Muita gente acha que a questão da sexualidade está equacionada e “resolvida”. Tanto isso é verdade que os livros sobre o assunto escassearam e os sexólogos praticamente desapareceram. Não compartilho desse ponto de vista. Acho que temos vivido uma época fortemente influenciada pela indústria pornográfica; isso nos leva a pensar o sexo de uma forma curiosa, como algo parecido com os exercícios físicos mais exigentes e rigorosos.
A influência desses filmes que estão, aos milhares, disponíveis pela internet, tem sido tal que voltaram algumas das antigas preocupações e preconceitos: agora, de novo, os homens têm se preocupado com as dimensões de seus pênis; o orgasmo vaginal parece ter voltado a ser fundamental para que uma mulher se satisfaça de verdade e seja realmente “boa de cama”. Suponho que esses ingredientes sejam muito interessantes do ponto de vista das filmagens; porém, na vida real não têm maior serventia.
Tanto nos filmes eróticos, como na publicidade e no conteúdo das obras de ficção, tudo leva o observador a crer que o relacionamento erótico entre duas pessoas não passa de um jogo de sedução e poder, em que, tomando como exemplo o ambiente heterossexual, uma mulher poderosa tenta submeter o homem, encantado por sua beleza e desenvoltura; isso enquanto o homem, graças às suas aptidões físicas, tenta despertar nela o prazer que, nessa linguagem corpórea peculiar, teria o significado de uma rendição. Não espanta que tantas não alcancem o orgasmo num relacionamento íntimo apesar de todos os esforços de seus parceiros; essas mesmas mulheres, ao se masturbarem, alcançam o clímax com grande facilidade; ou seja, não se trata de um problema sexual e sim de um empenho em não se deixar subjugar.
Num contexto como esse, agrava-se a já natural associação entre o sexo e a agressividade, afastando bastante o relacionamento íntimo de qualquer tipo de convívio sentimental. Não estou me referindo a elos matrimoniais; penso que o encontro erótico entre pessoas que mal se conhecem só pode se tornar uma espécie de demonstração de competência de ambas as partes e onde vale tudo, inclusive fingir o prazer – condição cada vez mais frequente, talvez também influenciada pela indústria pornográfica. Os homens se empenham em “dar” prazer à mulher com o intuito de deixá-la dominada e também para seu deleite pessoal: ele se orgulha de ser competente o suficiente para estimulá-la do jeito certo para que ela chegue lá; isso basicamente como manifestação de vaidade pessoal e não como anseio genuíno de agradar o parceiro. Um indivíduo que haja assim pode muito bem ser considerado “bom de cama”. Da mesma forma, a mulher que aceita variações mais “picantes” durante o ato e que emite os ruídos considerados eróticos acaba sendo considerada como “boa de cama” mesmo se tudo isso contiver uma boa dose de falsidade.
Penso que é muito importante retomarmos as reflexões acerca da nossa sexualidade, pois ela vem tomando um rumo nada interessante. É possível tratar o tema de uma forma radicalmente oposta à que vem sendo conduzida: ao invés do sexo vinculado ao controle – controle sobre as próprias sensações e controle sobre o parceiro –, considerar que a verdadeira liberdade sexual consiste em ser capaz de se “descontrolar”. Uma mulher pode se colocar sexualmente de forma insinuante, ousada e disposta a impressionar o parceiro; ou então, apenas se despojar de todas as armas e armaduras, soltar-se e se deixar embalar pelas sensações agradáveis que derivam das trocas de carícias próprias da estimulação das zonas erógenas. A mulher não se entrega ao homem e sim ao prazer durante as trocas de carícias com um parceiro confiável, sendo essa condição bastante mais comum do que a capacidade de se soltar diante de parceiros que tenham acabado de conhecer. Essa talvez seja a mulher verdadeiramente “boa de cama”!
Um homem que esteja realmente despreocupado com seu desempenho e com todos os aspectos quantitativos relacionados à sua sexualidade pode se entregar ao prazer das trocas de carícias sem pretender subjugar, dominar, controlar; buscará apenas o seu prazer e o deleite derivado do prazer da parceira. Não é necessário ser agressivo, ter “pegada” para ser “bom de cama”; basta estar ali de corpo e alma.
Nos casais acostumados a entender o sexo como jogo de sedução e de dominação, o erotismo tende a decrescer muito depois de consolidado o vínculo; sim, porque não há mais necessidade de seduzir! Se tiverem desenvolvido o gosto por mergulhar no sexo como fonte efetiva de prazer, não terão problemas em manter o nível de interesse em suas práticas ao longo das décadas. Será importante reforço da intimidade e cumplicidade indispensável para a longa vida dos casais, além, é claro, de ser adorável fonte de descontração e relaxamento.
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