A equipe de psicólogos de um grande hospital
me pediu uma palestra sobre perdas.
Perdas de quê? Dinheiro, saúde, emprego, amor, juventude, beleza… perda da alienação quando se aproxima a morte, nossa ou de alguém próximo, desconstruindo tudo o que parecia sólido em nós?
Qualquer perda. Pois, no trabalho deles, lidavam com isso o dia todo.
O que podia eu dizer a esses competentes profissionais que diariamente enfrentam os dramas que afluem a um hospital, aquele rio de perdas que se enfia por todos os cantos, atrás de cada porta ou biombo atingindo alguém com todo o direito de chorar?
Então procurei ser simples: falar das naturais dificuldades em lidar com qualquer perda - também fora do contexto hospital, saúde, vida e morte.
Primeiro, não queremos perder.
É lógico não querer perder. Aliás, nem deveríamos ter de perder nada: saúde, pessoas, posição, dignidade ou confiança. Mas uma constante alternância de ganhos e perdas forma em parte a nossa humanidade ameaçada. Nós somos também isso.
Segundo, perder dói mesmo.
Não há como não sofrer. É tolice dizer "não sofra, não chore". Também o luto e a dor são importantes - desde que não nos paralisem demasiado por demasiado tempo.
Terceiro, precisamos de recursos internos para enfrentar a dor.
O apoio dos outros é relativo e passageiro. A força decisiva terá de vir do nosso interior, onde se depositou a bagagem da nossa vida. Lidar com a perda vai depender do que encontramos ali: se nesse lugar crescem árvores sólidas, teremos onde nos agarrar. Se houver apenas plantinhas rasteiras, estaremos mal. Por isso, aliás, a tragédia faz emergir forças insuspeitadas em algumas pessoas, e para outras aparece como uma injustiça pessoal ou uma traição da vida.
Uma doença grave, um insulto à dignidade ou o esvaziamento da nossa confiança deixam-nos encurralados. Já não vemos sentido em nada, e isso será mais difícil se até ali corremos desnorteados no tempo em que, sem refletir nem apreciar, ainda possuíamos isso que agora perdemos.
Não acho que seja preciso alta filosofia nem devoção ardente, nem acredito em muita teorização sobre o sentido da existência.
Mas creio numa expressão algo fora de moda, que no meu caso não tem conotação religiosa: vida interior. Que é o espaço da ética, dos afetos, da humildade e da coragem, da visão da nossa transcendência. Somos parte de um misterioso ciclo vital que é o da própria natureza, e nos confere sentido. Dentro dele, mesmo sendo insignificantes, temos grandeza. Mesmo sendo muito jovens, podemos ser maduros.
Por tudo isso, que não compreendemos mas podemos sentir, a vida vale a pena - também quando o mundo parece desabar sobre nós ou arrancar-nos das mãos aquela última pequena e pálida esperança.