Fico imaginando o tamanho
da solidão de um homem
no meio do oceano, sem ter noção de onde está
Outro dia li uma notícia
que me paralisou. Um homem de Camarões, país da África, conseguiu entrar num
navio como clandestino, sem nem saber para qual destino.
Fiquei pensando nesse
homem, que devia ter uma vida tão sem esperança, tão sem perspectiva, que
decidiu se arriscar a qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo, à procura de
um futuro. Ele não escolheu para onde queria ir, desde que pudesse deixar para
trás tudo o que tinha sido sua vida até aquele momento; devia ter suas razões.
Mas esse é apenas o começo da história.
Depois de sete dias de
viagem, e já a dez quilômetros da costa do Brasil, a tripulação desse navio, de
bandeira de Malta, descobriu o camaronês, de 28 anos. Como punição, ele foi
jogado ao mar, com uma pequena balsa, e ficou à deriva durante 12 horas, quando
foi resgatado por um navio chileno que passava.
Segundo o noticiário da
época, ele seria deportado, a tripulação do navio que o jogou ao mar iria
prestar depoimento etc. etc., mas o tempo passou e até hoje, quando abro o
jornal, procuro uma notícia que me esclareça a continuação dessa história
dramática que não consigo esquecer, mas nunca soube como terminou.
Sabe-se que o ser humano é
capaz das piores coisas.
Mas nesse caso não foi um
único ser humano; foi um grupo de seres humanos, todos unidos, todos de acordo
em cometer esse ato de barbárie. Jogar em alto-mar um homem porque ele embarcou
no navio sem documentos, sem ter comprado uma passagem, enfim, ilegalmente -o
que, imagino, deve ser contra muitas leis-, é contra uma lei muito maior, que é
a lei humanitária; não poderiam ter esperado chegar a um porto e entregá-lo às
autoridades?
O que fizeram com ele foi
pior do que um assassinato.
Fico imaginando o tamanho
da solidão -da solidão e do medo- de um homem no meio do oceano, sem ter noção
de onde está, sabendo que só um milagre poderá salvá-lo (isso se antes do
milagre ele não morrer de sede, de fome, ou mesmo afogado). Nessas 12 horas,
quais terão sido seus pensamentos?
Terá lembrado da infância,
da família? Terá se arrependido de ter largado tudo em busca de uma vida
melhor? E um pensamento banal me atormenta: seria noite ou dia, quando ele foi
jogado ao mar? E sua agonia, quando viu lá longe o navio chileno que o
resgatou, pensando que podia não ser visto -e podia mesmo; não, não dá nem para
imaginar.
Existem crimes bárbaros,
por ciúmes, raiva, vingança, que por piores que sejam, com algum esforço, dá
para entender; não justificar, mas entender. Mas jogar um homem no meio do
oceano porque ele não tinha no bolso uma passagem é fora de qualquer
compreensão.
Mas ele foi salvo, e
qualquer coisa que lhe tenha acontecido -a deportação, a prisão-, nada pode ter
sido pior do que as horas que passou no mar, e penso que depois disso ele não
terá medo de mais nada.
Só dos homens, e do que
eles são capazes.