Já viu Tim Maia, o filme? Eu já. Duas vezes. Se me chamarem, ainda encaro mais uma. É um bom filme. Não o melhor, nem o mais lindo. Tim Maia faz pensar na vida. Esse é o diferencial. Saí melhor do que entrei.
Ganhei meu primeiro LP do Tim Maia por volta dos dez anos. Adorava, ouvia o dia inteiro.
Desde então Tim Maia marca as festas, as fases da minha vida e já encanta meus filhos. No entanto, o homem que faz todo mundo esquecer a vergonha e correr para as pistas sofria muito. Paradoxo? Talvez não. Dor é moenda. Tira bom suco da gente.
Se Deus vê tudo, deve haver um monte de pontos cegos no caminho. O pensamento de Tim é nosso também. Por que só comigo? Por que Ele não me olha e dá uma ajudinha? É marcação? É pessoal? Taquei pedra na cruz? Se der tempo ainda, Deus, eu me arrependo muito e não faria de novo! Agora dá para dar uma aliviada?
Tim Maia a essa altura do campeonato já deve ter confirmado sua tese. Ou mudado de opinião de vez. Eu por aqui divago. Não creio que Deus tenha pontos cegos. Nós é que somos caolhos. Temos pontos de todo tipo: cegos, surdos, mudos, míopes e daltônicos.
Pontos frouxos que desmancham quando deveriam segurar. Outros tão apertados que nos rasgam por dentro. Nosso bordado é torto. Jogamos no que vemos, acertamos o que não vemos. E isso nem sempre quer dizer boa coisa.
Tropeçamos nos próprios afetos. Nos enforcamos nas relações. E, sim, colocamos a culpa em Deus, no azar, na vida. No fundo sabemos bem que não é. Mas assobiamos e saímos de fininho na hora da conta.
- Meu maior inimigo sou eu mesmo! O caminhão que atropelou a vida tem o meu nome na placa.
Deu vontade de gritar:
- O meu também, Tim! O meu também! Eu te entendo!
Não gritei. A vergonha foi maior. Mas o chapéu me serviu como uma luva. Quantas vezes a gente se boicota? Se esforça de menos, aperta demais, larga de mão quando era para cuidar?
Meu caminhão é daqueles grandes tipo Scania e atropela buzinando. O estrago é medonho. Tenho de varrer os cacos depois. Energia e tempo desperdiçados. Fora o esforço até consertar o mal feito.
Quando se aprende, ainda vale de alguma coisa. Nem sempre aprendemos a lição. Algumas pessoas passam a vida repetindo os mesmos padrões. Se metem nas mesmas roubadas. Se perguntam por que só com elas dá errado. Com um cardápio inteiro pela frente, elas escolhem as mesmas opções.
Somos nossos piores inimigos e nossos melhores amigos também. Quando somos bons, somos ótimos! Difícil é sair do buraco que a gente cava.
Sebastião Rodrigues Maia, Tim Maia, fez muita besteira na vida. A gente não precisa do filme para saber. Quem é da época lembra. Não ia aos shows, brigava, falava na cara o que pensava. Não soube sustentar a fama que tinha condições de ter.
Essa parte dá pena. Dá raiva. Por que não reagia? Por que não fez diferente se era, reconhecidamente, brilhante? Porque não deu. Porque às vezes a gente não dá conta das dores, dos amores mal amados, dos pés na bunda, do rasgo do que não deu certo. Dos fracassos e das vitórias. A alma esgarça.
Tudo o que se quer é sossego. E onde se compra? É duro achar que está entrando na primavera, se encher de esperança e ver o inverno chegar outra vez. Cada um é que sabe o tamanho das dores que leva no peito. Não cabe julgar.
Julgamos. É do ser humano o vício de olhar o outro já com a sentença escrita de véspera. Jamais saberemos as chagas escondidas e sangrentas de cada um. Tim Maia lutou. Foi um guerreiro.
Um guerreiro que não conseguia se manter vitorioso. Mas levantava e recomeçava. Nesse sentido ele me representa. Nas falhas, nos vacilos, nos boicotes. E, sobretudo, na coragem de refazer. E de afirmar que quem sofre tem de procurar razão para viver.
Tim sofreu e criou. Ele conseguia ver na vida algum motivo pra sonhar. Suas músicas são um sonho azul da cor do mar. Quem sabe a vida não é fazer de conta que ainda é cedo e deixar falar a voz do coração? Se é vida, vale tudo!