Sempre me surpreendo quando ouço casais falando que só têm aquelas brigas “normais”. Elas costumam ser ricas em gritos, ofensas leves ou moderadas; isso quando não envolvem algum empurrão ou agressões maiores. As razões são as mais variadas, quase sempre relacionadas com ciúmes, dinheiro ou diferenças de opinião acerca de algum tema pouco relevante. Enfim, os casais brigam por assuntos que talvez devessem ser conversados, negociados, discutidos em tom respeitoso e cada um tentando sinceramente saber o que o outro pensa sobre aquele problema.
Qual a razão para tanta dificuldade em conversar com delicadeza e elegância justamente com aquela pessoa que, ao menos como regra, se ama? Porque as diferenças de opinião ofendem tanto? A primeira sensação que se tem é a de que, ao não concordar com algum ponto de vista, a pessoa parece estar traindo seu parceiro: “quem não está comigo está contra mim”. Não deixa de ser um tanto absurda essa proposição, especialmente nos tempos atuais em que, definitivamente, homens e mulheres têm o mesmo nível de instrução e ambos pensam por conta própria.
Conviver com alguém que tenha pontos de vista divergentes pode ser extremamente rico e útil se os casais pararem de tomar como ofensa pessoal aquilo que é a expressão mais sincera da individualidade: nossas ideias!
Num casal existe “eu”, “você” e “nós”; acho bom que seja assim. A postura deles na hora das discussões não costuma ser a de buscarem um denominador comum; o que buscam é mudar o ponto de vista e o modo de pensar do outro. Não se trata de um genuíno desejo de trocar pontos de vista e sim da postura autoritária de fazer prevalecer seu ponto de vista. Como isso costuma encontrar certa resistência por parte do parceiro, surgem as discussões acaloradas, quase sempre associadas aos berros e tudo o mais. Não existem diálogos e sim duelos!
O usual é que, nos casais, um dos dois seja o que se exalta mais rapidamente. É o mais imaturo, o que tolera pior frustrações e contrariedades de todo o tipo; e é assim que esse tipo de pessoa decodifica a diferença de opinião; quer comandar, ter a palavra final. Muitas vezes o mais tolerante se comporta como quem aceita aquela decisão final, aparentemente concordando com o “estourado”; isso com a finalidade de não estender a discussão.
Vai acumulando mágoas, o que não é bom. Podem se transformar em malcriações desnecessárias em algum momento futuro ou mesmo na perda do interesse pelo parceiro. Qualquer pessoa de bom senso e que está vivendo a dois deveria pensar não só no seu bem-estar e felicidade mas cuidar para que seu par também esteja se sentindo assim.
Por vezes a impressão que tenho é a de que as brigas por motivos fúteis acontecem justamente quando o casal está vivendo bem e em concórdia por um certo número de dias. É como se não tolerassem mais do que uma certa cota de harmonia e felicidade; de um ponto para adiante parece necessário jogarem um balde de água fria naquele ambiente quente e harmonioso. A excessiva e prolongada felicidade sentimental aparece como muito ameaçadora, como se ela fosse atrair alguma coisa muito ruim. É o medo da felicidade.
E o medo da felicidade não é nada mais do que o medo de se perder aquela felicidade porque sentimos que o risco de acontecimentos negativos aumenta quando estamos bem. Isso não é verdade, mas aqueles que não suportam o medo acabam por criar pequenos conflitos capazes de perturbar a serenidade – e com isso evitar o suposto mal maior.
Aprender a lidar com diferenças de opinião exige bom senso e perseverança. As pessoas deveriam, como regra, usar a primeira pessoa do singular: “eu fico triste quando isso ou aquilo acontece”; “eu gostaria que certas coisas fossem desse ou daquele jeito”. Sempre “eu” e nunca “quero que você…”.
Ninguém é obrigado a fazer coisa alguma. O parceiro tem que saber o que nos agrada e o que nos aborrece e magoa. Caberá a ele se preocupar ou não com o nosso bem-estar. Se ele não ligar para nos magoar, cabe a nós decidir o que fazer: tolerar ou se afastar. Além disso, é preciso que os que se amam aprendam a ouvir os argumentos do outro sem ficar apenas se preparando para encontrar as respostas em contrário.
Ouvir tratando de ver se ele tem razão; e mudar de ponto de vista sempre que ouvir algo mais adequado. Isso cria um contexto evolutivo, condição fundamental para a longevidade e uma vida rica em comum.
Quanto ao medo da felicidade e a tendência que temos de amplificar problemas para destruir parte do que construímos, só nos cabe ficar atentos e saber que, definitivamente, felicidade não mata.