Nosso cérebro não foi capacitado para lidar com as complexas questões contemporâneas de forma automática: é crucial refletir antes de falar ou agir.
Parece óbvio, mas existe uma séria explicação para isso.
O professor de Harvard Joshua Greene nos aponta uma resposta. Ele uniu filosofia, neurociência e psicologia para mapear nosso cérebro e explorar como as intuições éticas se manifestam na contemporaneidade.
Autor do livro Moral tribes: emotion, reason, and the gap between us and them, Greene e seus colegas sugerem que os julgamentos morais são determinados tanto por respostas automáticas e emocionais quanto por soluções controladas pelo raciocínio consciente.
Além disso, ele explica que nossos cérebros evoluíram apenas para cooperar de forma tribal.
Ou seja, enquanto o mundo moderno obriga a convivência de diferentes grupos e culturas em um mesmo espaço, as linhas morais que nos separam se tornam mais salientes e desafiadoras.
Em entrevista, ele explica por que, quando precisamos responder a questões com a complexidade global contemporânea, o automatismo das respostas simplesmente não funciona. Confira abaixo.
Você diz que, hoje, a moralidade extrapola aquilo que surgiu durante seu processo evolutivo. O que quer dizer com isso?
Joshua Greene: A moralidade é, em termos gerais, um conjunto de mecanismos psicológicos que possibilita a cooperação. Mas, ao menos do ponto de vista biológico, nós evoluímos para cooperar de forma tribal.
Indivíduos que eram mais morais (que cooperavam mais com aqueles ao seu redor) se saíam melhor do que aqueles que não eram.
No entanto, hoje podemos voltar um passo atrás e nos perguntar como seria uma moralidade de caráter mais global.
Por que as vidas de pessoas do outro lado do mundo valeriam menos do que as das pessoas ao meu redor?
Se nos confrontarmos com este raciocínio, podemos fazer com que o nosso pensamento moral exerça uma tarefa para a qual jamais evoluiu.
Então precisamos ser capazes de alternar entre uma moralidade intuitiva e reações mais refletidas? Em que situações devemos utilizar cada um desses sistemas?
Joshua Greene: Quando é uma questão de “eu contra nós”, dos meus interesses contra o dos outros, nossos instintos funcionam muito bem.
Eles não se saem tão bem quando é “nós contra eles”, os interesses e valores do meu grupo contra os de outro grupo.
Nossas intuições morais não evoluíram para resolver esse problema de forma equilibrada. Quando grupos discordam quanto ao que é certo, precisamos reduzir a velocidade e trocar as marchas de forma manual.
Precisamos utilizar o modo manual porque a nossa moral depende da cultura e da criação?
Joshua Greene: Compartilhar um senso comum moral com as pessoas de onde você mora ajuda a constituir uma comunidade.
Mas, essas reações viscerais variam de um grupo para o outro, o que torna mais difícil se relacionar com outros grupos.
E são essas diferenças que provocam o que você chama de “tragédia da moralidade senso-comum”?
Joshua Greene: Exatamente. Esse é o problema moral moderno, nós contra eles.
Quando há um conflito, qual grupo deve prevalecer para determinar o que é certo ou errado?
Como a moralidade é um sistema que permite aos indivíduos formar um grupo e se relacionar entre si, nosso desafio é desenvolver um sistema que viabilize o convívio entre grupos diferentes – o que chamo de uma metamoralidade.
Você propõe o utilitarismo, cuja meta é maximizar a felicidade de todas as pessoas de forma imparcial. Essa ideia existe desde os anos 1700. O que mudou agora?
Joshua Greene: Hoje, nós temos uma melhor compreensão biológica e psicológica do nosso pensamento moral. Podemos realizar experimentos para revelar suas peculiaridades e inconsistências.
O princípio de que deveríamos fazer aquilo que maximiza a felicidade soa bastante razoável, mas muitas entram em conflito com nossas reações viscerais.
Os filósofos passaram mais ou menos o último século inteiro buscando exemplos em que a nossa intuição opera em contrariedade com essa ideia, e interpretaram isso como um sinal de que há algo de errado com essa filosofia.
Mas, quando analisamos a psicologia por trás desses exemplos, eles se tornam menos contundentes. Uma alternativa seria entender que nossas reações viscerais nem sempre são confiáveis.
Alguns de seus estudos utilizam mapeamentos cerebrais. O que eles podem revelar acerca das tomadas de decisões? Como podemos evitar um excesso de presunções a partir dos resultados?
Joshua Greene: Desde que o mapeamento cerebral surgiu, aprendemos que não há muitas regiões do cérebro responsáveis exclusivamente por tarefas específicas.
As tarefas mais complexas envolvem muitas ou mesmo todas as principais redes cerebrais. Portanto, é muito difícil realizar inferências psicológicas de caráter geral partindo apenas de dados cerebrais.
Dito isso, há algumas coisas que podemos fazer.
Em um estudo de 2010, Amitai Shenhav e eu pedimos que pessoas realizassem juízos morais que envolviam escolhas alternativas: você podia garantir que uma pessoa fosse salva ou, quem sabe, assumir um risco variável para salvar números maiores de pessoas.
Descobrimos que as regiões do cérebro responsáveis por atribuir valores a esses juízos morais são as mesmas que realizam essa função de forma mais geral quando, por exemplo, tomamos decisões que envolvem dinheiro ou comida.
Isso indica que estamos utilizando mecanismos gerais de valoração, e que eles podem ser relevantes.
Por que especificamente o mecanismo que utilizamos para julgar valores morais é relevante?
Joshua Greene: Neste estudo que acabo de mencionar, vimos que, conforme o número de vidas que podemos salvar aumenta, as pessoas se importam cada vez menos com cada uma delas.
Por quê? O circuito neural que herdamos de nossos ancestrais mamíferos pode oferecer uma resposta.
Se você é um macaco e precisa decidir que tipo comida procurar, quanto mais tipos de comida houver, menor será o valor de cada uma delas. Há um limite para o quanto podemos comer.
A questão é que utilizamos esse mesmo tipo de processo ao pensarmos em salvar vidas.
Sendo assim, um experimento que direciona nossos mecanismos avaliativos básicos de mamíferos para decisões que salvarão vidas pode explicar por que apresentamos esse padrão, e isso nos dá razões para questionar nosso julgamento intuitivo.
De que outras formas devemos questionar nossa intuição?
Joshua Greene: Pense no dilema que o filósofo Peter Singer propôs quatro décadas atrás. Você vê uma criança se afogando.
Você pode salvar a vida daquela criança, mas, se o fizer, estragará seu terno chique de mil libras.
Singer perguntou se era razoável deixar a criança se afogar. A maioria das pessoas responde que é claro que não, que isso seria um ato monstruoso.
Em outro caso, crianças do outro lado do mundo precisam desesperadamente de comida. Você pode salvar a vida delas doando dinheiro.
Você tem a obrigação de fazer isso? A maioria das pessoas responde que seria legal fazer isso, mas que não seria terrível se, ao invés disso, você optasse por gastar seu dinheiro em artigos de luxo.
A maioria dos filósofos encara essas intuições a partir de sua aparência superficial e afirma que sim, há uma obrigação moral quando a criança está bem à sua frente, mas não se ela estiver do outro lado do mundo.
Porém, Singer se perguntou se essa diferença moral existe de fato.
Então existe uma diferença moral entre ajudar uma pessoa próxima e aquelas que estão longe?
Joshua Greene: A psicologia pode nos ajudar a responder essa pergunta.
Recentemente, Jay Musen e eu realizamos uma versão mais controlada do experimento de Singer e obtivemos resultados muito semelhantes: a distância faz diferença.
O que isso significa? Quando você pensa se tem ou não a obrigação de tentar salvar a vida das pessoas, não costuma pensar “bem, a que distância elas estão?”.
A compreensão do evento ao qual estamos reagindo pode mudar a maneira como pensamos o problema.
Se, do ponto de vista biológico, a moralidade evoluiu para nos ajudar a nos relacionarmos com indivíduos em nossa própria comunidade, faz sentido que alguns de nossos sentimentos possam ser estimulados, e também que não sejam muito estimulados a distância.
Mas, isso faz sentido? De uma perspectiva moral mais reflexiva, isso pode ser visto como uma falha cognitiva.
Se valorizarmos a felicidade de todos da mesma forma, não seremos soterrados pelo sofrimento alheio?
Joshua Greene: O utilitarismo é inerentemente pragmático – na verdade, prefiro chamá-lo de “pragmatismo profundo”. Os seres humanos têm limitações, obrigações e fragilidades reais.
Portanto, a melhor política seria estabelecer metas razoáveis dadas as nossas limitações. Simplesmente tentarmos ser um pouco menos tribais.
Tendo em vista nossa herança evolutiva, seremos capazes de adotar essa metamoralidade um dia?
Joshua Greene: Não há nenhuma garantia, mas que alternativa teríamos?
Continuar a seguir nossas reações viscerais, batermos na mesa?
Tentar inventar alguma teoria Kantiana para deduzir o que é certo ou errado a partir de princípios primários, como fazem os matemáticos morais?
A pergunta não é se há garantias de que isso irá funcionar, mas: “você tem uma ideia melhor?”
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