Vou
citar dois filmes antigos. Um é o inglês Mero Acaso, de 1999.
Primeira cena: um rapaz bate na porta do vizinho, que é psiquiatra,
e diz que precisa desabafar. São 6 horas da manhã, o vizinho ainda
está de pijama, mas diante do inusitado da situação, convida-o
para entrar e o acomoda numa poltrona.
O
outro filme é o francês Confidências Muito Íntimas, de 2003. Um
mulher está se separando e procura um psiquiatra pela primeira vez.
Entra sala adentro e já começa a contar seu drama, sem dar tempo
para o homem respirar. Ele fica absolutamente envolvido pela história
dela.
Mesmo
que você não tenha visto estes filmes, pode imaginar o que eles têm
em comum. No filme inglês, o homem se enganou de porta e bateu na
casa de um engenheiro, que ouve tudo quieto e só então avisa que o
psiquiatra mora no apartamento ao lado.
Mesmíssima
coisa no filme francês. A mulher se enganou de porta e invadiu o
consultório de um contabilista. Mesmo depois do engano desfeito, os
dois seguem se vendo para amenizar a solidão um do outro.
Ambos
os filmes demonstram que terapia é, basicamente, uma via de
desabafo, de investigação emocional, de elucidação de si mesmo, e
tudo isso se dá quando estamos dispostos a falar.
Então
qualquer amigo poderia substituir um profissional? Não. Conversar
com amigos é ótimo, porém eles estão comprometidos afetivamente
conosco. Conhecem a nossa história e já não prestam atenção nos
detalhes. E tomam um tempo para falar deles mesmos, o que é natural.
Além disso, estes papos são frequentemente interrompidos pela
chegada do garçom, por um telefone que toca, por outras distrações.
E, pra culminar, você não está pagando. Faz diferença. Você não
é o centro das atenções. É um encontro, literalmente, gratuito.
E, em terapia, o foco tem que estar todo em você. Vigilância total
para você não fugir de si mesmo.
Longe
de mim estimular alguém a bater na casa do vizinho para contar seus
sonhos e fantasias secretas. Ele mandará você plantar batatas, com
razão. O que interessa disso tudo é o crucial: o quanto é
importante falar. E ser profundamente escutado. E, mais profundamente
ainda, escutar a si mesmo. Não é fácil ouvir nossa própria voz
verbalizando aquilo que sentimos de forma tão confusa e irregular. É
quando passamos a reconhecer abertamente nossas inquietudes, medos,
vergonhas. E a nos comprometer com o que está sendo dito. A verdade
ganha legitimação. Deixa de habitar apenas o silêncio, onde tudo
fica protegido demais.
Alguns
não acreditam em terapia e dizem que não é qualquer um que merece
ouvir nossas intimidades. Mas tem que ser qualquer um, no sentido de
qualquer desconhecido, qualquer pessoa que não tenha nada contra e
nada a favor de você, que não lhe conheça, para poder lhe ouvir
sem uma opinião prévia sobre sua história. De preferência
qualquer um com um diploma na parede e competência para ajudá-lo a
se conhecer pra valer.
Que
lhe faça descobrir os efeitos terapêuticos de ouvir a própria voz
assumindo questões que até então não eram enfrentadas. Dá para
fazer isso sozinho também, mas com um interlocutor é mais fácil.
Ou menos difícil. Tente. Nada como bater na própria porta e entrar.