Deve-se
concluir que, embora sendo capazes de roubar e espancar mulheres,
rapazes que moram em condomínio da Barra da Tijuca não são
bandidos, já que bandido é quem mora em favela. Isso ajuda a
entender o filho que ele tem.
Se não
é justo atribuir essa atitude a todos os pais de classe média, é
impossível não ver nela o sinal de uma visão que se generalizou e
que, de certo modo, explica o grau de impunidade que caracteriza a
sociedade brasileira.
Na
frase daquele "paizão", está implícita a noção de que
o respeito às normas sociais é coisa secundária e mesmo
condenável, porque, no fundo, encobre o ranço repressivo que
herdamos do passado e a vontade de vingança contra os criminosos.
Isso é uma coisa que estou cansado de ouvir da boca de advogados e
até de ministros da Justiça, muitos deles herdeiros da lição
rebelde dos anos 60-70: "É proibido proibir", "Não
acredito em ninguém que tenha mais de 30 anos".
Tudo
isso era muito divertido, mas a verdade é que contribuiu para minar
o princípio de que a sociedade necessita de normas, já que, sem
elas, mergulharíamos no arbítrio, na violência e no caos.
Ainda
não chegamos lá, nem chegaremos, porque a maioria das pessoas sabe,
sem ter lido os juristas, que o respeito às normas é condição
básica do convívio social. A Justiça não nasce no fundo do
quintal, ela foi inventada pelo homem que necessita dela como do ar
que respira. Mas isso não impede que, como no caso do Brasil, o
respeito à Justiça e a aplicação das leis sejam vistos como
expressão de intolerância e repressão.
Isso
se percebe a cada momento e às vezes na boca daqueles que deveriam
defender a aplicação rigorosa do princípio de justiça. Não
consigo me esquecer das declarações do então ministro da Justiça
Márcio Thomaz Bastos defendendo o abrandamento da punição dos
crimes hediondos, sob a alegação de que seu agravamento não fizera
diminuir esse tipo de crime.
Ao ler
tais declarações de um jurista, pensei comigo: se esse argumento é
válido, então deveríamos revogar o Código Penal, já que sua
vigência não impede que se pratiquem crimes no país.
Como
se sabe, o condenado por crime hediondo, que até então não
usufruía do direito de cumprir apenas um sexto da pena, agora
usufrui, graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Ou seja,
bandidos queimam vivas dezenove pessoas dentro de um ônibus, são
condenados a 400 anos mas, como a pena máxima no Brasil é de 30
anos, poderão estar soltos depois de cumprir apenas cinco anos, isto
é, um sexto da pena. Noutras palavras: em muitos casos, a pena
máxima, no Brasil, é de cinco anos.
Parece
brincadeira. E isso tudo é decidido apoiado em argumentos de difícil
compreensão para nós, leigos, que não gozamos da sapiência
jurídica. O fraseado estrambótico escapa à nossa compreensão,
enquanto sua conclusão nos deixa indignados. Dá a impressão de que
o aparelho jurídico que montamos e que nos custa tão caro existe
para dificultar a aplicação da Justiça e beneficiar os criminosos.
Certamente
não é assim, já que a maioria dos juízes defende a vigência da
Justiça. Não obstante, na prática, prevalece a impunidade.
A
garantia da impunidade conta com todo um aparato, que vai desde a
falta de escrúpulos do advogado de defesa -cuja função parece ser
impedir que se faça justiça- até as minudências jurídicas que,
na hora H, anulam o processo.
- Mas
por quê, meritíssimo?
- Ele
pôs vírgula entre o sujeito e o verbo! Dura lex sed lex.
Isso
sem falar naquele juiz que adulterou o parecer do colega para
permitir que se libertasse um dos maiores traficantes internacionais.
Condenado a 20 anos por tráfico de drogas e respondendo a processos
por evasão de divisas, contrabando, falsificação e apropriação
indébita, foi solto por ter, segundo o referido juiz, bons
antecedentes.
Bons?
Pois eu diria ótimos antecedentes, levando-se em conta a noção de
ética que vai tomando conta do país.