Em uma crônica no "Globo", Joaquim Ferreira dos Santos
elogia um aparelho imaginário que nunca construí,
mas inventei: o humildificador.
Ele traz a pessoa à sua devida desimportância, deixando-a livre para expor suas ideias, sabendo que não mudam o mundo, que são opiniões pessoais, mesmo que defendidas com lógica irretocável.
Faço uso do aparelho sempre que escrevo para você. Seus raios são amorosos, companheiros e gentis. Dizem que estou fazendo o bem, mostrando aspectos da natureza humana que você não tinha levado em conta e poderiam te meter numa roubada.
O humildificador me mostra também como é gostoso fazer o bem, ele se paga em si.
O humildificador me mostra também como é gostoso fazer o bem, ele se paga em si.
Mas, se sou despretensioso na forma literária (só quero que me entendam), sou ambicioso em mostrar coisas que possam ajudar o leitor a se sentir mais dono de si.
O artigo tão carinhoso do Joaquim me provocou a demonstrar a diferença entre dois aspectos de nossa natureza completamente opostos.
Falo da humildade e da humilhação. É, estou entrando na complexidade do cérebro.
Ocorre que o Joaquim -que tem site, blog e essas coisas modernas às quais não me adaptei- tem recebido pedradas, escárnios e insultos de leitores numa tal "caixa de comentários", à qual fui apresentado por ele e que ele considerou que fosse o "humildificador digital".
Ora, telefonei para ele discordando radicalmente de sua tese.
Ora, telefonei para ele discordando radicalmente de sua tese.
Meu modesto humildificador faz qualquer coisa, menos humilhar alguém. Ele diz que a humildade é uma virtude e que a humilhação é um insulto. Ela só desperta a indignação (o ódio contido), ou mesmo um estado depressivo.
Que esses comentaristas pusilâmines, ocultos em seu anonimato covarde, obtêm o gozo sádico descrito por Bataille por meio do triunfo efêmero de ferir o famoso, destilando ódio e inveja por não serem capazes de uma produção semelhante.
Que esses comentaristas pusilâmines, ocultos em seu anonimato covarde, obtêm o gozo sádico descrito por Bataille por meio do triunfo efêmero de ferir o famoso, destilando ódio e inveja por não serem capazes de uma produção semelhante.
É como glória de pichador de monumentos: para seu pequeno palco, obtém 15 minutos de fama: "Que lindo! Ele escatologizou o belo, frente à incapacidade de produzi-lo".
Há um capítulo de um livro meu ("O Aprendiz do Desejo", Cia. das Letras) intitulado "O dilema fodão-merda", que penso ser sobre o tema.
O inseguro tem sua oportunidade de sair do sentimento de ser "um merda" ao tentar fazer com que o cronista se sinta como tal. Descobre no outro um defeitinho para lhe puxar a orelha, nem que seja uma vírgula mal colocada.
E até o Chico Buarque, que caiu na besteira de pôr uma caixa de comentários em seu novo site, descobriu-se odiado, tais as barbaridades que leu lá. A isso se dá, em alemão, o nome de "schadenfreude" (alegria com o sofrimento alheio).
É uma triste contribuição da internet, entre outras tão boas. O meu humildificador é o oposto disso.
É uma triste contribuição da internet, entre outras tão boas. O meu humildificador é o oposto disso.
Francisco Daudt é psicanalista e médico.
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A Casa Encantada
Contos do Leblon
Edmir Saint-Clair
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