"O paraíso é onde estou". (Voltaire)
Outro dia fui arrebatada pela coluna de Eliane Brum na revista Época sobre Joan Didion, a escritora que perdeu numa tacada só marido e a única filha para a morte, e… “sobrou”. Diante da velhice, foi tomada por um sentimento de vazio, perguntando-se o que fazer com tantos planos imaginados para a velhice. Acabou escrevendo um livro recheado de belas memórias de seus companheiros de vida, chamado “noites azuis”, e vive o dia-a-dia sem muito entusiasmo, a não ser quando acessa o passado e desanda a escrever.
Poucos dias depois, entro em um táxi e começo a conversar amenidades com o motorista, um português há 30 anos no Brasil. Seu projeto mais ousado naquele momento é conhecer o sul do Brasil, algo que planejou fazer com a esposa durante 30 anos e não conseguiu realizar. Todas as férias ela preferia ir a Portugal visitar os parentes do marido e ele cedia. “Quando seus pais morrerem, vamos para o sul de férias”, dizia a esposa, com quem o motorista sonhava compartilhar a velhice. Seu pai morreu, sim, mas poucos meses depois a própria esposa faleceu, perdendo a batalha de apenas alguns meses para um câncer na face.
“Desde então não faço mais planos. Vivo o dia a dia.”, disse o taxista.
Na mesma noite, ouço a história de uma colega de pós-graduação cuja mãe sofre de Alzheimer há 10 anos e há dois entrou em estado vegetativo – antes mesmo de completar 70 anos de vida. Atormentada com a ideia de que possa um dia vir a desenvolver a doença que tanto maltratou a mãe, minha colega questionou o médico, que lhe pegou pela mão, os olhos firmes, e disse: viva intensamente, cada dia da sua vida.
Naquela semana, o tema no grupo de filosofia era Nietzsche e a importância de potencializar o presente: o que dá sentido à vida é desejar o eterno retorno do instante. Este “retornar” é o agora. “O excesso de imaginação em relação ao futuro não leva a nada. Deve-se viver intensamente o instante, de forma criativa.”, bradou o professor. Até para se amar alguém, por exemplo, é preciso esquecer. Amar não é uma rememoração, é um ato. A inteireza desse ato só pode acontecer no esquecimento. Está tudo lá, escrevinhado no meu caderninho de filosofia.
Aí me deparo com o post do roteirista Marcelo Zorzanelli, que visita este blog às segundas, que diz: “Viver dominado pelo passado ou preocupado com o futuro é a fórmula de uma existência ansiosa e triste, seja no trabalho, na família, no amor”.
A sincronia de acontecimentos me surpreendeu. Encontros e situações diferentes, a mesma mensagem essencial. Um dia após o outro. Nada de expectativas, de planos. A fórmula é exatamente o oposto de tudo o que aprendi com nossos pais e testemunho nessa nossa sociedade ocidental e capitalista. Minha mãe, filha da guerra, repetiu a vida inteira, como um mantra, sobre a importância de economizar, fazer planos, nunca me lançar em nada sem garantias, pensar na velhice, não arriscar, deixar vários projetos para “depois da aposentadoria”. Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Garanta o seu futuro. OK. Planejar também é bom. Que seria de nós sem planos, sonhos, projetos, objetivos? Mas o que ocorre é que muitas vezes vivemos de olho em um futuro que jamais chega a se concretizar. A vida nos prega peças, afinal. Por que não pensar a respeito daquilo que se pode fazer agora, hoje, para tornar a vida mais agradável, ao invés de ficar o tempo todo “projetando o futuro”, articulando para colher frutos…lá na frente? Por que não tornar o trabalho que parece chato e esgotado de possibilidades mais interessante hoje?
Nossa tendência é pensar que tudo depende de uma imensa elaboração que só resultará em felicidade em algum ponto do futuro. Por que não estar presente em cada instante da jornada? Pode ser mais simples do que parece.
Por exemplo: dar uma caminhada matinal pode melhorar o humor de todo um dia. Dar uma parada para respirar e pensar a respeito do que se está de fato fazendo – saindo do automatismo e da pressa – pode levar a um novo jeito de executar algo aparentemente corriqueiro. Ler algumas páginas de um bom livro durante o dia. Desligar o celular ao dirigir. Andar pela rua olhando ao redor e não para o chão. Tomar sol. Comer apreciando e olhando para o que se come. Telefonar para alguém apenas para dar um alô carinhoso. Dar uma volta no quarteirão à luz da lua só para sentir a brisa da noite bater no rosto e desalinhar os cabelos. Andar na chuva.
Tudo isso são pequenos cuidados (carinhos?) que, porque não, podem garantir mais gotas de satisfação no dia a dia. São coisas que podemos fazer, mas muitas vezes não fazemos porque “achamos” que não temos tempo, temos preguiça, ou talvez acreditemos não merecer, mesmo. Preferimos ser autômatos, em função das próximas férias, da aposentadoria, do dia em que finalmente daremos aquela virada para “mudar de vida” e ter um ritmo mais calmo.
Vivemos vidrados nas telas de nossos celulares e iPads para saber quem nos contactou, qual a próxima missão, o que “estamos perdendo” de informação, na movimentação frenética do scroll bar do Twitter, do Pinterest, do Facebook. Enquanto batia a porta do taxi do velho motorista português, só pensava em mudar alguns dos meus planos para o futuro e deixá-los, porque não, para o presente.