Escolher
entre os prazeres da mesa e a vaidade
é de uma crueldade que deve
ter sido inventada pelo demônio
UM DOS
PRAZERES da vida é comer, comer o que a gente gosta; e depois que a
gastronomia ficou na moda, difícil é decidir entre comer de tudo ou
viver fazendo dieta a vida inteira. Pode parecer que este é um tema
superficial, só que não é; implica fazer uma opção, o que é
sempre um tormento.
As
tentações estão em todos os lugares: nas fotos das revistas, nas
vitrines, numa conversa no telefone. Onde vamos almoçar domingo,
recebi um chouriço e aprendi uma receita nova, venha para cá, você
traz o vinho, e quem resiste a um convite desses? E dizer não a
troco de quê?
A vida
é combate, como sabemos; mas escolher entre os prazeres da mesa e a
vaidade de ter um corpinho esbelto é de uma crueldade que deve ter
sido inventada pelo demônio. É sempre assim: a cada prazer vem
imediatamente a conta, aliás, o castigo, como aprendemos com as
freiras. Se num único dia você come tudo que não devia, vai
precisar de dez a pão e água -aliás, só água- para voltar ao
peso antigo, o que é a prova da injustiça da vida. Se viajou por
duas semanas, quando chegar vai encontrar a TV sem funcionar, e se
estiver tudo na mais santa paz, desconfie. Tem mais: quanto mais
maravilhosa tiver sido a viagem, mais dramáticos serão os
problemas; talvez o melhor seja filosofar, imaginando que este é o
tal do equilíbrio fundamental da vida -dizem.
Estamos
cansados de saber que é preciso comer com moderação, beber com
moderação, ser sensata ao passar por uma vitrine, não tomar sol
demais, não beber demais, não ler demais, para não cansar a vista,
não rir demais -muito riso, pouco siso-, não amar demais para não
cair do cavalo, não acreditar demais no ser humano para não se
decepcionar, mas também não ser totalmente descrente, pois sem
acreditar, a vida não tem sentido. Por sensatez, compreenda-se: o
mundo quer que se viva de maneira média -e quando se fala em mundo,
fala-se dos pais, dos irmãos mais velhos, das leis, das pessoas com
juízo; crianças médias não ameaçam a estabilidade da família,
esposas com desejos médios não põem em risco o casamento, cidadãos
médios são mais fáceis de ser governados. Mas é possível ser
sensata e feliz? É possível ficar na praia olhando o relógio para
ver se já são 10h, já que a partir daí não se pode mais tomar
sol?
Não,
não é; viver medindo tudo, para não ser nem de menos nem de mais,
ser equilibrada o tempo todo, a vida inteira, não dá. Às vezes é
preciso ser radical, em qualquer dos sentidos, e escolher: ou come
tudo que tiver vontade ou passa fome; ou bebe tudo que tiver vontade
ou toma água. Água, essa coisa tão sem graça, não só pode, como
deve.
Uma
coisa é certa: seja qual for sua decisão, você vai pagar por ela.
Deve haver um lugar no universo onde se possa ter tudo o que se quer
ao mesmo tempo, sem precisar contar as calorias, pesar, medir os prós
e os contras, e sem pagar o preço.
Tem
alguma graça ganhar uma caixa de chocolates e comer civilizadamente
só um ou dois? E sentir de repente uma paixão daquelas
incontroláveis e se conter, quando sua vontade é ir para o fim do
mundo, se fim de mundo houvesse, e fazer tudo, absolutamente tudo que
tem vontade, mandando às favas a tradição, a família, a
propriedade e o que mais for preciso? Qual a relação entre uma
caixa de chocolates e uma paixão? Teoricamente, nenhuma.
Só
que as duas, depois que acabam, costumam deixar uma mulher devastada.
No corpo ou na alma.