Nem prós nem contras. Quem mais perde com a prorrogação
do julgamento do mensalão são os "muito pelo contrário". A extensão
da disputa moral até 2014 reanima a desgastada polarização PT x PSDB no ano da
eleição presidencial. Os candidatos que pretendem mudar a agenda e discutir
política ou outra coisa, como Marina Silva e Eduardo Campos, têm mais
dificuldade de aparecer.
Marina está no meio do julgamento para registrar seu
partido - com boa chance de perder. Campos fez um gesto raro, ao abrir mão de
cargos e verbas para disputar o poder maior. Ambos tiveram menos destaque na
semana passada do que o playboy que tirou o pé da cova do anonimato ao ameaçar
enterrar seu carro predileto.
A disputa política continua rodando em falso, cada lado
repetindo as mesmas acusações de sempre. A única diferença é a quantidade
crescente de bile a espumar nas timelines.
"A corrupção tem hegemonia no debate político. Um
acusa o outro de desonesto e isso dinamita as pontes. O clima de ódio
prevalece", diz o filósofo Renato Janine Ribeiro. Se o adversário é
ladrão, não é preciso discutir. Basta prendê-lo.
O que era uma sensação difusa se materializa nas redes
sociais. Seja o Mais Médicos, seja o voto do ministro Celso de Mello no
julgamento dos embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal: qualquer
assunto de interesse político vira um Fla-Flu no Twitter e no Facebook. Não há
pontos de convergência, nem campo comum para o debate.
Mapas relacionais elaborados pelo Labic.net
(Universidade Federal do Espírito Santo), a pedido do Estadão Dados, mostram
uma "guetização" dos contendores. Eles tendem a se isolar em redes
próprias, que se autoalimentam e reforçam as próprias convicções. São raras as
trocas de mensagem entre os polos.
"A polarização aniquila o debate político. Ninguém
muda mais de ideia. As pessoas estão blindadas nas suas convicções." A
constatação é do titular de Ética e Filosofia Política da principal
universidade brasileira, a USP. Mas Janine Ribeiro não é o único acadêmico
preocupado com o ódio na política.
O cientista social Marco Antonio Carvalho Teixeira é
professor do departamento de Gestão Pública da FGV-SP. Ele pesquisa democracia,
participação social e governo. Na sua opinião, o moralismo afasta as pessoas,
ao mesmo tempo que "acirra paixões selvagens". Para ele, a
polarização provém de como o debate está posto: "É plebiscitário, contra
ou a favor, sem ponderar".
A despolarização é possível?
Teixeira acredita que sim, desde que se troque a
exclusividade das acusações pelo debate de propostas. "Marina poderia ser
o ponto de equilíbrio, mas depende do contexto de sua candidatura." Esse
contexto será muito diferente do planejado pela presidenciável se ela não
conseguir o registro da Rede.
Sem um partido para chamar de seu, Marina voltaria a
ser refém dos burocratas partidários - o que a levou a renunciar às filiações
ao PT e, mais recentemente, ao PV. Sem a Rede, seu discurso eleitoral pala
renovação pode cair no vazio.
Em tese, a Rede poderia atrair os desiludidos com a
política e despolarizar o debate, afirma Janine Ribeiro. Afinal, compartilham a
mesma fala e ideia sobre organização social. "Marina e Eduardo Campos
estão disputando o legado do PSDB, que me parece sem projeto. Eles poderiam
distender o processo", diz.
Na opinião de Janine, quem não gosta de política não
está polarizado. "A esperança pode estar neles", completa. O filósofo
está descrente, porém, do sucesso da Rede. Faltam não apenas assinaturas de
filiados, mas, na sua avaliação, propostas.
Fica no ar a previsão de Marco Antonio Teixeira:
"Quanto mais o mensalão estiver perto da eleição, mais moralista vai ser o
tom da campanha". E mais o ódio ocupará o lugar da política.