Passei mais de um mês fora do jornal – torço para que
tenham reparado. Estive estudando em Londres e virando a cidade do avesso. Sigo
não falando inglês com fluência: é projeto para uma vida. Mas o vocabulário se
expandiu e a cabeça também, como acontece sempre que se sai em viagem de
descobrimento. Voltei me perguntando o que ainda faz de Londres minha cidade
preferida no mundo, e, sendo ela tão diversa, não há uma resposta única.
Não importa em que bairro, em que pub, em que estação
de metrô você esteja: sempre escutará de três a quatro idiomas diferentes ao
mesmo tempo, o que anula nossa nacionalidade e nos dá a sensação arejada de
pertencer ao planeta – Londres não é uma capital humilde, como se sabe. Falando
em metrô: o primeiro trem subterrâneo de Londres começou a circular em 1863,
antes mesmo da invenção da energia elétrica (era movido a vapor). Mind the gap.
O nosso começará a circular em algum ano entre 2017 e o infinito.
O.k., evitarei comparações, até porque o londrino está
menos londrino: já não é pontual e polido com fanatismo, deu uma relaxada, e
isso de certa forma o democratiza. Até a rainha está mais “gente como a gente”.
Uma semana antes de o bisneto vir ao mundo, foi perguntada se tinha preferência
por menino ou menina: “Tanto faz, desde que nasça logo, pois quero sair de
férias”. Foi-se o tempo em que responder “desde que venha com saúde” é que era
nobre.
Aliás, se ouvia falar do pequeno George na imprensa, e
só na imprensa. Nas ruas, nem um pio. Ninguém se mobilizou. Aquele grupo
reunido em frente ao Palácio de Buckingham no dia 22 de julho era composto
apenas de turistas estrangeiros, em mesmo número dos que estão lá hoje e que
estarão lá amanhã. O inglês está mais interessado na vida real do que na
realeza.
Londres perdeu um pouco a fleuma até no clima. Com
temperaturas acima dos 30 graus, sem um pingo de chuva por semanas seguidas, a
falta de compostura diante do calor virou notícia. Nunca se viu tanto homem sem
camisa pelas ruas – para eles, prova irrefutável da decadência do império.
Ou seja, Londres está mais solta – me segurei para não
escrever “mais brasileira”, mas não ando bebendo tanto assim. Continua
majestosa em sua arquitetura, com museus de tirar o fôlego (a exposição do
fotógrafo Sebastião Salgado no Museu de História Natural é de nos encher de
orgulho – absolutamente espetacular) e com parques cujo paisagismo você jura
que ficou a cargo de algum pintor impressionista.
Aliás, foi em um parque que meu queixo tremeu e quase
fui às lágrimas, e não por causa dos esquilos e das flores: enquanto o Papa
abençoava nossa terra, eu dizia amém para os Rolling Stones em show satânico em
pleno Hyde Park, com Mick Jagger a poucos metros de distância, em carne, osso,
rugas e testosterona. Como se sabe, o sublime pode se manifestar de maneiras
variadas e insuspeitas.
Enferrujada do jeito que estou, considere este texto
apenas como um “oi, cheguei”. Um breve sumário de assuntos que logo adiante
serão mais bem desenvolvidos. Por ora, ofereço esse patchwork só para dizer que
estava com saudades e que, por mais que viajar seja fascinante, nada como estar
de volta à casa.