DESDE
CRIANÇA tinha um sonho: queria ser escritor, autor de livros como
aqueles que lia (lia, não: devorava) na escola: as obras de José de
Alencar, de Machado de Assis, de Graciliano Ramos. Muito cedo começou
a rabiscar historinhas que mostrava com orgulho para os professores e
para os pais. Todos o encorajavam, diziam que deveria prosseguir, que
tinha muito talento. Mas disso ele próprio duvidava. A verdade é
que se sentia muito distante dos grandes mestres.
Não
tinha fôlego, parecia-lhe, para escrever uma obra como as de
Shakespeare, autor que admirava, embora nem sempre o entendesse. Uma
constatação que o deixava deprimido. E mais deprimido ficou quando,
a conselho dos pais e dos amigos, começou a estudar letras.
Quanto
mais autores famosos conhecia, mais se envergonhava de seu próprio
trabalho, coisa de simplório amador. Os seus diálogos, por exemplo,
eram fracos, banais, nada que chegasse aos pés dos diálogos
escritos por Shakespeare, diálogos que traduziam todos os dramas que
as pessoas podem viver.
Um
dia, e de repente, ocorreu-lhe uma resposta. Um grande tema, era isso
o que lhe faltava. Um tema que pudesse ser expresso através de
diálogos fortes, transcendentes. Mas que tema poderia ser esse? Na
sua própria vida nada acontecia que o motivasse. Era uma vida
tranqüila, sem grandes problemas.
Os
pais, ele, advogado, ela, médica, não eram ricos, mas podiam
sustentá-lo confortavelmente. Moravam numa boa casa, onde ele tinha
seu quarto, sua tevê, seu computador.
Nunca
passara fome, nem ele nem a irmã mais velha, que aliás era a
companheira, a confidente com quem podia contar sempre. Nunca tivera
doenças graves, era um jovem atlético (jogava basquete), simpático.
Namoradas estavam ao seu alcance à hora que quisesse.
Grandes
escritores muitas vezes são pessoas atormentadas, angustiadas. Não
era seu caso. E por essa razão, era o que achava, não tinha sobre o
que escrever. Faltava-lhe uma tragédia. Então ocorreu o acidente
aéreo.
Medonha
catástrofe, dezenas de vítimas. Olhando a tevê, ele, como tantos
outros, chorou de emoção. Ocorreu-lhe escrever uma história a
respeito. Uma história que retratasse a agonia humana numa tragédia
como aquela e que a expressasse por meio de diálogos: entre os
passageiros, entre os pilotos.
Sem
demora, sentou-se ao computador. Mas aí viu, sobre a mesa, o jornal
daquele dia, com a transcrição dos últimos diálogos gravados na
caixa preta. Ele os leu, ou melhor, releu. Eram palavras simples
aquelas, palavras que poderiam fazer parte do cotidiano de qualquer
pessoa, mesmo que essa pessoa não escrevesse: ""Desacelera,
desacelera!", "Não dá, não dá... Ai, meu Deus!"
Desligou
o computador. Nada mais havia a ser dito ou escrito. Nesse momento
ocorreram-lhe as palavras daquele distante autor inglês,
Shakespeare: o resto é silêncio.