Alguns estudos em psicologia descobriram que a sensação de culpa que temos quando saímos da dieta ou escolhemos uma vida mais descontrolada não nos ajuda a ter uma vida saudável. Em vez de nos desviar das tentações, a culpa frequentemente nos leva a desenvolver vícios. Essa ironia parece ter vários motivos. Uma teoria é de que formas culpáveis de prazer estão tão enraizadas em nossa psique que os sentimentos de remorso detonam pensamentos de desejo em nosso cérebro. Ou seja, nossos vícios são tentadores em parte porque sabemos que eles nos fazem mal.
Para demonstrar a forma como nosso subconsciente realmente funciona de maneira masoquista, Kelly Goldsmith, da Northwestern University, em Illinois, mostrou alguns jogos de palavras a um grupo de voluntários. Eles primeiro tinham que reordenar algumas frases, algumas com palavras como “pecado”, “culpa” e “remorso”, e outras com termos mais neutros.
Na segunda parte do experimento, eles recebiam duas letras e tinham que completar as palavras. Aqueles que antes ordenaram as frases com as palavras condenadoras apresentaram muito mais tendência a criar palavras associadas com desejo. Ou seja, em vez de desviar os pensamentos do pecado, o subconsciente culpado começou a pensar de maneira mais luxuriosa.
Goldsmith descobriu ainda que esses sentimentos se traduziam em experiências realmente sensoriais. Os voluntários que foram incitados com ideias de culpa admitiram mais compulsão por doces ou ter mais prazer em olhar as fotos de um site de encontros.
O efeito “foda-se”
Mas a ironia da culpa não para por aqui. Além de aumentar a atração pelas tentações, o sentimento também pode lançar o chamado efeito “foda-se”.
Esse fenômeno psicológico tão bem estudado é o motivo pelo qual você não consegue parar de comer quando se comprometeu a comer “só uma” fatia de bolo – ao acharmos que fracassamos em algo, logo concluímos que é melhor se entregar completamente.
Roeline Kuijer e Jessica Boyce, da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, recentemente estudaram os hábitos alimentares de um grupo de voluntários que tentava perder peso.
Elas perceberam que aqueles que logo associavam um bolo de chocolate a um sentimento de culpa acreditavam menos em seu autocontrole do que as pessoas que associavam o alimento com coisas mais positivas, como uma festa.
Nos meses que se seguiram, aquilo se tornou uma profecia auto-realizável: apesar das intenções serem as mesmas, as pessoas que se sentiam mais culpadas ao pensar em chocolate conseguiam perder menos peso em comparação àquelas que viam o chocolate com animação. O mesmo aconteceu com outro grupo que estava tentando manter um peso saudável. Em um período de 18 meses, aqueles que inocentemente desfrutavam de sua comida tinham menos tendência a engordar.
Utilidade pública
As descobertas podem evidenciar um problema que ocorre em algumas campanhas de saúde pública. “Quando você pega uma atividade que não era associada com a culpa e, de repente, a faz parecer imprópria, o prazer parece aumentar”, diz Goldsmith.
Sendo assim, um aviso de “É proibido fumar” pode aumentar a vontade dos fumantes. Kuijer e Boyce argumentam que não deve ser coincidência o fato de os Estados Unidos apresentarem uma maior taxa de obesidade que a França, apesar dos americanos se sentirem mais culpados do que os franceses em relação a sua alimentação.
Apesar de nenhuma campanha pública ter sido alterada para experimentar essas teorias, Goldsmith acredita que seria mais eficiente se concentrar nos aspectos positivos, por exemplo, enfatizando os benefícios de escolhas mais saudáveis. Outros estudos concluíram que a liberdade de sentir pequenos prazeres uma vez ou outra é essencial para manter a força de vontade em relação a objetivos de vida maiores.
“Quando usamos nosso auto-controle para resistir a uma tentação ou para continuar com uma tarefa pouco interessante, esgotamos a força desse ‘músculo'”, explica Leonard Reinecke, da Universidade de Mainz, na Alemanha. “Consequentemente, é mais difícil resistir a desejos em outras situações.”
O cientista descobriu que formas de entretenimento menos intelectuais são uma ótima maneira de dar um descanso ao que ele chama de “músculo da força de vontade” e de recarregar o auto-controle. Mas quem sucumbir a esse tipo de lazer não pode se sentir culpado por isso, senão não há benefícios. Até porque, não é para menos que boa parte das maiores empresas do mundo possuem um excelente local de recreação: o descanso é produtivo.
Pessoas cansadas, esgotadas e/ou entediadas produzem menos. Em outras palavras, perdoar-se por um pouco de diversão ou por se entregar a uma guloseima deve servir para recuperar uma atitude saudável mais rapidamente e, assim, direcionar a força de vontade a algo mais positivo no dia seguinte.
por Demasiado Humano