Que dias! Quantas baixas na nossa literatura. Lamentei a morte de João Ubaldo, pois sempre dói a partida de quem ainda tinha muito a contribuir (a morte de um grande escritor é sua obra inacabada), e estou compadecida com a fragilidade da situação do espetacular Ariano Suassuna (em coma até o momento em que escrevo), porém usarei esta coluna para falar de uma ausência que me tocou mais profundamente: a do mineiro Rubem Alves, por quem eu tinha enorme afeição não só pelo que escrevia, mas pelo seu jeito terno, sua desafetação, sua raridade como ser humano. Quanto mais se grita e esperneia por aí, mais atenção eu dou aos singulares que brilham em voz baixa.
Domingo passado, comentei sobre o documentário Eu Maior, em que Rubem Alves também participou com seu testemunho. Entre outras coisas, ele contou que certa vez um garoto se aproximou dele para perguntar como havia planejado sua vida para chegar onde chegou, qual foi a fórmula do sucesso. Rubem Alves respondeu que chegou onde chegou porque tudo que havia planejado deu errado.
Planejar serve para colocar a pessoa em movimento. Se não houver um objetivo, um desejo qualquer, ela acabará esperando sentada que alguma grande oportunidade caia do céu, possivelmente por merecimento cósmico.
É preciso querer alguma coisa – já alcançar é facultativo, explico por quê.
Uma vez determinado o rumo a seguir, entra a melhor parte: abrir-se para os acidentes de percurso. Você que sonha em ser um Rubem Alves, é possível que já tenha começado a escrever num blog (parabéns, pôs-se em ação). No entanto, esses escritos podem conduzi-lo a um caminho que não estava nos planos. Dependendo do conteúdo, seus posts podem levá-lo a um convite para lecionar no Interior, a ser sócio de um bar, a estagiar com um tio engenheiro, a fazer doce pra fora, a pegar a estrada com um amigo e acabar na Costa Rica, onde conhecerá a mulher da sua vida e com ela abrirá uma pousada, transformando-se num empresário do ramo da hotelaria.
Não é assim que as coisas acontecem, emendando uma circunstância na outra?
A vida está repleta de exemplos de arquiteta que virou estilista, enfermeiro que virou pastor evangélico, estudante de Letras que virou maquiadora, publicitário que virou chef de cozinha, professor que virou dono de pet shop, economista que virou fotógrafo. Tem até gente que almejava ser economista, virou economista, fez uma bela carreira como economista e morreu economista. A vida é surpreendente.
Ariano Suassuna largou a advocacia aos 27 anos, João Ubaldo também se formou em Direito, mas nem chegou a exercer o ofício, e Rubem Alves teve até restaurante. Tudo que dá errado pode dar muito certo. A vida joga os dados, dá as cartas, gira a roleta: a nós, cabe apenas continuar apostando.