Edmir Saint-Clair

ATÉ DEPOIS DA VIDA - Edmir Saint-Clair

 

Eram jovens em seus últimos momentos da adolescência, quando se viram pela primeira vez. No pôr do sol, no Arpoador, num verão.

Enquanto todos contemplavam aquele show de luz e sombras enquanto o sol se deitava aos poucos, aconchegado pelos dois irmãos.

Ele estava alheio a tudo aquilo desde que chegara, ela também. Ela estava fitando-o de forma acintosa desde que chegara, involuntariamente, e ele também. Menos de 10 metros de distância, mais as dezenas de pessoas, os separavam.

Apenas olhavam-se fixamente, a distância não impedia que fosse evidente que as pupilas de ambos haviam se conectado além de tudo e todos. Além deles mesmos.

Não sorriram, não piscaram, não fizeram menção alguma de se aproximarem, estavam imóveis e absurdamente focados. Em transe. Profundo.

Enquanto ouve luz suficiente para o olhar humano distinguir traços no escuro, ficaram onde estavam, imóveis.

Saíram junto com a multidão, sem que se encontrassem.

Passou-se 40 anos.

De novo um Pôr do sol, de novo no Arpoador, de novo num verão.

Depois de toda uma vida, eles estavam no mesmo lugar, a mesma distância e num momento tão sublime quanto aquele que jamais esqueceram. Se reconheceram, novamente, pelo olhar.

Novamente, permaneceram no mesmo transe de antes, enquanto a natureza dava seu espetáculo de todos os verões, dos mais lindos verões. Dos inesquecíveis verões.

Permaneceram exatamente como há 40 anos. As pupilas engolidas pelas outras pupilas, à distância. Saciando a fome da alma.

Não se aproximaram. Não valia a pena tocar aquela lembrança tão suave, profunda e intensa com as duras mãos da realidade. Sabiam que estavam sentindo exatamente a mesma coisa. O mesmo sentimento habitava os dois corpos ao mesmo tempo. O Inexplicável, o etério e o sublime se encontraram.

Eles sabiam, e levaram um ao outro consigo para sempre, até depois da vida.

Edmir St-Clair

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