Comecei
a cantarolar baixinho e o taxista perguntou se eu queria que ele
aumentasse o volume. Tocava no rádio nada mais nada menos que
"Father and Son", de Cat Stevens, hino de minha
adolescência.
Eu e
minha amiga Vânia ficávamos deitadas no tapete da sala lendo a
letra no encarte do LP, acompanhando Stevens com nosso sofrível
inglês e total sofreguidão.
O
rapaz aumentou o volume, também adorava a música. "Mas não é
ele cantando, é?" --perguntei.
Meu amigo taxista não sabia
dizer, talvez fosse jovem demais. Havia muito tempo que eu não ouvia
a canção. Fiquei esperando a parte de meu maior prazer, quando,
quase em esgares, Stevens cantava "How can I try to explain?
When I do, he turns away again. And it's always been the same, same
old story...". Não vinha. Não veio
.
A voz
até parecia ser dele, mas quem cantava percorria tão suavemente a
crise entre o pai e o filho, talvez até desse mais corpo à voz do
pai, que acabei concluindo: "Não, não é ele. Ele cantava o
filho que quer sair de casa quase gritando, com muito mais emoção".
Quando
a música terminou, o locutor da rádio me desmentiu. Era o próprio.
O que teria acontecido? Seria uma regravação? Eu me lembrei de que
Stevens tinha se convertido ao islamismo. Talvez tivesse regravado a
canção de forma mais branda, coisas de religião, sei lá.
Voltei
a olhar pela janela suspeitando que a melhor explicação para a nova
versão aguada de meu hino revolucionário talvez fosse só os atuais
cabelos brancos do artista.
À esta altura, Stevens não era mais
filho, e sim pai. Talvez avô.
Eu me
entristeci um pouco por saber que a "minha" "Father
and Son" havia sido substituída e fui para casa pensando nesse
ciclo inevitável no qual percebemos assustados que fazemos muitas
coisas como nossos pais.
Antes
de começar a escrever, fui pesquisar na internet para ouvir de novo
a nova versão. Não achei nenhuma regravação de "Father and
Son" pelo próprio Cat Stevens, tampouco por Yusuf Islam, seu
atual nome islâmico. Tremi.
Muito provavelmente, a versão ouvida no táxi era a mesma da minha adolescência.
Muito provavelmente, a versão ouvida no táxi era a mesma da minha adolescência.
Será
que foram meus ouvidos de mãe que se tornaram insensíveis à
eloquência com que Stevens me fazia acompanhá-lo aos berros, no
tapete de minha juventude?
Ponho os fones de ouvido e, aos poucos, vai me voltando a emoção e a vontade de cantar junto.
Mas que é verdade que hoje também me emociona a parte do pai, lá isso é. Os cabelos brancos são meus.
Ponho os fones de ouvido e, aos poucos, vai me voltando a emoção e a vontade de cantar junto.
Mas que é verdade que hoje também me emociona a parte do pai, lá isso é. Os cabelos brancos são meus.