sinal de que alguma coisa grave tinha acontecido.

Quando saíamos de casa, por qualquer motivo, ficávamos absolutamente inacessíveis, incomunicáveis. Era o normal. Na praia, na chuva, na fazendo ou numa casinha de sapê que não tivesse telefone, o que era o comum, qualquer pessoa desligava-se das pessoas que quisesse, sem maiores explicações. Era o comum.

Se alguém estivesse esperando uma ligação importante, ficava em casa de plantão. Se marcasse tal hora, tinha que ligar de onde estivesse. Era a época de reinado dos orelhões. Amarelos com a logomarca da Telerj.  

Naquelas épocas as linhas telefônicas tinham um bom valor de mercado. Linhas eram alugáveis com boa lucratividade para os fornecedores. Hoje, as operadoras fazem tudo para você ter um de graça, que só serve pra receber ligações de telemarketing. Ninguém mais usa. Tornou-se absolutamente dispensável.

Cada época tem suas características e encantos. Mas, o fato de estarmos o tempo todo acessíveis a todos, me dá a sensação de uma corrente invisível que prende sem percebermos.

Não dá mais pra “sumir do mapa”. Não dá mais pra ir para a praia e esfriar a cabeça, sem receber mensagem de alguém. Seja do trabalho, de casa, ou de qualquer ser humano, naqueles momentos em que tudo que a gente precisa e quer é dar um mergulho no mar. E só “sumir do mapa”. 

Só a pessoas mais chatas ligariam mais de duas vezes, caso você tivesse saído de casa por mais tempo. Ligar mais que isso, era atestado de psicopatia. O normal era a pessoa ligar uma vez e deixar recado na secretária eletrônica. Daí, não ligar mais. A obrigação do retorno estava da mão do outro. Se tivesse vários recados na secretária, significava uma invasão com agravante pela insistência que desclassificou muita gente...
Hoje, todo mundo chipado e controlado pelo smartphone, estamos acessíveis o tempo todo. Por voz, imagem, mensagem de texto, mensagem de voz e, até por telefone. Se não te encontram de um jeito te encontram de outro. 
Ou de outro. Ou de outro. Ou de outro. Ou de outro.

 Quando só existia o telefone fixo,  dar um tempo de tudo era possível. Hoje, é quase impossível.

Ia-se jogar pelada(futebol) e ninguém interrompia a diversão no meio, por causa de um toque de telefone chato. Realmente, era o paraíso da escolha. Da privacidade.  Era possível “fugir do mapa”.  Como isso faz diferença...

Muitas vezes, é a diferença entre dar ou não uma resposta atravessada para alguém que você não gostaria de magoar. Por que hoje, não temos escolha de não atender. E, ao mesmo tempo, não podemos atender porque estamos estressados e nos tornamos mais sucetíveis  a darmos respostas grosseiras ou agressivas.

[Para quem espera uma ligação importante, não existe saída senão a ansiedade da espera. E a frustração da chamada que não veio é muito maior.]

Na época do telefone fixo, você tinha a opção de interromper aquele ciclo ansioso, simplesmente batendo a porta de casa  e saindo para espairecer. Indo “sumir do mapa”. O tempo que se estava na rua, estava-se incomunicável. Isso diminuía a sensação de frustração ou de rejeição pelo não telefonema recebido também. Afinal, estava-se incomunicável mesmo. Havia uma opção, era “sumir do mapa”.
 

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