Como
uma dieta diária de emoções positivas
altera o funcionamento do
corpo
O
trabalho criativo é fascinante. O sujeito está lá, pressionado
pelo prazo, pelo cliente, pelo chefe, torturado pela obrigação de
traduzir uma ideia em três palavras. Precisa ser uma mensagem
sintética e eficaz. Dessas que grudam nos miolos e produzem o
movimento desejado: um impulso de consumo, uma sensação, uma
mudança de comportamento. O coitado tenta um, dois, três, trinta
caminhos e fracassa.
Se
tiver sorte, é liberado para pegar umas horinhas de sono. Dorme,
acorda, se enfia no chuveiro e, enquanto esfrega o shampoo no couro
cabeludo ensebado, pumba! Lá vem ela. Límpida, exata, a mais
perfeita tradução do que pretendia comunicar.
Fico
elucubrando a respeito dessas etapas sempre que um slogan me
conquista. Leio, admiro, sinto e me pergunto qual será o cérebro
por trás da ideia. Quem inventou? Como inventou? Com que facilidade
ou sofrimento inventou? Foi no chuveiro? Na academia? No momento em
que a pasta de amendoim escorregou sobre o pão?
Tendo
a achar que as boas ideias nunca surgem no ambiente de trabalho.
Comigo é assim. Minhas ideias são rebeldes. Só aparecem quando
tenho alguma ilusão de liberdade. Aí agarro um guardanapo, uma
caderneta soterrada na bolsa, um lenço de papel, um recibo de cartão
de débito para anotar as palavras certas enquanto é tempo.
Sempre
achei que algo semelhante tivesse acontecido com o felizardo criador
da frase “gentileza gera gentileza”. É uma mensagem perfeita, na
forma e no impacto. Ela induz um sentimento de boa vontade em relação
aos desconhecidos. Alguém que escolheu usar uma camiseta com essas
palavras ou colou no carro esse adesivo deve ser, pelo menos em tese,
uma pessoa respeitosa, interessante.
Só
recentemente descobri que essa frase não foi criada por um redator
profissional. É obra de uma personalidade urbana carioca, conhecida
como profeta Gentileza, morto em 1996. Ele andava de túnica branca e
barba longa e, nos anos 80, criou 56 painéis sob um viaduto da
Avenida Brasil. Um deles trazia a frase genial.
Estou
convencida de que gentileza gera gentileza, mas há quem sustente que
gentileza gera saúde. Uma delas é a psicóloga Barbara Fredrickson,
professora da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Ela é uma das tantas pesquisadoras que buscam explicar como o
bem-estar emocional produz saúde física.
Pessoas
que vivem relações afetuosas e são capazes de encarar a maioria
dos desafios com otimismo tendem a viver mais e com mais qualidade.
Diferentes estudos sugerem que emoções positivas fortalecem o
sistema imune. Por consequência, diminui o risco de contrair
resfriados e conviver com processos de inflamação crônica. Outros
trabalhos indicaram menor propensão a doenças cardiovasculares,
dores de cabeça, fraqueza etc.
Em seu
novo trabalho, publicado na revista Psychological Science, Barbara
investiga como as emoções afetam o nervo vago. Ele é responsável
pela inervação de diversos órgãos, como o coração, o estômago,
o pulmão, o intestino delgado, entre outros. Por meio dele, o
cérebro é informado sobre o estado das vísceras.
Quando
um susto, um stress agudo acelera os batimentos cardíacos e coloca o
organismo inteiro em alerta, o nervo vago e seus auxiliares trabalham
para restabelecer a normalidade. Eles reduzem a pressão arterial e
normalizam os batimentos cardíacos.
Nesses
tempos de stress crônico, é fundamental encontrar formas de manter
o nervo vago funcionando adequadamente. Do contrário, o corpo
inteiro sofre.
Sessenta
e cinco voluntários se inscreveram no novo estudo de Barbara. Metade
do grupo participou de aulas de meditação compassiva, uma técnica
destinada a desenvolver sentimentos como bondade e compaixão.
Durante
as sessões, eles foram instruídos a focar a mente em suas próprias
preocupações. Aos poucos, deveriam incluir as aflições das
pessoas com que se relacionavam.
Em
silêncio, deveriam repetir frases como: “Você pode se sentir
seguro”; “Você pode se sentir feliz”; Você pode se sentir
saudável”. Sempre que a mente vagasse por outros lugares, os
praticantes deveriam trazê-la de volta a essas frases.
Fora
das aulas, em momentos estressantes ou chatos como ficar preso num
congestionamento, eles deveriam se esforçar para fixar a mente
nesses pensamentos. “É algo como suavizar o próprio coração
para estar mais aberto aos outros”, disse Barbara à revista Time.
Cascata
das bravas? Conversinha de autoajuda? Pelo sim, pelo não, vale a
pena acompanhar os resultados do trabalho.
Antes
do início do estudo e ao final dele, a variação da frequência
cardíaca dos voluntários foi analisada. Essa é uma medida da
resposta do nervo vago. Quanto mais tonificado é o nervo, maior é a
variação da frequência cardíaca. E mais baixo é o risco de
doenças cardiovasculares. O nervo também participa do controle dos
níveis de glicose e da resposta do sistema imune.
Além
de tudo isso, o vago tem papel importantíssimo na forma como nos
relacionamos. Está ligado aos nervos que sintonizam nossos ouvidos
com a fala humana, coordena o contato visual e regula a expressão
das emoções. Também influencia a liberação de oxitocina, um
hormônio importante para a formação de vínculo entre as pessoas.
Todos
os participantes (os que meditaram e os que não participaram das
aulas) registraram as emoções positivas e negativas vividas no
cotidiano durante 61 dias.
Resultado:
quem meditou registrou um aumento de emoções positivas, como
alegria, interesse, serenidade e conexão com outras pessoas. Essas
sensações foram acompanhadas de uma melhoria na função do nervo
vago.
É um
sinal de que uma dieta diária de emoções positivas favorece a
saúde. E o mais interessante: esses benefícios podem ser
mensuráveis.
Só
meditar, no entanto, não adianta. A alteração na função do nervo
só ocorreu naqueles em que a prática realmente ajudou a melhorar as
emoções. Não houve mudança no padrão fisiológico entre os que
meditaram, mas emocionalmente continuaram na mesma.
É um
bom começo. Resta saber se os benefícios fisiológicos da prática
e da mudança de olhar sobre os fatos são sustentáveis no longo
prazo. Novos estudos estão em andamento.
Enquanto
eles não ficam prontos, que tal colocar um pouquinho de gentileza no
seu dia? Responder ao bom dia que alguém lhe deseja. Segurar a porta
do elevador e oferecer passagem. Não avançar sobre a travessa de
comida assim que o garçom a coloca sobre a mesa se decidiu dividir o
prato com uma colega de trabalho – principalmente se você é homem
e ela tiver idade quase suficiente para ser sua mãe.
Recentemente,
recebi todas essas demonstrações de falta de gentileza. Nenhum dos
autores as interpretou como gafe ou deslize. Se essas são as novas
regras de convivência, prefiro viver à moda antiga.
Gentileza
gera gentileza. Gentileza gera saúde.