“Você
tem de entender que, para uma mulher nas suas condições, é muito
difícil ter uma carreira. Você tem de fazer da profissão dele uma
parceria, uma empreitada a dois, e contentar-se com o estilo de vida
que a carreira dele pode lhe proporcionar.” Ouvi essa frase de um
chefe do meu então companheiro, cujo trabalho exigia temporadas
longas no exterior. Ainda que eu tenha argumentado que a internet
hoje possibilite novas relações de trabalho; que minha profissão
seja versátil e flexível; e que minhas intenções de seguir
carreira acadêmica sejam mais um campo a explorar, nada pareceu
convencer aquele senhor de que eu poderia ter algum sucesso
profissional, a não ser se eu me atrelasse à carreira de uma outra
pessoa.
Pergunto-me
se ele diria o mesmo se eu fosse homem…
Fui
acusada de ser inferior a um parceiro por não ter a mesma carreira
que ele; fui ignorada por colegas de trabalho dele por não ser do
mesmo grupo profissional; fui inúmeras vezes questionada: “Mas por
que você não quer fazer o que ele faz? Você iria ganhar muito
mais”. A resposta “Não é minha vocação” não pareceu
convencer meus interlocutores.
Cansei
de dizer que não, ainda não terminei aquele “curso”: desisti de
explicar que uma pesquisa de doutorado leva quatro anos e que não
faço isso para “me ocupar”, mas que se trata do meu plano de
vida. Nunca vi homens que estavam em condição semelhante à minha
passarem pelo mesmo que eu.
Agradeço
aos meus pais por terem me possibilitado escolher a profissão que
quis e por terem me deixado sair de casa, antes de completar 18 anos,
para estudar na capital paulista – do mesmo modo como fizeram com
meu irmão mais velho. Lembro-me de que alguns diziam a eles: “Mas
vocês vão deixar uma menina ficar sozinha em São Paulo?” ou
ainda “Por que vocês não a convencem a fazer medicina? Vai ganhar
muito mais dinheiro”.
E
quando, já formada, decidi pedir demissão e abrir uma empresa, para
trabalhar como profissional “freelancer” e poder me dedicar mais
ao meu mestrado, meu pai não soltou “Você é louca”, mas
aceitou ser meu sócio e me indicou um contador.
Nesse
caso, tenho certeza de que eles fariam o mesmo se fosse meu irmão
que tivesse lhes dito isso.
Em
1950, minha avó se casou aos 28 anos e ainda me dizia que poderia
ter esperado mais — apesar dos comentários de que ela já estava
velha demais. Nos anos 70, minha mãe tirou a carteira de motorista
escondida de meu avô, porque ele não queria ver a filha dirigindo.
Pagou o curso e as taxas com o dinheiro de seu trabalho. Não serei
eu, nos anos 2000, a quebrar a tradição de família. Sinto muito,
mas não aceito que me digam o que posso ou não fazer. Não aceito
que me achem inferior a quem quer que seja – muito menos por não
ter o mesmo gênero, ou o mesmo salário, ou pior, o mesmo “status”.
Não
aceito que me considerem um enfeite, acompanhando – de preferência,
bem trajada e maquiada – o sucesso de alguém. Sinto muito, mas eu
terei uma carreira, sim. Aliás, já tenho.