O que
leva as pessoas a esse tipo de decisão? Um sentimento bem antigo e
que esteve e sempre estará presente na humanidade: o medo, seja ele
pequenino ou enorme.
É,
porque não somos visitados apenas pelos grandes temores – da
morte, de ter uma doença grave, de sofrer um desastre e afins. No
dia-a-dia, somos colocados diante de várias situações em que
precisamos decidir entre encarar ou parar.
E às
vezes desistimos pelo receio de lidar com o incerto em um grau menor
ou maior. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, considerado um dos
grandes pensadores da atualidade, descreve bem esse tipo de
sentimento em seu mais recente livro Medo Líquido. Em um trecho da
obra, ele compara o medo à travessia pela neblina, onde não se pode
enxergar 30 m à frente.
Bauman
diz: “Fiel a esse ‘viver na neblina’, nossa ‘certeza’
direciona e focaliza nossos esforços de precaução sobre os perigos
visíveis, conhecidos e próximos, perigos que podem ser previstos e
cuja probabilidade pode ser calculada – embora os perigos mais
assustadores e aterrorizantes sejam precisamente aqueles cuja
previsão é impossível, ou extremamente difícil: os imprevistos, e
muito provavelmente imprevisíveis”.
O
medo tem, então, a ver com encarar o imprevisível e com coragem
para enfrentar o que não lhe é confortável. Mas, que fique claro,
ter medo não é sinal de fraqueza porque ninguém precisa ser
corajoso o suficiente para passar pela vida com o peito aberto para
tudo.
A
questão é quando começamos a declinar demais e sem perceber
colecionamos uma série de desistências. E isso, ao longo do
caminho, gera uma frustração danada, insegurança e mais medo e
pode até abalar o que nos é tão caro: a autoconfiança.
Então,
que tal fazer um balanço dos medos que incomodam, os pequeninos
mesmo? Reconhecê-los é o primeiro passo. E assim ter uma vida mais
leve e sem tantos tropeços porque, afinal, às vezes é preciso
seguir pela tal da neblina e encarar o caminho, apesar das
incertezas.
Há
mesmo o medo de coisas que vêm da fantasia de cada um. A imaginação
constrói, avoluma e, por vezes, aprisiona. Mas não vamos negar o
medo que é acionado por um instinto de preservação. Esse é seu
parceiro. Por exemplo, é tarde da noite, você está só, assistindo
TV, quando uma porta bate. Não dá outra: o coração dispara, os
músculos se enrijecem e todos os sentidos ficam em alerta.
Alguns
segundos depois, quando percebe que era só o vento – e não um
acontecimento incomum –, é que você volta a relaxar. Isso
acontece porque em momentos de perigo iminente seu cérebro aciona um
mecanismo ancestral que serve para torná-lo mais apto para a fuga ou
o combate. O objetivo disso é preservar a vida. E o gatilho que
dispara esse circuito é um velho conhecido: o medo. Aliás, ele não
é algo exclusivo do ser humano.
Todos
os animais compartilham essa emoção, e é graças a ela que a
gazela sai correndo quando vê um leão. Esse tipo de medo é
considerado positivo e necessário porque serve para nos proteger. É
ele que nos faz, por exemplo, olhar para os dois lados antes de
atravessar a rua – e não ser atropelado – ou impede, diante de
um penhasco, que alguém se atire em queda livre, sem receio. Aliás,
o mecanismo biológico por trás de qualquer tipo de medo (do bom e
protetor àqueles que nos apavoram) é igual.
O
psicobiólogo Marcus Lira Brandão, coordenador do Laboratório de
Psicobiologia da USP de Ribeirão Preto, onde é desenvolvido o
Projeto Psicobiologia do Medo e Estresse, explica que o medo provoca
uma reação em cadeia no cérebro, que tem início com um estímulo
de estresse, como uma platéia lotada ou uma batida repentina na
porta. Funciona assim: uma vez recebido o sinal de estresse, o
hipotálamo (região no cérebro) informa todos os circuitos
cerebrais que é preciso entrar em ação, liberando hormônios como
adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea.
Esses
hormônios deixam o corpo mais alerta, pronto para lidar com uma
ameaça. Daí aumenta a freqüência cardíaca, os sentidos ficam
mais aguçados e os músculos tensos. “Tudo isso acontece para que
a gente possa correr adoidado para fugir de um perigo ou, se for o
caso, enfrentá-lo com todas as forças”, diz Brandão, que, como
todo mundo, também tem seus medos – o dele é o de não entender o
medo. “Se o cérebro recebeu um sinal de alerta, vai reagir como se
estivéssemos frente a frente com o leão mais feroz da África,
mesmo que se trate só de uma inofensiva barata”, explica o
psicobiólogo.
De
acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Silva, autora de Mentes com Medo,
da Compreensão à Superação, os motivos pelos quais uma pessoa tem
um medo maior ou menor diante de um inseto, por exemplo, ou não tem
coragem de enfrentar uma platéia variam de pessoa para pessoa e
dependem da história de vida de cada um.
Mas a
maneira de tentar superá-los é bem similar. “É necessário
acolher o medo, em vez de negá-lo ou diminuir sua importância”,
diz Ana Beatriz. “Só assim se torna possível lidar com esse
sentimento”, explica. Parece difícil? Nem tanto.
É só
lembrar de todas as vezes em que você já ficou muito triste. Não
foi melhor assumir que estava mal mesmo e chorar tudo o que tinha
para chorar? Com o medo, é a mesma coisa. “Para que ele não vire
um bicho-papão, o melhor é encará-lo de frente, sem reservas”,
explica a psicanalista Júnia de Vilhena, da PUC do Rio de Janeiro.
Você
tem medo de que?
De não
encontrar a cara-metade
Por
trás disso, pode estar o medo da perda, ou ainda o temor de não ser
suficientemente bom. “Quem não se sente digno de receber amor e de
ser valorizado dificilmente consegue acreditar que merece coisas
boas”, acredita Maria Conceição Bahia Valadares, terapeuta
bioenergética que tinha medo de morrer afogada, mas mesmo assim fez
um curso de mergulho e hoje nada em qualquer piscina.
A
armadilha desse tipo de medo é ficar agradando os outros o tempo
todo e assim se esquecer de si mesmo. “Quem se sente não merecedor
de afeto muitas vezes acaba sendo submisso nas relações pessoais”,
analisa Maria Conceição. É um passo para ficar roendo as unhas
toda vez que está sozinho, achando que nunca mais vai encontrar
alguém. Não há solução mágica para aprender a se valorizar e
ser mais autoconfiante. De novo, um bom caminho é a busca o
autoconhecimento. “Sem isso, é muito difícil lidar com medos tão
primitivos, que podem ter surgido lá atrás, na infância”,
acredita Maria Conceição.
De
dirigir
“Trata-se
de outro medo mais comum do que se pensa, principalmente entre as
mulheres”, diz Ana Beatriz. Quase sempre ele está relacionado à
dificuldade de assumir a autonomia, de dirigir e responsabilizar-se
pela própria vida. A psicoterapia aqui pode ajudar porque as raízes
dessa falta de confiança podem ser antigas. Há ainda as terapias
que colocam a pessoa literalmente dentro do carro, com um psicólogo
ao lado, que vai ajudando o motorista a lidar com seu pânico diante
do volante. De ir a uma festa sozinho, de falar em público, de dizer
“eu te amo”Todos esses exemplos se relacionam ao medo de se expor
e eventualmente esconde uma dificuldade de aceitação. Por trás
dela, pode estar também um desejo grande de se sentir querido ou
mesmo revelar uma expressiva carência afetiva.
Uma
das armadilhas causadas por esse tipo de medo é a criação de
expectativas pouco realistas, já que a tendência é sempre evitar
ou adiar a ação. A conseqüência é que, quando ela finalmente
acontece, já criamos fantasias, como a de receber aplausos
estrondosos durante uma apresentação sem maior importância e de
arrasar naquela festa. Daí, a frustração é sempre maior. O medo
de se expor em geral está ligado a questões íntimas e, muitas
vezes, inconscientes. “Por isso, uma saída é procurar um
terapeuta, que vai ajudar o paciente a se conhecer melhor e, dessa
forma, entender por que ele se apavora diante das solicitações da
vida”, diz a psicoterapeuta Junia de Vilhena.
De
animais
Os
mais comuns são de insetos, aranhas, cobras, cães, gatos, sapos,
ratos e lagartixas. De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Silva, a
melhor forma de resolver o problema é por meio da exposição ao que
se teme. “O objetivo é treinar e habituar o paciente a reduzir a
ansiedade, fornecendo a ele subsídios para o enfrentamento gradual”,
diz Ana, em seu livro Mentes com Medo.
De
dentista
Esse é
dos medos comuns. Há gente que se apavora ao ouvir o barulho do
motorzinho do dentista, outros se assustam ao ver a seringa da
anestesia. Um bom papo com o dentista, claro, ajuda. Mas técnicas de
relaxamento podem reduzir bastante o problema.
Quando
vira fobia?
Quando
começa a impedir atividades do dia-a-dia. Aí, o sentimento passa a
se chamar transtorno de ansiedade e muitas vezes requer tratamento
médico. A síndrome do pânico também faz parte desse caldeirão.
“Afinal, é um período de intenso temor, injustificado, com
sintomas característicos, como taquicardia, suor, dor no peito,
tontura”, conta a psiquiatra Ana Beatriz Silva. “É até possível
se curar sozinho, mas o mais recomendável é procurar uma terapia ou
um atendimento psiquiátrico”, diz ela.
10
Coisas que você não precisa temer:
1. De
soltar a voz no karaokê - Todo mundo está lá para desafinar mesmo.
2. De
pintar as paredes da sala de roxo - Ficou ruim? É só pintar de
branco de novo.
3. De
fazer um corte de cabelo radical - O cabelo cresce novamente.
4. De
terminar um relacionamento ruim - A vida é cheia de possibilidades
de novos encontros.
5. De
dizer o que sente - Isso pode ser libertador.
6. De
errar na receita do bolo - Se não ficar bom, você compra outro na
padaria.
7. De
errar no presente para alguém especial - Não serviu? Ele pode
trocar. E se não gostar, está aí uma chance de você conhecer
melhor a pessoa.
8. De
não acertar o caminho - Basta saber que, às vezes, é preciso parar
para perguntar a direção das coisas.
9. De
experimentar um prato diferente - Descobrir novos sabores é uma
delícia. Se o prato for mesmo ruim, você sempre pode pedir outro.
10. De
fazer perguntas: para o médico, para o chefe, para alguém que você
considera sábio. O papel dessas pessoas é, também, dividir
conhecimento.