Estudo
pode levar à enormes avanços na produção de neurônios in vitro e
na pesquisa de doenças cerebrais sem modelos de estudo bem
estabelecidos
Uma
pesquisa do Instituto de Biotecnologia Molecular (IMBA, na sigla em
inglês), na Áustria, mostrou que é possível criar e manter, em
laboratório, estruturas similares a pequenos cérebros humanos.
Denominados organoides, esses pequenos cérebros são capazes de
crescer até obter 4 milímetros de diâmetro, tamanho comparável ao
da ponta afiada de um lápis. Têm estrutura interna similar à de um
cérebro humano em desenvolvimento. São comparáveis aos precursores
de neurônios encontrados em um embrião com cerca de 9 semanas.
Segundo
os autores do estudo, publicado na Nature, a característica mais
marcante desses organoides é a presença de regiões internas
distintas, mas que se comunicam entre si – além da formação de
um córtex cerebral repleto de células capazes de se diferenciar nos
tipos de neurônios encontrados no córtex cerebral de um humano
adulto (ver figura em destaque).
As
pequenas esferas cerebrais foram produzidas através de células
tronco humanas, cultivadas pela técnica de cultivo em três
dimensões. A cultura 3D é caracterizada por promover a
infraestrutura necessária para que células in vitro (cultivadas em
laboratório) possam se desenvolver de uma maneira mais fidedigna ao
observado in vivo, ou seja, no ser humano ou outros seres vivos. A
técnica já havia sido bem-sucedida no cultivo de tecidos como
intestino e retina, mas seus resultados para a formação de tecidos
cerebrais mais complexos ainda eram insatisfatórios.
A
grande inovação do grupo de pesquisa austríaco foi associar a
cultura em 3D ao uso de um biorreator. Dessa forma, o tecido neural
foi primeiramente cultivado e revestido pela matriz de cultura 3D
(uma espécie de gelatina consistente) e, em seguida, inserido em um
biorreator capaz de garantir o fluxo contínuo de nutrientes. Somente
os tecidos que passaram pelo biorreator foram capazes de se
desenvolver como organoides cerebrais.
Apesar
de ainda necessitarem de maior aprimoramento e estudo, os organoides
trazem uma perspectiva bastante promissora para a produção de
neurônios in vitro e para a pesquisa sobre certas doenças cerebrais
que não apresentam modelos animais de estudo bem estabelecidos.
Assim como ressalta a autora principal, Madeline Lancaster: “A
complexidade do cérebro humano tornou difícil o estudo de algumas
desordens cerebrais em organismos-modelo, ressaltando a necessidade
de um modelo do desenvolvimento do cérebro humano in vitro”.
Um
primeiro passo na busca por aplicações da descoberta na pesquisa de
doenças cerebrais ainda pouco compreendidas foi dado pelos próprios
autores do estudo. Células de um paciente portador de microcefalia –
doença caracterizada pela redução do tamanho do cérebro – foram
programadas geneticamente para readquirir a capacidade de gerar
diferentes tipos de células e, em seguida, submetidas à técnica de
cultura 3D associada ao biorreator. Os organoides resultantes
apresentaram tamanho reduzido em relação aos organoides gerados a
partir de células de doadores normais e, além disso, mostraram a
diferenciação precoce de neurônios. Essa precocidade observada in
vitro, segundo os autores, pode ser uma das causas do reduzido
tamanho do cérebro na microcefalia.
Vale
ressaltar que, apesar de interessantes, os resultados do grupo
austríaco devem ser comemorados com cautela. A obtenção de
organoides cerebrais in vitro representa um grande avanço para o
estudo do desenvolvimento do cérebro e de doenças relacionadas.
Porém, muitos outros passos ainda precisam ser dados para que a
técnica apresentada por Melanie e seus colaboradores possa ajudar na
resposta à infinidade de perguntas sobre o cérebro humano e sua
complexidade.
Germana
Righetto – Revista Mente Cérebro