Lá pelos meus 19, 20 anos, eu era louca para saber
detalhes do meu futuro. E fazia de tudo para isso. Bola de cristal, jogo de
búzios, cartomante. E astrólogo, tarólogo, numerólogo. O tempo passou, as
previsões não aconteceram e jurei para mim mesma que nunca mais iria a um
adivinho.
Nunca mais durou até o mês passado, quando me rendi à
curiosidade depois de ouvir maravilhas sobre uma tal cigana do Humaitá. Cigana
para os não-iniciados — ela realmente não gosta de ser chamada assim. Prefere
se apresentar como quiromante. Quis saber a diferença, já que ambos fazem a
leitura da mão.
- Cigana é cigana, quiromante é quiromante – tentou
explicar, no dia que fui ao seu…vamos chamar de… escritório.
Tenho um estilo que flerta com uma espécie de patricice
despretensiosa e uma peruice comedida (se é que existe uma perua comedida.
Existe. Eu sou assim às vezes. Sou sim, pronto, falei). Também ataco de
periguete elegante (sim, isso também existe) em alguns momentos, com shortinho,
blusinha larga e sapatilha. No dia da… hum… consulta, resolvi me vestir como jamais me vestiria. A
intenção era que a leitora de mãos não “lesse” minha personalidade através da
minha aparência.
Peguei emprestado de uma amiga um brincão desses de
feirinha, arrumei uma sandália de dedos de couro com outra, comprei uma bolsa
de franjas bem baratinha, vesti uma saia comprida vagabunda, combinei com uma
blusa tie-dye e, com o cabelo desgrenhado, óculos escuros redondos e zero maquiagem,
parti rumo ao futuro.
- Juraly vê paz – foi a primeira coisa que ela disse ao
olhar para a minha mão. – Você tem muita paz, sabe?
- Sei. Eu sou a paz – reagi, tentando ser engraçadinha.
– Mas quem é Juraly? Uma entidade que
está perto de você dizendo coisas sobre mim?
- Juraly não trabalha com entidades. Juraly não é
macumbeira. Juraly não terceiriza. Juraly sou eu. E você não é a paz, você tem
paz. É diferente, sabe?
Uia! Juraly falava na terceira pessoa. E Thalita se
irrita profundamente com quem fala na terceira pessoa.
- Paz é Buda, cachoeira, hare-krishna, terra batida,
biscoito recheado, sabe?
- S-sei…
- Peixe.
- Hum… Elefante!
Tentei, embarcando no que achei que era um jogo de
adivinhação de animais.
- Não, menina! Juraly vê peixe! Peixe!
- Onde?
- Na sua mão!
- Por quê? Nem tenho peixe! Não gosto de bicho preso.
- Não tem peixe mas mora perto de onde tem, sabe?
Que frase ridícula. Estávamos na Zona Sul do Rio, de
onde provavelmente vinha a maior parte de sua clientela. E Zona Sul é perto do
mar. E mar tem peixe. Mas tudo bem. Ela seguiu em frente.
- Tenho certeza de que sua casa tem peixe perto. E
peixe é bom, peixe é sorte, sabe? Você é uma pessoa de sorte, sabe? A sorte te
acompanha sempre, sabe?
Ah, era isso que ela estava tentando me dizer,
sabe? Resolvi dar corda.
- Falando em peixe, queria saber da minha
tartaruguinha, a Telúrica… Ando preocupada com ela.
- Fique tranquila. A tartaruga não vai morrer. É só uma
doença passageira.
A única tartaruguinha que tive morreu há muito tempo. E
por minha culpa. Eu mesma assassinei a coitada quando tinha uns oito anos. E se
chamava Adamastor, não Telúrica. Joguei a pobrezinha do décimo andar na
esperança de, como nos desenhos animados, sair correndo pelas escadas e
resgatá-la antes de ela se esborrachar no chão. Fui impedida pelos meus avós de
sair do apartamento. Ela morreu atrapalhando o tráfego e eu chorei por dias.
Depois ganhei um pinto. Que também morreu. Eu não matei. A minha avó matou. Mas
essa é outra história.
- Sua relação com bichos é muito bonita.
- Eu não tenho nenhuma relação com bichos.
- Tem sim. Tanto que sua beleza lembra a de um bicho.
- Que bicho? – perguntei, entre curiosa e irritada.
- Uma rã. Juraly está aqui olhando pra você e pensando:
rã.
Tá de saca, né?, eu quis dizer. Não disse.
- Juraly está vendo você num sítio lotado de crianças.
Você trabalha em uma creche?
- Não. Trabalho sozinha, mas para adolescentes –
respondi, dando uma chance a ela.
- Então vai trabalhar cercada de crianças num lugar
verde e distante de tudo. Seu futuro é esse.
- Creche? Crianças? Sítio? Não! E meus adolescentes? O
meu trabalho com eles?
- Esquece. Não vai te levar a lugar nenhum, sabe?
Fiquei quieta. E muito injuriada por saber que aquelazinha ia levar meu
dinheiro sem merecimento nenhum.
- Palhaço – disse Juraly, séria.
- Circo?
- Pa-lha-ço!
- Meu Deus, como você é enigmática!
- O seu próximo namorado vai ser um palhaço. Não vai
durar mais que cinco semanas, sabe?
- Um palhaço de verdade, um sujeito engraçado ou um
mané?
- Um mané – ela optou, afinal a probabilidade era muito
maior.
- Eu sou casada – contei, vitoriosa ao ver que ela caiu
no golpe da mão sem aliança.
- Por enquanto – escapou. – O palhaço vai tentar te
tirar do seu marido, tá muito claro aqui, sabe?
Sei, sei, sua espertinha…
- O seu casamento não está bem, sabe?
- Não está bem, está ótimo.
- Recém-casada acha sempre isso.
- Sou casada há 15 anos.
- No coração, não na mente. Na mente, você está com ele
há 179 dias. O seu príncipe vai aparecer. Dono de restaurante natural em Sana.
Olha a cigana lendo minha roupa!
- Você está vendo tudo isso na minha mão?! –
questionei, espantada com tamanha cara de pau.
- Juraly tá sentindo, sabe? Juraly lê mão e sente
energias. Você tem muitas energias.
Energias? No plural? Ah, para, vai!
- Juraly vê uma viagem.
Até que enfim! Um adivinho que não fala em viagem não
merece o título de adivinho.
- Não vou viajar tão cedo.
- Vai sim! Viagem longa. Índia. Autoconhecimento. Vaca.
- Xingamento também não! Vaca é a…
- Vaca é um animal sagrado na Índia. Vaca, paz, luz,
curry. Juraly vê tudo isso na viagem. Xiii…
- O que foi? Vou passar mal com tanto curry? –
perguntei, debochada.
- Não. As energias pararam de fluir. A vela até apagou,
ó!
- Foi o vento.
- Vento nada. Foi o seu ceticismo. Se não acredita em
quiromancia por que vem na quiromante?
- Porque ouvi falar bem de você.
- Claro, Juraly é ótima. Mas vamos terminar por aqui.
- Mas disseram que você fica pelo menos uma hora com
cada pessoa. Não estou nem há 15 minutos aqui – estrilei.
Ela deu de ombros.
- Juraly vai me dar um desconto, então, né? –
arrisquei.
- Juraly não trabalha com descontos.
- Ah, claro. Esse futuro eu já estava prevendo.
- Juraly vai te dar uma chance: se você arrumar três
amigos pra Juraly, Juraly te atende de graça da próxima vez.
- Juraly acha mesmo que vai ter uma próxima vez?
- Juraly tem certeza.
- Quer saber? Juraly não entende nada de futuro. Nada!
Quando entrei no carro nem precisei de adivinhos. Sabia
o que viria pela frente: um engarrafamento gigante até a Barra e a certeza de
que eu não iria a ciganas e afins nunca mais. Nunca mais mesmo.
Ou pelo menos até alguma amiga me contar que foi a um
vidente fe-no-me-nal.
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