Paulo
Mendes Campos é preciso. E preciso quando descreveu o fim de um amor
em O Amor Acaba. Mas impreciso quando atesta que todos têm um fim.
Nem todos acabam. Um amor, sim.
Quer
um programão para as férias? O cineasta Richard Linklater nos
proporciona uma experiência cinematográfica sem precedentes:
assistir na sequência aos filmes Antes do Amanhecer (de 1994), Antes
do Pôr do Sol (de 2004) e Antes da Meia-Noite (de 2013), todos com
os mesmos atores, Ethan Hawke e Julie Delpy, sobre o mesmo casal, o
americano Jesse e a francesa Celine.
No
primeiro filme, eles se encontram num trem para Viena. Decidem descer
e arriscar uma história de amor por uma noite apenas. Passeiam pela
cidade, falam sem parar. No segundo, eles se reencontram dez anos
depois em Paris, engatam uma história não mais por uma noite. Que é
revista na década seguinte na Grécia, no terceiro filme.
Feitos
pela mesma equipe, eles têm o mesmo jeitão: planos longos,
externas, diálogos intermináveis e um debate arriscado sobre as
diferenças de gêneros, americanos e europeus, Dionísio e Apolo.
Cada filme se passa num momento da história (guerra da
ex-Iugoslávia, o debate ecológico e a decadência financeira do
euro), percorre o platonismo dos inconsequentes 20 anos, a busca por
um amor sólido aos 30, e a crise dos 40 pautada pelo questionando se
ele acaba, sobre ruínas gregas. Passam pelo amor sonhador, o real e
o pactuado.
Assim
como os atores, o diretor-roteirista cresceu e nos coloca os dilemas
de uma jornada com que muitos de nós se identificam. Assim como
eles, tivemos 20, 30 e 40, sonhos, arrependimentos, mal-entendidos e
amores casuais que poderiam ter rendido. Compre ou alugue, ejete a
criançada, chame a patroa e... Boa sorte. Não esqueça dos
lencinhos de papel em mão.
*
A
escritora Margarita Robayo escreveu sobre seus romances com homens
mais velhos: "São como qualquer namorado, só que mais
felizes". Oona escreveu sobre o marido 36 anos mais velho:
"Gargalhar é um dos maiores presentes que Charlie me deu. Minha
infância não foi nada feliz. Ele é meu mundo".
Uma
das histórias de amor que derrubam os prognósticos fatalistas e das
mais lindas que existiram foi protagonizada por uma das mulheres mais
lindas que já existiu, Oona O'Neill, Lady Chaplin, a senhora Charlie
Chaplin, filha do maior dramaturgo americano, Eugene O'Neill (Longa
Jornada Noite Adentro), Nobel de Literatura de 1936, que a abandonou
quando ela tinha 4 anos de idade com a mãe, a escritora Agnes
Boultyon, e um irmão mais velho que se matou.
Oona
se mudou na adolescência para Nova York. Circulava nos anos 1940 com
uniforme da Brearley School (saia plissada xadrez, meia soquete e
sapatinho Oxford). Aparecia depois da lição de casa nos bares da
boemia intelectualizada com Truman Capote. Era a musa do Stork Club,
do tipo em que "pessoas comuns olham celebridades olhando no
espelho".
Era
fotografada e paparicada como uma celebridade. Ou melhor, filha de
uma. Se o pai, que nasceu num pulgueiro da Broadway e se tornou um
anarquista radical e bebum, era avesso a badalações, a filha
gostava do holofote. A psicanálise de coluna de jornal diria que,
sufocada por um complexo de rejeição edipiano, queria chamar a
atenção do pai que curava uma ressaca tomando outro porre.
Era
dos rostos mais perfeitos em 56 quilos e 1m62 de altura. Viajou pela
Califórnia com o casal de amigos Carol Marcus e William Saroyan (de
A Comédia Humana). Foram vistos nus pelas praias de São Francisco.
Para aonde o pai se mudou.
Já
tinha namorado o cartunista da New Yorker, Peter Arno, e o cineasta
Orson Welles, quando conheceu aos 16 anos J. D. Salinger.
Salinger
encaixava. Era mais velho (25 anos de idade), baladeiro, escritor
como o pai (conhecido pelo circuito de revistas literárias) e rico,
que entendia como poucos de problemas da adolescência e o sentimento
de se sentir à parte. Mas Salinger queria atenção, Oona, chamar a
atenção.
Estourou
a Segunda Guerra. Salinger, judeu, se sentiu na obrigação de
combater Hitler e se alistou. No versão de 1942, Oona foi eleita a
Debutante do Ano. Sua foto rodou o país. A repercussão foi tamanha
que, pela primeira vez, recebeu uma carta do pai. Eugene não buscava
a reconciliação, criticava a sua exposição.
Salinger
foi para academia militar. Trocaram longas cartas, algumas com mais
de dez páginas. Ele mostrava para os colegas de farda fotos de Oona
modelo e se vangloriava: "Essa é minha garota. Me casaria com
ela amanhã, se topasse".
Ela
fez dois pequenos papéis em peças de teatro, até a mãe a
matricular numa escola de artes dramáticas de Hollywood. Orson
Welles a ciceroneava. Sua reputação já era conhecida sob o sol da
Califórnia. Reclamou com a agente que todos que a entrevistavam
queriam ir pra cama com ela. Até a agente descobrir que Chaplin
precisava de uma jovem para um papel. Mandou Oona. Chaplin, com 54
anos, não a escalou. Mas escreveu na sua biografia que foi amor à
primeira vista.
Ela
se encantou pelos olhos azuis do "velhote". Parou de
responder às cartas de Salinger sem explicação. Ironia: virou
garota-propaganda de uma linha de cosméticos cujo slogan era "fique
linda para seu garoto soldado", enquanto o seu soldado não tão
garoto partia para guerra.
Oona
se casou com Chaplin em 16 de junho de 1943, um mês e dois dias
depois de completar 18 anos. Nunca mais atuou. Chaplin escreveu: "No
começo fiquei com medo da diferença de idade, mas Oona não
ligava". Eugene a deserdou e não permitiu que falassem dela.
Salinger soube do noivado pelos jornais e fez o que mais sabia fazer,
escreveu longas e sarcásticas cartas. Na biblioteca da Universidade
do Texas, pesquisadores têm acesso à pilha de cartas desaforadas
que escreveu. Escrevia e desenhava Chaplin como um velho
desagradável.
Salinger
desembarcou no Dia D na Normandia. Viu o horror no front. Apesar do
"escândalo", Oona e Charlie viveram inseparáveis por 35
anos em Beverly Hills e, depois, no exílio na Europa. Tiveram oito
filhos. Geraldine é a mais velha. Ficaram juntos até ele morrer.
Ela
morreu alcoólica e reclusa em 1991, 14 anos depois do grande amor,
de pancreatite aguda. Sempre se recusou a falar de Salinger. Está
enterrada na Suíça ao lado de Chaplin. Seu quinto filho se chama
Eugene (engenheiro de som que trabalhou com Rolling Stones, David
Bowie e Queen), em homenagem ao pai, que nunca mais a viu. Aí está
o exemplo de um amor que não acabou, apesar de tudo conspirar
contra.