Roberto Goizueta (nascido em Cuba, antes do golpe comunista) foi o executivo que comandou a Coca-Cola nas décadas de 80 e 90 até seu falecimento em 1997. Sua gestão foi extremamente vencedora e as ações da companhia tiveram uma valorização sensacional no período.
Entretanto, o maior erro de Goizueta enquanto esteve à frente da Coca-Cola foi o lançamento da “New Coke” em 1985. A Pepsico havia iniciado uma campanha publicitária agressiva mostrando blind tests reais realizados no meio da rua em diversas cidades americanas. Nesses blind tests, a pessoa era vendada, provava um gole de coca-cola e um gole de pepsi-cola e depois era instada a dizer qual sabor preferira. A esmagadora maioria dos testes indicava uma preferência pelo sabor da pepsi-cola.
Goizueta entendeu que estava havendo uma mudança de gosto no consumidor e colocou em curso um projeto para alterar a fórmula da coca-cola, deixando-a mais açucarada. Nascia a “New Coke”.
A
New Coke foi um fracasso tanto nas métricas mercadológicas como em relação a
outros stakeholders: houve uma onda de processos movidos por engarrafadoras
independentes além de represálias na opinião popular e recordes de reclamação
nos serviços de SAC. Apenas alguns meses após o lançamento da New Coke, a
fórmula original foi reintroduzida no mercado com o nome de Coca-Cola Classic.
O livro Blink de Malcolm Gladwell faz uma análise post-mortem interessante do fiasco. Afinal, por que o produto concebido com base em resultados estatisticamente significativos dos blind tests falhou tão espetacularmente? A explicação é que os blind tests não refletiam a experiência de consumo da vida real. Nos primeiros goles, os consumidores de fato preferem o sabor mais açucarado, mas ele se torna enjoativo rapidamente e piora substancialmente a experiência de beber uma latinha inteira.
A
pandemia do covid-19 e o confinamento em diversos países levou à necessidade de
as empresas funcionarem com a maioria (ou a integralidade) de seus quadros em
home office. O fato de boa parte das pessoas contar com plano de dados ou banda
larga, além da disponibilidade de ferramentas de vídeo-call, possibilitou uma
transição relativamente suave. Em geral, o home office funcionou bem.
Algumas empresas rapidamente anunciaram home office até o fim de 2020. Outras, mais vanguardistas, já decretaram que oferecerão a opção de home office indefinidamente aos seus funcionários. Algumas companhias já comunicaram a devolução de lajes comerciais, redimensionando seu espaço para um número menor de pessoas com postos permanentes no escritório.
Esse movimento tão apressado pode ser a New Coke de vários CEOs competentes e bem-sucedidos.
Na biografia de Steve Jobs, o escritor Walter Isaacson conta que, quando a Apple decidiu construir sua nova sede, Jobs queria apenas um conjunto de banheiros, situado no centro do enorme complexo. Segundo Jobs, o encontro aleatório de pessoas de diferentes departamentos era algo desejável e a existência de apenas um conjunto de banheiros estimularia o tráfego de funcionários e aumentaria o número desses encontros. Jobs acreditava que essas interações eram fundamentais para a geração de ideias, insumo indispensável para uma companhia inovadora como a Apple. Depois de muito trabalho dos arquitetos, Jobs foi convencido a aceitar dois conjuntos de banheiros, dadas as enormes dimensões da sede.
Jobs
tinha razão. Muitas invenções transformadoras aconteceram por acidente, como a
borracha vulcanizada e a penicilina. O autor Nassim Taleb também toca nesse
ponto em seu livro Fooled By Randomness, postulando que o indivíduo que pega
sempre o mesmo trem, rigorosamente no mesmo horário, limita a aleatoriedade em
sua vida e está perdendo oportunidades de fortuitamente encontrar velhos
amigos, um novo romance ou um financiador para seu novo projeto que usem trens
em outros horários.
No home office, nada disso acontece. Não há encontros aleatórios e nem acidentes fortuitos. Portanto, as empresas que adotarem home office para sempre, ou home office para certos times certamente perderão em criatividade coletiva. Podem estar economizando despesas de aluguel no curto prazo e tornando a vida dos funcionários mais fácil, mas criam brechas para concorrentes que melhor preservem sua capacidade inovadora. Isso pode custar muito caro no longo prazo.
O
home office funciona bem individualmente, a produtividade é muito grande, as
pessoas se fecham em suas “ostras” domésticas e produzem como loucas de 8 da
manhã às 8 da noite, engolindo um almoço em 15 minutos. Há a sensação de muita
produção, mas a maior parte é cumprimento de processo.
Por
outro lado, a produtividade coletiva é péssima. As reuniões virtuais são
ineficientes, é mais difícil controlar os horários, há uma formalização
desnecessária para todos os assuntos (“call” para tudo, mesmo para assuntos que
demandariam um bate-papo de 2 minutos presencialmente).
Isso
tudo sem falar no quesito inovação.
Trabalhar em ambiente tipo “ostra” inibe a otimização do uso do cérebro.
É normal terminar um vídeo-call de uma hora muito mais cansado do que após uma reunião presencial de duas horas. Num call de uma hora dentro um bunker de home office, o indivíduo está forçando seu cérebro a usar toda sua capacidade cognitiva em uma imagem e um som.
Numa situação presencial, o cérebro despenderia energia em outras decodificações (Qual a expressão corporal de cada participante? Quem passou no corredor? Vale a pena pedir um café para acalmar os ânimos?) e operaria de forma mais equilibrada. O desequilíbrio causado pelo vídeo-call exaure o indivíduo de forma desproporcional, muito poderio cognitivo é empregado em uma situação pouco complexa. Ou seja, a produtividade coletiva à distância é fisiologicamente comprometida, mesmo que a tecnologia permita a interação.
Como a interação com outras pessoas é inevitável, no longo prazo o home office drenará energia de seus usuários e a sensação de alta produtividade evaporará. Exceto em equipes estritamente processuais onde a produção é majoritariamente individualizada (como por exemplo em programação computacional), os próprios funcionários que hoje dizem preferir o home office vão mudar de ideia com o tempo. Afinal de contas, somos seres sociais.
A
experiência de quatro meses em home office é pouco representativa.
Tratou-se de um período onde havia muitas incertezas ocasionadas pela pandemia e, portanto, inovação não foi uma pauta premente nas companhias. As pessoas ocuparam-se majoritariamente de processos e percebeu-se uma produtividade elevada. Mas esse é o arquétipo da conclusão precoce baseada em premissa equivocada: assim como ninguém toma apenas um gole de refrigerante, nenhuma companhia prospera (nem mesmo se mantém) apenas cumprindo processos.
Sancionar home office em caráter permanente pode ser a nova New CoKe.
Fonte: c-ponto blogspot
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