A introspecção necessária para o processo de auto-reconhecimento se tornará um pesadelo de desespero, quando cercado de olhares agressivos.
Mas, afinal, de que outra forma seria possível um encontro real com nossas verdades que não se fundamentasse através da experiência de aprofundamento no eu?
Isso se torna uma afirmação se concordarmos que não é possível conhecer nada, permanecendo na superfície. A procura pelo auto reconhecimento inclui aprofundar-se nas áreas mais íntimas do eu e essa experiência é sempre geradora de emoções densas.
Essas emoções suscitadas na busca pelo reconhecimento do si mesmo geram estados deprimidos do ser, cheio de dúvidas e incertezas, que obrigam uma incursão introspectiva.
Esse feitio introspectivo da experiência provoca um impreterível afastamento das requisições do mundo externo e das exigências da sociedade.
Bem, isso nos leva a cogitar que as pessoas em geral não apreciam o curso desse processo, por conta do afastamento do convívio social durante sua transcorrência.
No entanto quanto mais houver respeito pelo tempo (imprevisível) que leva o processo dessa experiência emocional, tanto antes ela se elaborará.
Em seu trabalho SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO que faz parte das NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE I, Sigmund Freud (1913) lembra que:
Os pacientes destinados a serem mais bem acolhidos são aqueles que lhe pedem para dar-lhes saúde completa, na medida em que esta é atingível, e colocam à sua disposição tanto tempo quanto foi necessário para o processo de restabelecimento. Condições favoráveis como estas, é natural, devem ser esperadas apenas em alguns casos.
Por conta do estado de fragilidade da personalidade durante essa experiência passa a ser prudente viver esse processo devidamente resguardado.
Para Wilfred Ruprecht Bion (1897 – 1979), a função do analista de dar continência ao paciente em análise, deve ser ativa, numa capacidade de acolher para que possa transformar. Por meio do emprego do pensar os pensamentos, as experiências emocionais que inicialmente são insuportáveis no processo de auto reconhecimento passam a ser passiveis de transformação em experiências assimiláveis, pois a transformação lhes confere uma significação.
Na proposta clínica de Donald Winnicott (1896-1971), o analista deve propiciar a regressão no sujeito analisado e isso se dá através de uma relação onde o analista deve desenvolver a capacidade de sustentar, dar auxílio e apoio na terapia. Essa pratica do analista, é inicialmente uma função da “mãe suficientemente boa”, desempenho que promove o desenvolvimento da personalidade no filho, importante em todas as relações que o sujeito exercerá futuramente.
Dessa maneira, mantido com cuidados, num ambiente acolhedor, que possa contar com vínculos emocionalmente saudáveis, irrigados de sinceridade e afeto . Isso para que a tentativa da busca por si mesmo possa ser gerida de maneira profícua. Nessa função a psicoterapia deve revelar-se como recurso muito interessante, por proporcionar um local emocionalmente asséptico, livre de críticas ou de elogios.
“Cada um está cônscio de que existem certas coisas em si que não estaria absolutamente disposto a contar a outras pessoas ou que consideraria inteiramente fora de cogitação revelar. São elas suas ‘intimidades’. Essa pessoa também não tem qualquer ideia – e isto representa um grande progresso no autoconhecimento psicológico – de que há outras coisas que alguém não se importaria de admitir para consigo: coisas que alguém gosta de ocultar de si próprio e que por esse motivo interrompe e expulsa de seus pensamentos se, apesar de tudo, vierem à tona.” (Freud 1926, em A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA)
Por outro lado, quando circundado por um ambiente hostil e exigente o processo se torna perigoso e muitas vezes ficará irrealizável.
O olhar invasivo do outro pode provocar estragos irreparáveis num sujeito que esteja exposto, durante o trabalho depressivo do auto reconhecimento.
Assim, a introspecção necessária para o processo de auto reconhecimento se tornará um pesadelo de desespero, quando cercado de olhares agressivos.