O carioca se acostumou a olhar a faraônica Cidade das Artes, no entroncamento das avenidas Ayrton Senna e das Américas, na Barra, como um monumento em homenagem à corrupção.
A rejeição é tamanha que, mesmo depois de pronta, o público resiste à visita, ignora, não se sente convidado.
Pois eu arrisquei duas semanas de temporada de A Casa dos Budas Ditosos na famigerada Cidade, no apagar das luzes de 2013. E até Budas, que é aquele tiro certeiro, sofreu na primeira semana. Não tivemos corrida, só na segunda semana, depois de vencida a resistência do bairro.
Não é difícil ceder aos encantos do lugar. Cheguei de carro e subi a poderosa rampa até o colosso de concreto. O clima lá dentro é agradável e veem-se o mar e Jacarepaguá, o maciço da Tijuca e os morros de Guaratiba por entre os pilotis.
A proporção faraônica faz a gente se sentir como um hebreu em visita a Luxor. Os vãos, que eu considerava obsoletos, o pé-direito incomensurável, que muda conforme o sol, nada disso me pareceu inútil, enquanto caminhava até a entrada do teatro.
O projeto Aquarius fez sua apresentação na mesma noite do meu espetáculo. Homens de terno e mulheres de salto alto lotavam os espaços vazios. À tarde, quando cheguei, Copélias meninas corriam de uma coluna a outra: era a formatura de uma escola de balé.
Emilio Kalil, com sua vasta experiência como curador, programador, produtor, não sei que título dar a ele, abraçou a causa e tem se empenhado para que a Cidade das Artes não se transforme em um mausoléu em louvor ao mau uso do dinheiro público.
Quem assistiu ao Back2Black lá garante que foi inesquecível; assim como o show do Arnaldo Antunes.
A mostra de obras de arte contemporânea já vale a visita, a biblioteca, as salas de ensaio que comportam pequenas apresentações, tudo presta. Mas a qualidade do teatro foi o que mais me impressionou.
A sala em que me apresentei, a menor, onde cabem até 550 pessoas, tem uma acústica tão apurada que eu fui obrigada a pedir que abafassem o som do microfone, piorassem um pouco a nitidez da fala, para parecer humana. É uma distribuição diferente, com o balcão maior do que a plateia inferior, e não há ângulos retos na sala, tudo termina em curvas, até o assento das cadeiras. É muito bonita, e a sensação para quem está no palco é de total domínio do espaço.
Não entrei na sala grande, o que me arrependo de não ter feito. Deve ser um espetáculo. Ainda não me conformo com o fato de que um espaço tão grande não conte com um teatro com mais de 1 300 lugares. Três mil seria o ideal, com possibilidade de transformá-los em 1 500 sem parecer que o lugar está vazio. Christian de Portzamparc é tão talentoso que não encontraria dificuldade para resolver o problema.
O terminal de ônibus que desemboca no local ainda não está pronto. Quando ficar, espero que o Rio usufrua um projeto pelo qual pagou caro, mais do que caro para ter.
Algo que ninguém pediu, mas que, uma vez concluído, é melhor que ganhe sentido de existir.