Minha casa é estranhamente
regulada. Quando uma lâmpada queima, as outras vão junto. É um boicote que
aumenta em minutos para testar a paciência. O gás da cozinha falta bem no
momento da janta, e logo de madrugada, com o objetivo de me constranger ao
telefone com uma lista infindável de entregadores. Se o computador estraga, o
chuveiro também e o microondas sofre problemas de circuito. Confio que os
aparelhos se imitam e conversam entre si. Devem reivindicar melhores condições
de trabalho e uso, cobrar insalubridade, ou estão cansados das extensões e da
sobrecarga indevidas. O certo é que minha casa é grevista. Insurgente. Nunca
acontece de algo quebrar isoladamente.
Cheguei a minha residência
depois de uma série de viagens. E mal acendi a luz, puf, puf, puf. Meu dedo
estalou em cada interruptor. Teve até choque. Foi patético, para não dizer
desanimador. Corredores mexendo as sombras, as paredes escorrendo a cegueira.
Mas, um pouco antes de
explodirem, as lâmpadas aumentaram sua fosforescência. Puxaram todo o resto de
força para refulgirem a extinção. Estenderam seus aros como nunca antes, com a
potência de um refletor.
O mesmo ocorreu com o gás
de cozinha, a chama das bocas subiu com perigosa curiosidade. Poderia ouvir o
fogo gemer. Ele escurecia as bordas das panelas com sua assinatura. Quase
formava os dedos de uma mão.
Conclui que o fim é lindo.
Assim como as luzes da
casa e do fogão, o amor perto do desastre não se economiza. Não mais se contém.
É desesperadamente transparente.
Um casal diante do fim
terá a grande noite de sua vida por não prever uma próxima. Sairá do
esconderijo porque não se vê mais seguro. Mostrará do que é capaz. Queimará o
que guardou, não fará mais nenhum jogo, esquecerá a sedução e os conselhos dos
amigos. Mais intensidade do que intenção.
É o escândalo da verdade.
Tímidos se transformam em terroristas, calmos ficam enervados, pacientes se
portam como histéricos. Por um instante, não há medo de fazer as propostas mais
desvairadas, confessar palavras reprimidas, estender os olhos como um lençol
limpo.
O fim é lindo. Do
crepúsculo, de uma vela, de uma chuva. O fim é esperançoso, exigente. Pancadas
de beleza. O som e o sol pulam como um suicida ao avesso para dentro da vida.