As circunstâncias em que alguém é prejudicado
mudam a forma como percebemos uma situação,
indicando a maleabilidade de nossos princípios éticos
Pesquisas finalizadas este ano sugerem que manter o foco na causa de um evento costuma distorcer nossa compreensão dos fatos; enquanto saber detalhes sobre o dano causado à vítima podem mudar a maneira como a enxergamos, atribuindo-lhe sofrimentos e sentimentos que nem sempre existem.
Quando um fato trágico vira manchete, a primeira coisa que a maioria de nós procura saber é se o autor cometeu aquele ato “de propósito”. A novidade é a comprovação científica de que a intenção – que julgamos intuitivamente – faz toda diferença em nossa avaliação moral.
Em um estudo publicado em julho na Psychological Science, os psicólogos Daniel Ames e Susan Fiske, da Universidade Princeton, pediram a 80 voluntários que lessem uma vinheta sobre um diretor executivo que, como resultado de maus investimentos, provocou uma queda no salário dos funcionários. Os participantes que acreditavam que o erro havia sido cometido intencionalmente estimaram danos 39% maiores aos empregados do que aqueles que imaginavam tratar-se de um incidente.
Outro grupo de pesquisadores das universidades Harvard e da Pensilvânia investigou de que maneira a intenção de um ato afeta nossa percepção do caso de pessoas doentes. No estudo, publicado em junho na Psychological Science, voluntários leram sobre uma enfermeira que, em troca de dinheiro, desligou o fornecimento de alimentos de uma moça em estado vegetativo chamada Ann. Outros tiveram acesso a um texto semelhante sobre uma profissional que cuidou muito bem da paciente. Posteriormente, os pesquisadores perguntaram sobre as capacidades mentais de Ann: os participantes que leram a primeira história atribuíram a ela muito mais sofrimento e emotividade, em comparação aos que receberem o outro texto.
Os resultados ajudam a compreender como processamos questões morais complexas como o aborto ou eutanásia. “Não raro, temos intuições morais automáticas, mas só as expomos depois de algum fato emergir”, diz o psicólogo e coautor do estudo Adrian Ward, da Universidade do Colorado, em Boulder. “Mas é preciso ficarmos atentos, pois as nossas percepções nos enganam e muitas vezes, o raciocínio causal não passa de uma justificativa falaciosa de uma suposição.”
Melinda Wenner