Você
tem alguém,
não tem ninguém ou nem sabe?
não tem ninguém ou nem sabe?
Uma
garota que trabalha comigo diz que alianças e anéis de compromisso
saíram de moda. Agora, quando querem avisar ao mundo sobre mudanças
importantes na sua vida pessoal, as pessoas vão ao Facebook e fazem
uma modificação de status. De “solteiro” para “num
relacionamento sério”, por exemplo. Ou de “relacionamento sério”
para “em um relacionamento enrolado”. O programa oferece nove
possibilidades de escolha, mas, da forma como eu vejo, as mensagens
são apenas três: tenho alguém, não tenho ninguém, não sei.
Das
três categorias, a que mais me interessa é a terceira. Ela parece
piada, mas, na verdade, é uma descrição objetiva de fatos que
muitos de nós já vivemos. Há momentos em que simplesmente não
sabemos qual é o nosso status amoroso. Ontem estávamos felizes,
mas, depois daquele bate-boca odioso, quem sabe o que vai ser de nós?
Estávamos apaixonados há dois meses, mas eu viajei de férias e, na
volta, alguma coisa esfriou - ainda somos realmente namorados? Sem
falar daquela garota, daquele cara, que sai cinco, seis vezes com a
mesma pessoa, dorme junto, acorda feliz, mas, toda vez que alguém
pergunta, esclarece: “Somos amigos”. Haja saco.
Os
relacionamentos clarificam a nossa situação existencial. Como parte
de um casal, temos alguém. Se acordar com febre, se receber uma
promoção no trabalho, se esbarrar numa celebridade num bar do Rio
de Janeiro, saberei a quem ligar. Com quem contar também. O
contrário dessa clareza é o limbo sentimental. Você liga para
dividir uma notícia boa e o Fulano reage com frieza educada. Você
descobre que está com conjuntivite e a “namorada” pede para você
ligar quando estiver melhor. O dia foi triste, você gostaria de
conversar, mas percebe que a pessoa ao lado ergueu uma barreira
invisível e não quer mais se envolver com os seus problemas. Estava
lá, mas saiu. Você tinha, mas parece que acabou. Quem sabe?
As
situações de incerteza amorosa machucam. Elas nos lançam numa
vertigem de sentimentos negativos. Quem não sabe deprime,
entristece, broxa. Como tomar decisões, mover-se em qualquer direção
importante se você não sabe se estará sozinho ou acompanhado? É
óbvio: quem não sabe onde está não pode decidir para onde ir.
Vejam
bem: não acho que isso seja culpa do outro. Nem sempre somos vítima
da indecisão de alguém. É comum que nós mesmos estejamos perdidos
em nossos sentimentos, passageiros de um relacionamento que parece
ter perdido o rumo. Essas coisas acontecem. As circunstâncias viram
névoa. Presos na confusão, os outros, como nós, frequentemente não
sabem o que sentem, o que querem, como fazer e o que fazer. Dúvidas
são uma forma louvável de honestidade, sobretudo quando são
recíprocas. Mas, se você tem tudo claro e o outro vive em
permanente estado de apagão, sejamos francos, talvez você seja o
problema...
Por
isso tudo, eu tenho simpatia pelos status ambíguo do Facebook. Por
trás do pano ralo da gracinha, “em um relacionamento enrolado” é
uma confissão, um apelo, quase um pedido de socorro. Quem aciona
esse botão está avisando ao mundo – e não apenas aquele
malfadado ser humano em particular – que a sua vida virou um ponto
de interrogação clamando para ser elucidado. Em um mundo repleto de
certezas jubilosas (“noivo”, casado”, “separado”), é
preciso ter coragem para admitir que você não sabe onde está. Não
sabe se foi aceito. Não sabe se foi abandonado. E pior: está com
medo de perguntar.
Muita
gente preferiria, claro, que essas informações de natureza pessoal
não fossem partilhadas na internet. Um mundo onde gente adulta não
perdesse tempo discutindo com o parceiro o status de relacionamento
no Facebook seria um mundo melhor. A partilha pública de sentimentos
é um comportamento adolescente, movido por sentimentos adolescentes.
Mas
as redes sociais nos reduziram a isso, não foi? Viramos adolescentes
fofoqueiros e exibidos de diferentes idades. A vida de cada um de nós
tornou-se uma ópera encenada online com 24 horas de riso, fotos bem
editadas, certo drama e alguma autopiedade. Além de música. Como
velhos artistas obcecados por si mesmos, no futuro não nos
lembraremos dos fatos, mas do registro: “Lembra da Fulana? Postei
uma mensagem sensacional quando a gente acabou...”
Se
a ordem é escancarar publicamente a própria vida, se essa orgia de
revelações é realmente irreversível, prefiro quem faça isso com
graça e autoironia. Uma mulher com uma dúvida, talvez dissesse o
poeta Leminski, é muito mais interessante. Ao menos ela convida a
minha simpatia. Desperta em mim o sorriso melancólico de quem
conhece essas paragens. Suscita no meu coração anterior ao Facebook
a sensação de que seguimos fundamentalmente perdidos e
desamparados, anunciando ao outro, ao mundo, que precisamos, com
todas as forças, de quem nos resgate da incerteza.
Que
alguém, por favor, tome vergonha e apareça.