Quando tento buscar na
memória a menina que fui, não consigo me ver chorando. No colégio? Nunca. Em
casa? Só de forma muito reservada e profunda no silêncio do meu quarto, jamais
por fricotes infantis. Mesmo adolescente, com os hormônios em curto-circuito,
tampouco lembro de abrir as torneiras. Era durona, não chorava nem quando havia
sério motivo para tal aliás, bastava que algum parente distante tivesse morrido
para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha de me emocionar.
Depois veio a idade dos
namoros, e aprendi a chorar por dor de cotovelo e também por autopiedade. Meu
choro era tão sentido, vinha de zonas tão secretas em mim que, mesmo quando o
motivo do choro já havia se dissipado, eu continuava chorando pela simples
emoção de estar testemunhando a minha tristeza reprimida que finalmente
desaguava — eu chorava pela comoção que eu mesma me causava.
Chorei por amor e ainda
vou chorar, porque é da natureza do amor despertar nossas fragilidades. Chorei
no momento em que minhas filhas nasceram, porque o esforço e a intensidade da
emoção do parto faz tudo vazar sem barragem que represe. E chorei de raiva nas
poucas vezes em que me senti injustiçada. E só. Tudo choro emocional, mas com
razão conhecida.
Porém acabou o tempo de
estio, quando eu chorava tão de vez em quando que podia lembrar a data. Nos
tempos que correm, as lágrimas também correm — muito! E se antes chorava por
alguma emoção irreprimível como o nascimento de um filho ou por um sofrimento
doloroso como a partida de um grande amor, ando chorando agora durante a Dança
dos Famosos. Quando o Gabiru fez o gol que deu ao Inter o Campeonato Mundial de
Clubes, chorei. Quando uma criança canta na festinha da creche: “Quero ver você
não chorar/Não olhar pra trás...”, me debulho. Choro em formatura.
Choro em discurso de
família. Chorei quando os Stones entraram no palco no Hyde Park e quando Paul
McCartney cantou My Love no Beira-Rio. Choro com os fogos de artifício do
Réveillon. Choro no trânsito. Choro quando os caixões são fechados, mesmo que
eu não conheça quem esteja dentro. Choro ao ver qualquer pessoa chorando. Choro
em apresentação de dança da Dullius. Choro em aeroporto. Choro
no banho. E quando ouço Chão de Giz, do Zé Ramalho, daí não são apenas olhos
marejados: transbordo. Essa música toca em alguma coisa que me cala fundo e
ainda não sei o que é.
Dizem que ficamos mais
amolecidos com a idade, mas eu achava que estavam se referindo às dobrinhas nos
joelhos. Pelo visto, os sentimentos, com o tempo, também afrouxam. Melhor
assim: deixam de empedrar e de nos enrijecer por dentro. Deslizam pela face e
nos purificam: ficamos banhados, limpos, batizados.