Não gosto de axé. Nem de pagode. Nem mesmo de sertanejo universitário. Por isso, não custa nada perguntar: dá para tocar outra coisa?
Como qualquer brasileiro, me orgulho muito da nova classe média e dos oito milhões de conterrâneos que chegaram à sociedade de consumo nos últimos tempos. Consumo para todos! Mas, veja bem, para todos, o que inclui a velha classe média. É democrático o fato de voos comerciais poderem ser pagos em 17 vezes. Mais gente viajando, mais gente fazendo turismo, nem me incomodo com os aeroportos superlotados. Mas, vem cá, dá para variar o cardápio? Ou vou ser obrigado a comer barrinha de cereal para o resto da vida? Alguém já perguntou se a velha classe média gosta de barrinha de cereal? Eu não gosto. Dá pra sair um sanduíche de queijo com suco de laranja?
Pela primeira vez na história deste país, a classe média representa mais da metade da população. Foi preciso a ascensão da classe C para que isso acontecesse. Políticas de pleno emprego, aumento de salário, facilitação do crédito, projetos sociais — tudo deve ser saudado, mas, por favor, pensem no trauma que vem sofrendo a velha classe média. Cresci aprendendo que profissão para valer era engenheiro, médico ou advogado. Se o sujeito não tivesse aptidão para uma dessa três categorias, tentava um concurso para o Banco do Brasil ou para a Caixa Econômica. Agora, todos gritam no meu ouvido: empreendedorismo! O certo seria ter aberto um salão de beleza, um serviço de comida pronta, uma padaria... Tarde demais! Ensinaram-me a fechar o mês sem contas a pagar. Agora, o governo me alicia. Crédito! Crédito! Crédito!
E eu não quero comprar uma TV de plasma, nem um segundo telefone celular, nem quero passar férias em Porto Seguro. Na verdade, estou pensando em vender o meu freezer, o meu forno de micro-ondas e a minha secretária eletrônica. Tornei-me um estranho no ninho. Sou da velha classe média.
A nova classe média virou objeto de pesquisa de tudo aqui no Brasil. Tem marca de eletrônicos que produz aparelhos especialmente para os novos consumidores. A tal marca descobriu: “O consumidor da classe C ama música em alto volume. O lazer se concentra nos churrascos de fim de semana, onde ocorre a confraternização. O aparelho de som é o elo entre os familiares e os amigos. Nasceu assim o primeiro minisystem para a classe C, cuja caixa de som tem potência três vezes superior à de um aparelho de som comum.” Tá puxado.
Sejam bem-vindos ao paraíso os que ganham entre R$ 1.200 e R$ 5.174 por ano. Mas tem que ter lugar para todo mundo. Eu quero de volta o meu filme legendado na TV e torço pela possibilidade de passar um intervalo comercial inteirinho sem assistir a um anúncio do Supermarket. Onde foi parar a televisão da velha classe média? Sempre fui noveleiro, nunca tive vergonha disso. Assisti às novelas de Ivany Ribeiro em versão original. Mas não aguento mais tramas ambientadas na comunidade, sambão na trilha sonora, mocinha cozinheira e galã jogador de futebol. Eu quero de volta a minha novela de Gilberto Braga!