Escritor virou um tipo de celebrity.
Saiu dos seus abismos e quartinhos insalubres, possivelmente mais míticos do que reais, e subiu aos palcos dos eventos literários.
O que pode ser muitíssimo bacana — e muitas vezes é. O problema às vezes é quando descobrimos que parte de nossos ídolos não difere das celebridades que frequentam a Ilha de Caras. E quanto maior e mais badalado o happening da literatura, maior é a fofoca no dia seguinte sobre quem comeu quem, a fulana que estava com uma saia-cinto se esfregando com alguém que não era seu marido ou o cara que todo mundo jurava que era MPC (machopracaralho) e apareceu com um menino que não era seu sobrinho. Questões humanas da mais alta relevância, como se pode ver.
Do mesmo modo que logo surgem as musas e os darlings e as frases-para-virar-manchete de um e de outro. Ou quem chorou ou não chorou escondido no quarto e por quê. Enfim, o pirão humano de sempre. Só um ingênuo — coisa que às vezes me sucede de ser — imaginaria que quem escreve sobre o humano não seria demasiado e às vezes decepcionantemente humano.
Na condição de foca deste meio literário, logo me deparei com minha insignificância. Estava eu num evento badaladíssimo tempos atrás, quando fui engolfada por um grupo eclético me pedindo autógrafos e fotos. Me descobriram, pensei, já inflando um peito de chéster, termo cunhado pela minha amiga Bia Lopes. Fiz diante da câmera uns sorrisos que renderiam uns dois clientes para a minha dentista. Caprichei na letra. O “m” do Brum ganhou uma quarta perna que mais parecia a Via Láctea.
Ao final de tudo, eu quase que me achando loucamente, fui abatida dos píncaros da glória por petardos de realidade. Felicíssimos com minha performance, uma “fã” mais afoita me deu um beijo melado e me perguntou, com um sorriso completo de dentes: “Muito obrigada, a foto ficou ótima! Como é o seu nome mesmo?”. Respondi. E na minha resposta o Brum, pobre-coitado, estava manco de uma perna e com problemas de menisco no joelho da outra.
No lançamento do meu primeiro romance, o confronto com a realidade da fama se repetiu. Eu a avistei de longe. Veio de lado, assuntando com o corpo. De repente, estava junto à mesa de autógrafos, dividindo a pequena área comigo. Me fez perguntas profundas, numa voz rouca de traça de sebo com rinite alérgica: “Sobre o que é o seu romance?”; “Você sofreu ao escrevê-lo?”; “Qual é o seu sentimento neste momento?”.
Percebi que a entrevista seguia um questionário decorado e que ela vasculhava para além de mim, procurando avidamente com o olhar alguma coisa mais instigante entre as prateleiras da livraria. Parecia não ouvir minhas respostas. Mas sempre voltava para uma próxima pergunta na qual colocava um acento mais denso do que uma cumulus nimbus. Então, finalmente, ela sorriu e disse: “Apenas uma última pergunta”.
Me aprumei toda na cadeira.
— O que estão servindo?
Sim, sim, benditos (não) leitores. Sabendo escutá-los a gente aprende mais sobre nosso lugar na humanidade, que de estrela só tem a tal da poeira de que o Carl Sagan falava. E, de volta ao pó, retornamos também aos nossos interiores que seguem sendo o lugar de onde, com sorte, emergem algumas letras de bom tamanho.