Meu pai contava a história de um tal Theobaldo, homem de espantosa delicadeza, que um dia conheceu Mafalda, moça bonita, mas sem instrução, que lavava pratos e talheres na cozinha de um restaurante. Instantaneamente, Théo e Yola — como eram chamados — se apaixonaram e logo se casaram. Para surpreender a noiva, Théo comprou as passagens e voou com ela para os Estados Unidos, em lua de mel. Antes da viagem, Yola vivia aterrorizada com a própria ignorância. Se não sabia nem mesmo falar português com correção, o que faria nos Estados Unidos, se nada sabia de inglês? Confessou essa insegurança ao jovem marido, que a tranquilizou:
— Relaxa, meu amor. Eu também não conheço a língua. Pode deixar que eu me viro por nós dois. E assim foi: três dias em Nova York, três em Miami e toda uma semana em Orlando, onde Yola realizou seu sonho de apertar a mão do Mickey e da Minnie. A viagem transcorreu sem nenhum contratempo. Sempre que era necessário um entendimento em inglês, Yola se afastava para não revelar sua ignorância, deixando para Théo a tarefa da comunicação.
Muito tempo depois, os dois já beirando os 70 anos e contabilizando três filhos e oito netos, ao procurar um documento na escrivaninha do marido, foi que Yola descobriu o certificado de um curso de inglês que ele concluíra — com distinção! — aos 20 anos de idade. Essa descoberta, revelando a delicadeza extrema de Théo, que fingiu não conhecer a língua para igualar-se à mulher, aumentou ainda mais o já imenso amor de Yola pelo marido e deu fôlego a mais dez anos de felicidade, até que ele morreu. Teve um infarto numa Quarta-Feira de Cinzas, feliz por não ter estragado o Carnaval de ninguém.
— Não se tem notícia — contava meu pai — de homem mais delicado do que o jovem e o velho Théo. Nem de tão grande amor de marido e mulher.
***
Quando a gente pensa que já viu e ouviu tudo no item amor, surgem evidências de que ainda há muito a ver, ouvir, viver e descobrir. Se não, vejamos. Neusa está pensando em separar-se do homem com quem está casada há um ano. Rodrigo, o marido, foi transferido para uma pequena cidade no interior do Paraná, berço natal de ambos — e ela se recusa a voltar para a cidade de onde saiu para realizar seu grande sonho: morar no Rio.
Por respeito aos seus moradores, não vou dizer o nome da pequena cidade, que Neusa chama de buraco.
— Quando saí de lá dei uma esnobada no pessoal, e agora como é que eu vou voltar? Vão rir na minha cara. Isso se não me lincharem, porque saí falando mal do lugar, dos seus habitantes, do prefeito… Não tenho condições de voltar para aquele buraco!
Tentei cortar, mas ela continuou com ímpeto:
— E ainda sem realizar meu segundo sonho: ser atriz, conseguir um papel numa novela.
Aí consegui cortar a jovem, também com ímpeto, e, por que não dizer, com um pouco de raiva:
— Mas o seu amor pelo seu marido não é maior do que esse sonho?
— Não, claro que não! Nada pode ser maior do que o meu sonho!
— Mas você sempre disse que estava apaixonada pelo Rodrigo!
— E uma das razões era porque o casamento com ele me traria para o Rio! Foi uma coisa certa entre nós, desde sempre. E agora ele vem com essa história de que a situação aqui está difícil, o ministro está cai, não cai, e ele não consegue ser nomeado. Me disse que, voltando para o buraco de onde nós dois saímos, ele vai ter uma chance maior de estabilizar-se profissionalmente.
— Mas, se é assim, você tem de dar força, ajudá-lo…
— E quem me ajuda? Não, negativo. Ele aceitou a derrota, mas eu não. Daqui ninguém me tira! E estou até com vontade de dar queixa no Procon e pleitear uma indenização por perdas e danos.
— ???
— Por propaganda enganosa. E tem mais: ele também me prometeu que falaria com um amigo que trabalha na televisão para me conseguir um teste, mas já deu para sacar que ele não conhece nem o porteiro da estação de TV. Propaganda enganosa configurada. Prometeu e não cumpriu. Vendeu e não entregou! Procon nele! E ainda tem mais um problema…
Sem esperar pelo fim do discurso, deixei a Neusa falando sozinha e saí do Café Severino.