Pare um pouquinho e faça uma comparação entre você mesmo há uma década, e a pessoa que você é agora. As chances são grandes de você achar que, uma década atrás, era alguém muito diferente, que não sabia nada sobre a vida e ainda tinha muito pelo que passar, e que hoje sim você se encontrou e este momento em que vive agora reflete o seu verdadeiro “eu”.
Mas e se fizermos este mesmo exercício de imaginação, só que projetando o futuro? Daqui a dez anos, será que ainda acharemos que nossa versão de 2014 representava a nossa real personalidade? Afinal, em que momento nos tornamos “nós mesmos”?
A equipe de psicologia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, decidiu ir a fundo no assunto. Quando o pesquisador Daniel Gilbert recrutou milhares de adultos para realizar este exercício mental, ele descobriu que as pessoas de todas as idades consideram que as suas personalidades, os valores que possuem e seus gostos evoluíram continuamente ao longo de suas vidas.
Agora imagine você mesmo daqui a dez anos. Se você for como os voluntários do estudo de Gilbert, a imagem que você tem na sua mente, hoje em dia, do seu eu futuro é uma pessoa com pouquíssimas diferenças em relação à pessoa que você é atualmente.
Gilbert e seus colegas Jordi Quoidbach e Timothy Wilson concluíram que as pessoas consideram o presente como um momento decisivo em que, finalmente, elas se tornam a pessoa que elas serão para o resto de suas vidas. Caso contrário, dificilmente alguém faria uma tatuagem, ou postaria uma foto do desenho no Facebook.
Esse fenômeno, chamado de “a ilusão do fim da história” (lembram-se da teoria de Hegel?), é generalizado, e pode levar ao que Quoidbach, atualmente professor na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, na Espanha, chama de decisões “abaixo do ideal”.
Para quantificar este efeito, os pesquisadores pediram a um grupo de participantes do estudo para citar o preço que estariam dispostos a desembolsar para adquirir o ingresso para um show de sua banda favorita, levando em consideração que o concerto só aconteceria dali a dez anos – uma forma de identificar o quanto eles esperavam que seu gosto musical permanecesse igual (ou não).
Um segundo grupo teve a tarefa de colocar um valor no ingresso, agora, para ouvir sua banda favorita de dez anos atrás, o que reflete o quanto os seus gostos já mudaram neste período de tempo. A diferença foi de 129 dólares (cerca de 308 reais), estipulados pelos membros do primeiro grupo, contra 80 dólares (191 reais), preço médio que o segundo grupo considerou gastar. Segundo os pesquisadores, é uma medida de quanto nós nos iludimos sobre a estabilidade de nossas personalidades e nossas preferências.
Em 1976, a jornalista estadunidense Gail Sheehy escreveu o livro “Passages” (traduzido para o português como “Passagens – Crises previsíveis da vida adulta” e lançado aqui no Brasil em 1979), um best-seller muito influente que versa sobre os diversos estágios da vida adulta.
Sheehy se lembra de ter entrevistado advogados na faixa dos 30 e início dos 40 anos que trabalhavam incessantemente, sem reservar tempo suficiente para passar com seus familiares e amigos e em detrimento da própria saúde. Já os profissionais em média dez anos mais velhos tinham uma perspectiva muito diferente sobre o que era importante para suas vidas. Se os viciados em trabalho soubessem que tipo de pessoa se tornariam no futuro, será que eles teriam gastado seu tempo de forma diferente, ou teriam dado preferência a outros aspectos da vida?
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