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PARA ONDE VAMOS? - Ferreira Gullar

O mercado é um campo de batalha:quem não dispõe de armas e munição em quantidade, não sobrevive.

Que o sonho da sociedade comunista, onde todos seriam iguais em direitos e propriedades, acabou, não é novidade para ninguém. É verdade que, apesar disso, há quem ainda insista em defender uma opção ideológica alimentada por aquele mesmo sonho.

Não obstante, na prática social, tudo indica que os valores de esquerda foram assimilados por uma boa parte dos políticos que já não lhes atribuem propósitos revolucionários. Do meu ponto de vista, isso é um avanço, já que defende o fim das desigualdades como o caminho inevitável da sociedade humana.

De qualquer modo, o projeto da sociedade comunista se desfez. Tudo bem. E o capitalismo? Para onde vai o capitalismo? É difícil dizer para onde ele vai, mas, no meu modo de ver, ele vai mal.

Não me refiro apenas à recente crise iniciada em 2008, porque muito antes dela, mesmo nos Estados Unidos, o mais rico país capitalista do mundo, o problema da desigualdade social jamais se resolveu.

Não me refiro à eliminação definitiva da pobreza. Isso parece fora de cogitação. Se não se encontra lá o mesmo nível de pobreza que encontramos em países menos desenvolvidos, nada justifica um tal grau de exploração do trabalho humano num país que produz a riqueza que ali se produz.

Não há nenhuma novidade em dizer-se que o capitalismo é o regime da exploração. E isso independe do empresário capitalista, que pode ser um feroz explorador ou um patrão generoso. Independe, porque a exploração é inerente ao sistema, voltado para o lucro máximo. E veja bem, como isso é a essência do sistema, quem descuida disso vai à falência. Ao contrário do que Marx dizia, a luta de classes não se dá entre trabalhadores e patrões, mas, sim, entre os patrões: é um tentando engolir o outro.

Não estou dizendo nenhuma novidade. Todos os dias nascem milhares de empresas, a maioria das quais vai à falência, derrotadas pelas outras. O mercado é de fato um campo de batalha, uma zona de guerra: quem não dispõe de armas e munição em quantidade necessária e com a suficiência exigida não sobrevive. É a lei da selva, que determina a sobrevivência do mais apto; a seleção natural a que se referia Charles Darwin.

Para vencer essa guerra, o recurso fundamental é o lucro máximo, o que pode ser sinônimo de maior exploração, seja do trabalhador, seja do consumidor. Claro que não é tão simples assim, porque, hoje em dia, os trabalhadores também dispõem de meios para se defender. Não obstante, na Coreia do Sul, hoje um dos países capitalistas mais florescentes, a quantidade de trabalhadores que se suicida é espantosa. A pergunta a fazer é: por que se matam? Certamente porque não são felizes naquele paraíso capitalista.

E não é porque todo o empresário capitalista seja por definição explorador e cruel. Nada disso. Na verdade, ele (a empresa) está voltado para tirar cada vez mais vantagem dos negócios que faz, e isso não apenas resulta em explorar os empregados --fazer com que o trabalhador produza mais ao menor custo possível-- como pode provocar desastres como a bolha imobiliária norte-americana, que levou a economia do país ao desastre, arrastando consigo o sistema bancário e o empresariado europeus.

Os estudiosos do assunto garantem que, a certa altura do processo, era possível antever o que inevitavelmente ocorreria, mas a aspiração ao lucro e tudo o mais que isso envolve não permitem parar. Não por acaso, as crises do capitalismo são cíclicas.

E o mais louco de tudo isso é que o capitalista individualmente pode acumular bilhões de dólares em sua conta bancária. Mas de que lhe serve tanto dinheiro? Quem necessita de bilhões de dólares para viver?

Ninguém precisa. Por isso, Bill Gates doou sua fortuna a uma entidade beneficente que trata de crianças com Aids e, depois disso, ele mesmo abandonou a direção de sua empresa para ir dirigir aquela entidade beneficente. 

Em seguida, convenceu outros capitalistas a fazerem o mesmo. É que ganhar dinheiro por ganhar dinheiro, a partir de certo ponto, perde o sentido.

O que o capitalismo tem de bom é que ele estimula a produção de riqueza e isso pode ajudar a melhorar a vida das pessoas, mas desde que não se perca a noção de que o sentido da vida é o outro.

UMA VIAGEM INESQUECÍVEL - Ferreira Gullar

O AVIÃO é o mais seguro dos meios de transportes, dizem, e eu admito, embora prefira viajar de automóvel.

É um problema psicológico, sem dúvida, mas que posso fazer? Quando o carro balança ou estremece, não me aflijo, pois sei que, estando no chão, não vai cair; mas, no avião, a 10 mil metros de altura, entro em pânico. Sei que não cai, mas não adianta sabê-lo -entro em pânico assim mesmo.

Fazia quase três anos que não viajava de avião, negando-me a aceitar qualquer convite que me obrigasse a isso. E tudo por causa de dois sustos seguidos, na ponte-aérea Rio-São Paulo.  

O primeiro deles, vinha para o Rio de noite e, pouco antes de chegarmos, o avião deu uma balançada tão brusca que fez gente gritar assustada; a impressão era de que íamos nos precipitar no chão, mas não aconteceu nada; quando o avião pousou, os passageiros bateram palmas, não sei se ao comandante ou à providência divina.  

Mas, recuperado do susto, desci as escadas do avião e senti pena do pessoal que, em fila, esperava para embarcar. Aliviava-me pensar que, só dali a um mês, teria que repetir aquela viagem.

Sucede que, para os assustados, um mês passa rápido, e assim foi que, quando dei por mim, estava de novo voando para São Paulo. Com 15 minutos de vôo, o comandante informou que o aeroporto de Congonhas estava fechado e assim me vi rodando sob a tempestade durante 20 minutos antes de conseguir pousar.  

Salvo do desastre, prometi a mim mesmo que nunca mais poria o pé dentro de um avião. Desde aquele dia, todas as vezes que viajei para São Paulo fui de carro e me dei bem.  O chofer apanhava-me à porta de casa e me deixava à porta do hotel. Além de viajar com a alma em paz, não tinha que enfrentar as filas e atrasos nos aeroportos. 

Cinco horas e meia de carro permitiam-me ler e escrever. Até um livro de poemas para crianças escrevi numa dessas viagens.

Anos se passaram, esqueci aqueles sustos e, talvez por isso, aceitei o convite para ir à Espanha fazer conferências e leituras de poemas. Isso foi bem antes da tragédia de Congonhas.  Cláudia, que gosta de viajar e não tem medo de avião, achou ótimo e, assim, irresponsavelmente, deixei-me encantar pela possibilidade de rever Madri e, finalmente, conhecer Sevilha e Santiago de Compostela. 

Além do mais, ficaríamos na Residencia de los Estudiantes, onde residiram García Lorca, Juan Ramón Jiménez e Rafael Alberti.  Embalado em sonhos, vi aproximar-se a data em que voaria para terras da Espanha. É certo que, em alguns momentos, acudia-me a pergunta: "E você vai estar dentro de um avião durante dez horas ininterruptas?". Estremecia de medo, mas desviava o pensamento, já que, àquela altura, não poderia voltar atrás.

E foi assim que, certa tarde de maio, Cláudia e eu, arrastando maletas, chegamos ao Aeroporto Internacional Tom Jobim: embarcaríamos às 21h30.

Logo nos deparamos com uma fila enorme de passageiros que tomariam o mesmo avião. Sem muita demora, o alto-falante anunciou que o nosso vôo para Madri atrasaria cerca de uma hora.

Começou a encrenca, disse a mim mesmo, e seguimos para o restaurante a fim de gastarmos o tempo. Estava lotado mas, por sorte, logo conseguimos sentar.  E ali ficamos, à espera da chamada para o embarque, cujo atraso já se aproximava das duas horas. "Para que me meti nisto?", me perguntava eu, já dentro do avião, que não se movia.  

Finalmente, uma voz informou, em espanhol, que deveríamos esperar mais uma hora, aguardando autorização das autoridades brasileiras.

Afinal, decolamos. Meu relógio marcava meia-noite e meia, três horas de atraso. Agora, devíamos subir pela costa brasileira, cruzar o Atlântico, passar pelo norte da África, transpor o Mediterrâneo e chegar a Madri. Após o jantar, as luzes do avião se apagaram e iniciou-se a mais longa noite de minha vida, dentro de uma espécie de torpedo voador que estremecia a cada instante.  

Das dez horas de viagem, seis foram de turbulências. Afinal, o avião pousou e eu, zonzo de sono, fui esperar pelas bagagens.

Os dias que se seguiram foram confortadores e inesquecíveis. Ganhamos novos amigos, tanto espanhóis como brasileiros, que nos fizeram olhar a Espanha de uma nova maneira.  

Só que, de vez em quando, num relance, dizia a mim mesmo: "O diabo é ter que entrar naquele avião rumo aos caos aéreo brasileiro". E eu ainda não conhecia a opinião do presidente da Infraero: "Avião que não cai é o que está no chão".  

Pois é, no chão ficarei.

FERREIRA GULLAR - Com saudade e com afeto



Não alcançava o nível das crônicas que o Rubem Braga escrevia 
e que fizeram dele um mestre do gênero.

Conheci Rubem Braga na revista "Manchete", em 1955, quando lá trabalhei como redator. Aliás, ali conheci muita gente, a começar por Otto Lara Resende, seu diretor, que me chamou para lá, onde trabalhavam Armando Nogueira, Darwin Brandão, Borjalo e, depois, Janio de Freitas e Amilcar de Castro.

Não por acaso, logo se tornou a melhor revista do Brasil. Rubem, como Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, era colaborador, escrevia uma crônica por semana.

Fui para lá por indicação de Millôr Fernandes, meu companheiro de praia em Ipanema, ao saber que tinha sido demitido de "O Cruzeiro".

Como não havia vaga de redator, Otto me pôs provisoriamente como revisor, mas, para Adolpho Bloch, dono da revista, eu não era mais do que isso. Tanto assim que, quando Otto me passou a redator, criou-se um problema: "Ele não é redator, Otto, é revisor!". E Otto: "Não fala besteira, Adolpho, Gullar é um poeta, escreve muito bem".

Ele se calou, mas não se convenceu. Acontece, porém, que Rubem Braga, por alguma razão, não mandou a crônica da semana e Otto me pediu que a escrevesse em lugar dele. Aí entra Adolpho na Redação: "Otto, esse Rubem é um gênio. Viu que bela crônica escreveu nesta semana?". Armando e Borjalo logo se aproximaram para ouvir os elogios.

E Otto: "Quer dizer que a crônica do Rubem desta semana é uma maravilha?". "Pode dizer a ele que adorei!"."Acontece, Adolpho -disse Otto- que o autor dessa crônica não é Rubem Braga, é o Gullar."

Adolpho amarelou: - Você está de gozação comigo!

- Então pergunta ao pessoal aí.

- É verdade, Adolpho, quem escreveu a crônica foi o Gullar -garantiu Armando.

- Vocês estão querendo me sacanear! -alegou Adolpho, saindo da Redação, com um gesto obsceno.

- Aqui pra vocês, oh!

Mas não me tornei logo amigo de Rubem Braga, que pertencia à turma do uísque e eu à do chope. Naquela época, eu morava num quarto de pensão, no Catete, com Oliveira Bastos e Carlinhos Oliveira, que era espírito-santense como Rubem, e seu fã. Embora nunca tivesse grana para completar o aluguel do quarto, passava as noites tomando uísque com ele, Tom Jobim e Fernando Sabino. Viria a ser também um ótimo cronista.

Estive algumas vezes na cobertura de Rubem, ali na Barão da Torre. Numa dessas vezes, foi para encontrar com o poeta Pablo Neruda, que passava pelo Rio. Ao final do encontro, convidei-o a assistir à peça "Dr. Getúlio, Sua Vida, Sua Glória", do Dias Gomes e minha, no Teatro Opinião. Ele foi em companhia de Rubem, que o ajudou no esclarecimento de certos detalhes da peça.

No final, ele aplaudiu de pé e foi me agradecer o convite: "Agora, conheço melhor o Brasil", exagerou ele. Pouco tempo depois, embora não mexesse com teatro, escreveu uma peça, não sei se levado pelo entusiasmo daquela noite.

Outro convite do Rubem foi para encontrar com Gabriel García Márquez. A conversa estava animada, quando chegou um convidado que só me conhecia de nome.

- Você é o poeta Ferreira Gullar?

- Às vezes -respondi eu, para a risadaria geral. García Márquez quis saber o motivo dos risos e eu então lhe expliquei: - Respondi "às vezes" porque meu nome mesmo não é Ferreira Gullar, mas José de Ribamar Ferreira e, também, porque não sou poeta 24 horas por dia. Só às vezes.

Ele gostou da minha tirada, tanto que, pouco depois, ao falar a um jornal mexicano, a contou, mas atribuindo-a a Jorge Luis Borges.

Quem me informou disso foi Leon Hirszman, que também esteve na casa de Rubem naquela noite. Estava desapontado. Entendi: a tirada era boa demais para ser atribuída a um desconhecido.

Adolpho, ao elogiar a crônica que escrevi com o nome do Rubem Braga, estava mais uma vez equivocado. Era apenas interessante, não alcançava o nível das crônicas que o Rubem escrevia e fizeram dele um mestre do gênero na imprensa brasileira.

Agora, ao falar dele aqui, quando se comemora seu centenário de nascimento, lembro-me de uma linda crônica sua que começa assim: "Vieram alguns amigos. Um trouxe bebida, outros trouxeram bocas. Um trouxe cigarros, outro apenas um pulmão. Um deitou-se na rede e outro telefonava. E Joaquina, de mão no queixo, olhando o céu, era quem mais fazia: fazia olhos azuis".

FERREIRA GULLAR - Repressão e preconceito



VAMOS FALAR a verdade: a sociedade em que vivemos é pura repressão. Já foi pior, claro, muito pior. Houve tempo em que as mulheres não podiam mostrar nem o pé, quanto mais as coxas ou a barriguinha, como mostram hoje. Naquela época, os homens apenas imaginavam como seria o corpo da mulher com quem iam se casar. Hoje, podem vê-lo inteiro, da barriga às nádegas, com exceção talvez do púbis. Por que a repressão? Por mero preconceito, pelo propósito moralista que tomou conta da sociedade.

Não nascemos nus? Por que então temos de andar cobertos de roupas, que nos escondem o corpo? Disse que hoje as mulheres mostram quase tudo, mas isso na praia, porque, fora de lá, escondem quase tudo. Claro, não como antigamente, quando tinham que se cobrir de saias e mais saias, blusas e corpetes.

E os homens? Esses, coitados, tendo que imitar os hábitos europeus, sufocavam dentro de roupas pesadas, paletós e coletes. O calor insuportável terminou por obrigá-los a aliviar a vestimenta, mas, até hoje, homem que se respeita usa paletó e gravata. Às vezes, alguns tiram a gravata, mas dificilmente tiram o paletó, a camisa, as calças; a cueca, então, nem pensar. Por que não podemos andar nus como os índios? Não nascemos nus? Nos países frios, no inverno, admito, não dá para abandonar as roupas, mas, nos trópicos, as roupas são a expressão dos preconceitos morais e da repressão religiosa. Os únicos que se aventuram a ficar nus em pêlo são os nudistas, mas apenas em certas praias, e não por culpa deles; por culpa, sim, da hipocrisia social que obrigaria a polícia a prendê-los. Por que não se pode entrar nu num banco, já que obscenidades maiores são lá praticadas com permissão da lei?

A verdade é que a repressão está presente em todos os momentos de nossa vida. E de tal modo introjetou-se em nós que, quase automaticamente, vamos impondo-a sobre cada pessoa, mal começa a entender as coisas. Não pode pôr a mão na boca, o dedo no nariz, juntar a chupeta do chão e chupá-la, trepar na cadeira de balanço, aproximar-se do fogão, brincar com faca e tesoura, chupar bola de gude. Não pode nada, nada! Além disso, tem de obedecer aos mais velhos -mesmo os que tenham mais de 30 anos-, aturar as gaiatices dos irmãos, apanhar sem revidar etc. 

Em seguida, vem a fase escolar, que nos obriga a soletrar, decorar, aprender a ler, a escrever, a contar, a dividir, a multiplicar. Ou seja, o sujeitinho que nasce livre é transformado em outra pessoa, metido numa camisa de força, engessado, robotizado. E se se rebela, paga caro; conforme seja, cortam-lhe a mesada; se insiste, termina internado ou preso, vira bandido. E depois reclamam que o cara virou bandido! Se ele gosta de birita, maconha, cocaína, crack ou ecstasy, é problema dele. 

Mas não, pai, mãe, polícia, a sociedade inteira se volta contra ele. E depois ainda se tem o desplante de afirmar que vivemos numa democracia. Como democracia, se o cara tem que se sujeitar às imposições sociais? Por quê? Se o cara cheira, fica doidão e sai assaltando os caretas, é problema dele. O assaltado que se vire. Eu gostaria de saber por que esse preconceito contra quem gosta de drogas. 

Não tem gente que gosta de alpinismo, de asa-delta, de mascar chiclete, comer chocolate, malhar na academia? E então? Cada um nasce com suas manias e preferências, que devem ser respeitadas pelos demais, do contrário não se pode falar que vivemos numa sociedade que respeita os direitos dos cidadãos.

A verdade é que não respeita. Nem o poderia, uma vez que quase nunca as normas sociais coincidem com as necessidades e desejos das pessoas. Por exemplo, se o cara tem preferências sexuais, que escapam ao que se chama de normalidade, está sujeito, conforme o caso, a condenações judiciais ou até linchamento por parte dos fanáticos defensores daquelas normas. Se o sujeito nasceu pedófilo, por que sua preferência sexual é considerada crime? Por que punir alguém que apenas obedece a impulsos inatos que lhe são impostos pela natureza?

Está tudo muito errado. Por razões que ignoro -mas que refuto liminarmente-, os homens escolheram reprimir seus desejos mais genuínos e seu modo espontâneo de vida em função de normas, disciplina, valores que, como observou Nietzsche, só favorecem os fracos e covardes. Só esses necessitam de leis repressoras para compensar a natural superioridade dos fortes.
Agora, se alguém me pergunta se permito que defequem em minha sala e não no vaso do banheiro, respondo que devem fazê-lo no vaso. E que deem a descarga, certo?

FERREIRA GULLAR - Presença de Clarice

MEU primeiro encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance "O Lustre", que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.

Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no "Jornal do Brasil", durante uma visita que fez à redação do "Suplemento Dominical". Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista "Fatos e Fotos", para a qual colaborava naquela época.
Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.
-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.
-Quer dizer que eu "era" linda?
-E ainda é, apressei-me em afirmar..
Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.
Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.
-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?
-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.
Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem...

Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: "Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa". E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.
Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: "Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava". Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.

Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: "Clarice Lispector morreu". De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?

Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.

Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: "Quando não escrevo, estou morta".

FERREIRA GULLAR - Punir o culpado pega mal

A criminalidade cresce a cada dia e parece fugir 
do controle dos órgãos encarregados de detê-la.

Estar, hoje, a mais alta corte de Justiça do país, julgando um processo que envolve algumas importantes figuras do mundo político nacional é um fato de enorme significação para o país.

É verdade que esse processo estava há sete anos esperando julgamento e que muitas tentativas foram feitas para inviabilizá-lo. Até o último momento, no dia mesmo em que teve início o julgamento, tentou-se uma manobra que o suspenderia, desmembrando-o em dezenas de processos sujeitos a recursos e protelações que inviabilizariam qualquer punição dos réus.

Mas a proposta foi rechaçada e, assim, o julgamento prossegue. Se os culpados serão efetivamente punidos, não se pode garantir, uma vez que os mais famosos e sagazes advogados do país foram contratados para defendê-los. Além disso, como se sabe, punição, no Brasil, é coisa rara, especialmente quando se trata de gente importante.

E é sobre isso que gostaria de falar, porque, como é do conhecimento geral, poucos são os criminosos condenados e, quando o são, nem sempre a pena corresponde à gravidade do crime cometido. Sei que estou generalizando, mas sei também que, ao fazê-lo, expresso o sentimento de grande parte da sociedade, que se sente acuada, assustada e, de modo geral, não confia na Justiça. Nem na polícia.

Agora mesmo, uma pesquisa feita pelo Datafolha deixou isso evidente. Embora 73% dos entrevistados achem que os réus do mensalão devem ser condenados, apenas 11% acreditam que eles sejam mandados para a cadeia.

E é natural que pensem assim, uma vez que a criminalidade cresce a cada dia e parece fugir do controle dos órgãos encarregados de detê-la e combatê-la.

Outro dia, um delegado de polícia veio a público manifestar sua revolta em face das decisões judiciais que mandam soltar criminosos, poucas horas depois de terem sido presos em flagrante, assaltando residências e ameaçando a vida dos cidadãos. Parece que uma boa parte dos juízes pensa como um deles que, interpelado por tratar criminosos com benevolência, respondeu que "a sociedade não tem que se vingar dos acusados".

Entendo o delegado. Mas pior que alguns juízes é a própria lei. Inventaram que marmanjos de 16, 17 anos de idade, que assaltam e matam, não sabem o que fazem. Lembro-me de um deles que, após praticar seu oitavo homicídio, ouviu de um repórter: "Ano que vem você completa 18 anos, vai deixar de ser de menor". E ele respondeu: "Pois é, tenho que aproveitar o tempo que me resta".

Todo mundo sabe que os chefes de gangues usam menores para eliminar seus rivais. São internados em casas de recuperação que não recuperam ninguém e donde fogem ou recebem permissão para se ressocializar junto à família. Saem e não voltam. Meses, anos depois, são presos de novo porque assaltaram ou mataram alguém. E começa tudo de novo.

Mas isso não vale só para os menores de idade. Criminosos adultos, reincidentes no crime, condenados que sejam, logo desfrutam do direito à prisão semiaberta, que lhes permite só dormir no presídio.

Há algumas semanas, descobriu-se que dezenas desses presos, da penitenciária de Bangu, no Rio, traziam drogas para vender na penitenciária. E tudo articulado com o uso de telefones celulares, de que dispõem à vontade, inclusive para chantagear cidadãos forjando falsos sequestros. Com frequência, ao prender assaltantes, a polícia constata que se trata de criminosos que cumpriam pena e que, graças ao direito de visitar a família no Dia das Mães, das tias ou das avós, saem e retornam, não à prisão, mas à prática do crime.

Esses fatos se repetem a cada dia, com o conhecimento de todo mundo, especialmente dos responsáveis pela aplicação da Justiça, mas nada é feito para evitá-los ou sequer reduzi-los.
A impressão que se tem é que tomou conta do sistema judiciário uma visão equivocada, segundo a qual o crime é provocado pela desigualdade social e, sendo assim, o criminoso, em vez de culpado, é vítima. Puni-lo seria cometer uma dupla injustiça.

O que essa teoria não explica é por que, havendo no Brasil cerca de 50 milhões de pobres, não há sequer 1 milhão de bandidos. Isso sem falar naqueles que de pobres não têm nada, moram em mansões de luxo e mandam no país.

FERREIRA GULLAR - Amar o perdido

 
O menino, hoje um senhor idoso, não esquece o dia 
em que sua moeda caiu pela fresta do assoalho e sumiu.
O quintal, relativamente grande, ficava ao lado da casa e ao fundo das casas vizinhas, de muro baixo. Rente ao muro estavam as bananeiras, onde ele e suas irmãs se embrenhavam, brincando de esconde-esconde. Do lado do quintal, havia uma pitangueira e uma mangueira, cujos ramos se estendiam sobre a cerca que limitava com a residência de um coronel do Exército.
O resto do quintal era coberto de mato-burro, um tipo de vegetação que chegava à cintura dele e encobria a irmãzinha menor. Ali, certo dia, descobriu um ninho cheio de ovos da galinha-d'angola que, com seu parceiro, habitava o lugar.
Mas, atravessando um pequeno portão, ao lado da casa, chegava-se a um quintal menor, de terra batida, sem vegetação, limitado, de um lado pela casinhola do banheiro e, de outro, pela varanda que se estendia até a sala de jantar. À esquerda, ficava o muro coberto de um musgo verde brilhante.
Este quintal menor era o domínio de um galo de crista vermelha e penas marrons, que caminhava garboso, exibindo suas esporas e observando com aqueles olhos redondos, especialmente as quatro galinhas que constituíam sua corte.
Além delas, havia ali um frango, de penugem incipiente, que às vezes se atrevia a cantar de galo e era logo reprimido pelo rei do terreiro, que partia para cima dele a bicadas. O menino, que simpatizava com o frango, intervinha na briga e evitava a agressão.
A família era, no total, dez pessoas, o pai, a mãe e sete filhos (entre meninas e meninos) e uma tia da mãe, que cuidava da casa. O pai, comerciante ambulante, um dia apareceu na casa com um animal esquisito, que parecia um bezerro, mas não era, pois, além do mais, tinha o focinho dividido em dois. Era uma anta.
A mãe, ao ver aquele animal estranho no quintal, ficou perplexa. "Que diabo de bicho é esse que você trouxe para nossa casa?", perguntou ela. Ele respondeu que o tomara de um sujeito que lhe devia dinheiro e não pagara. "E você acha que alguém vai comprar um bicho esquisito como esse, de dois focinhos, e que não serve para nada?", ela perguntou.
As crianças da vizinhança subiam no muro para espiar o animal. Os adultos chegavam até o portão, espiavam e saíam rindo e fazendo troça. A mãe deu um ultimato ao marido: ou ela ou a anta. Ele então decidiu levar a anta não se sabe para onde. Quando subiu a rua, puxando-a pelo cabresto, a molecada o seguiu, gritando e rindo, muito excitada.
A casa era grande, tinha vários quartos, todos assoalhados. Assoalhos antigos, de tábuas corridas, debaixo das quais, às vezes, surgiam ratos, que ali se metiam pela fresta de alguma tábua apodrecida. Se saíam, eram perseguidos pelos gatos que habitavam a casa.
Exceto os pais, que dormiam numa cama de casal, todos os demais dormiam em redes armadas nos cantos dos quartos e, nessas redes, se embalavam, às vezes cantarolando, às vezes disputando lugar com um ou outro irmão. Com frequência, algum deles se estatelava no chão e saía chorando a procurar a mãe, para se queixar.
Faz muitos e muitos anos que isso aconteceu, embora a casa ainda exista e os assoalhos de tábuas corridas tenham sido substituídos por piso de cimento. Nem o pai nem a mãe existem mais. As meninas e os meninos cresceram, foram cada um inventar sua própria vida: casaram-se, tiveram filhos e netos e alguns mudaram até mesmo de cidade. Uns poucos continuam na mesma casa, cujo quintal foi vendido para uma família, que ali construiu sua casa.
O menino, que hoje é um senhor idoso, não esquece o dia em que uma moeda sua caiu pela fresta do assoalho e sumiu. Ele não se conformou. Com um pé de cabra, arrancou uma das tábuas que estava quase solta e mergulhou debaixo do assoalho. Teve uma surpresa: foi como se tivesse passado a outro planeta, já que o chão, ali embaixo, era como um talco negro, em que seus pés afundaram até os tornozelos.
Em pânico, conseguiu escapar daquele solo de pó, onde sua pequena moeda se perdera para sempre. Mas, pelo resto da vida, de quando em vez, em sonho, voltava, em prantos, àquele território lunar em busca da pequena moeda para sempre perdida.

FERREIRA GULLAR - Toda arte é atual

 
         O realismo não é chato só nas artes plásticas; 
não se faz arte para imitar a vida, mas sim para inventá-la.

Peço que o leitor me desculpe se ando escrevendo demais sobre artes plásticas. É que, ligado a elas como sou, de vez em quando me pego refletindo sobre o assunto. Foi o que ocorreu há pouco, quando visitei a exposição de Eliseu Visconti, no Museu Nacional de Belas Artes.

Estava apenas esperando uma oportunidade para ir vê-la, desde que recebi o convite para o vernissage: ele trazia a reprodução de um retrato pintado pelo artista, que sempre me fascina quando o vejo. Assim que, logo que pude, fui ao

MNBA e não me arrependi. Pelo contrário, vi confirmada minha convicção de que Visconti, embora nascido na Itália, é um dos maiores pintores brasileiros.

A exposição reuniu obras do acervo do museu, da Pinacoteca do Estado de São Paulo e de coleções particulares. Embora esteja longe de ser completa, nos deu uma visão bastante ampla da obra do artista em suas diferentes fases. Nas pinturas mais antigas, do final do século 19, ele se mostra um pintor realista, que é a fase menos interessante de sua obra.

Não por culpa sua, pois já ali se mostra um excelente pintor, pela composição, a qualidade do desenho e domínio da linguagem pictórica propriamente dita. O defeito está no caráter realista das obras. Pode ser apenas, no que me diz respeito, uma questão de gosto, mas o que ocorre é que a preocupação com a cópia fiel das figuras torna a pintura menos fascinante, ao trocar a imaginação criativa e poética pela fidelidade ao real.

A verdade é que há muitos tipos de realismo pictórico e que, também aí, pesam certas qualidades do artista. Velásquez, por exemplo, era um barroco realista e, em algumas obras, não alcançou a transcendência poética. Não é o caso, obviamente, da obra-prima "As Meninas", porque, nesse quadro, apesar do realismo das figuras, a relação espaço-tempo que ele estabeleceu ali supera a imitação realista: é que ele nos mostra, a um só tempo, as figuras que pintara, como se fossem os modelos do que ainda estaria pintando na tela, cujo avesso nos é mostrado ali.

Mas o realismo não é chato apenas nas artes plásticas; ele o é também na literatura. Pelo menos para mim, pois acho que não se faz arte para imitar a vida, e sim para inventá-la. A realidade é pouca.
Por isso mesmo, a pintura de Eliseu Visconti ganha qualidade à medida em que abandona o procedimento acadêmico -iminentemente imitativo- para abrir-se ao impressionismo, que em seus quadros adquire uma poética própria. Inicialmente, há uma fase de passagem do estilo realista, que busca a imitação da realidade, a uma linguagem pré-impressionista, em que, aos poucos, um uso novo da cor e da luz se manifesta.

Como se sabe, o impressionismo nasce quando o pintor deixa de pintar dentro de casa -ou no ateliê- para pintar "à pleine aire", ou seja, à luz do dia. A relação de sombra e luz é substituída pela cor irradiante, nascida da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. Isso durante etapa desse movimento pictórico, porque, no final, algumas das obras de Monet (como "Nenúfares") já estão impregnadas da subjetividade simbolista.

Pois bem, a esse simbolismo se vinculará a pintura de Visconti na etapa áurea de sua obra, que se estenderá até 1944, ano de sua morte. Nesta última fase, o pontilhismo impressionista se muda em pinceladas mais amplas. Visconti é quem faz a transição, na pintura brasileira, do academicismo do final do século 19 ao modernismo, que nasce, historicamente, com Anita Malfatti na exposição que fez em 1919, em São Paulo.

Não quero terminar este registro sem mencionar uma observação que fiz, alguns anos atrás, quando reuniram obras de pintores brasileiros do modernismo e da etapa imediatamente anterior. Ali estava uma obra de Eliseu Visconti e o conhecido autorretrato de Tarsila do Amaral. Embora seja eu fã de nossa pintora modernista, não pude deixar de reconhecer a diferença de qualidade artística entre as duas obras. O quadro de Visconti ali exposto, comparado ao de Tarsila, era indiscutivelmente melhor.

Não se trata aqui de diminuir a importância de Tarsila que, naquele momento, abria um caminho novo para nossa pintura. Mas não se deve confundir o papel histórico com valor estético. Como disse Picasso, toda arte é atual.

FERREIRA GULLAR - Amar o perdido

O menino, hoje um senhor idoso, não esquece o dia em que sua moeda caiu pela fresta do assoalho e sumiu.

O quintal, relativamente grande, ficava ao lado da casa e ao fundo das casas vizinhas, de muro baixo. Rente ao muro estavam as bananeiras, onde ele e suas irmãs se embrenhavam, brincando de esconde-esconde. Do lado do quintal, havia uma pitangueira e uma mangueira, cujos ramos se estendiam sobre a cerca que limitava com a residência de um coronel do Exército.

O resto do quintal era coberto de mato-burro, um tipo de vegetação que chegava à cintura dele e encobria a irmãzinha menor. Ali, certo dia, descobriu um ninho cheio de ovos da galinha-d'angola que, com seu parceiro, habitava o lugar.

Mas, atravessando um pequeno portão, ao lado da casa, chegava-se a um quintal menor, de terra batida, sem vegetação, limitado, de um lado pela casinhola do banheiro e, de outro, pela varanda que se estendia até a sala de jantar. À esquerda, ficava o muro coberto de um musgo verde brilhante.
Este quintal menor era o domínio de um galo de crista vermelha e penas marrons, que caminhava garboso, exibindo suas esporas e observando com aqueles olhos redondos, especialmente as quatro galinhas que constituíam sua corte.

Além delas, havia ali um frango, de penugem incipiente, que às vezes se atrevia a cantar de galo e era logo reprimido pelo rei do terreiro, que partia para cima dele a bicadas. O menino, que simpatizava com o frango, intervinha na briga e evitava a agressão.

A família era, no total, dez pessoas, o pai, a mãe e sete filhos (entre meninas e meninos) e uma tia da mãe, que cuidava da casa. O pai, comerciante ambulante, um dia apareceu na casa com um animal esquisito, que parecia um bezerro, mas não era, pois, além do mais, tinha o focinho dividido em dois. Era uma anta.

A mãe, ao ver aquele animal estranho no quintal, ficou perplexa. "Que diabo de bicho é esse que você trouxe para nossa casa?", perguntou ela. Ele respondeu que o tomara de um sujeito que lhe devia dinheiro e não pagara. "E você acha que alguém vai comprar um bicho esquisito como esse, de dois focinhos, e que não serve para nada?", ela perguntou.

As crianças da vizinhança subiam no muro para espiar o animal. Os adultos chegavam até o portão, espiavam e saíam rindo e fazendo troça. A mãe deu um ultimato ao marido: ou ela ou a anta. Ele então decidiu levar a anta não se sabe para onde. Quando subiu a rua, puxando-a pelo cabresto, a molecada o seguiu, gritando e rindo, muito excitada.

A casa era grande, tinha vários quartos, todos assoalhados. Assoalhos antigos, de tábuas corridas, debaixo das quais, às vezes, surgiam ratos, que ali se metiam pela fresta de alguma tábua apodrecida. Se saíam, eram perseguidos pelos gatos que habitavam a casa.

Exceto os pais, que dormiam numa cama de casal, todos os demais dormiam em redes armadas nos cantos dos quartos e, nessas redes, se embalavam, às vezes cantarolando, às vezes disputando lugar com um ou outro irmão. Com frequência, algum deles se estatelava no chão e saía chorando a procurar a mãe, para se queixar.

Faz muitos e muitos anos que isso aconteceu, embora a casa ainda exista e os assoalhos de tábuas corridas tenham sido substituídos por piso de cimento. Nem o pai nem a mãe existem mais. As meninas e os meninos cresceram, foram cada um inventar sua própria vida: casaram-se, tiveram filhos e netos e alguns mudaram até mesmo de cidade. Uns poucos continuam na mesma casa, cujo quintal foi vendido para uma família, que ali construiu sua casa.

O menino, que hoje é um senhor idoso, não esquece o dia em que uma moeda sua caiu pela fresta do assoalho e sumiu. Ele não se conformou. Com um pé de cabra, arrancou uma das tábuas que estava quase solta e mergulhou debaixo do assoalho. Teve uma surpresa: foi como se tivesse passado a outro planeta, já que o chão, ali embaixo, era como um talco negro, em que seus pés afundaram até os tornozelos.

Em pânico, conseguiu escapar daquele solo de pó, onde sua pequena moeda se perdera para sempre. Mas, pelo resto da vida, de quando em vez, em sonho, voltava, em prantos, àquele território lunar em busca da pequena moeda para sempre perdida.

FERREIRA GULLAR - Presença de CLARICE

MEU primeiro encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance "O Lustre", que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.

Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no "Jornal do Brasil", durante uma visita que fez à redação do "Suplemento Dominical". Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista "Fatos e Fotos", para a qual colaborava naquela época.

Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.
-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.
-Quer dizer que eu "era" linda?
-E ainda é, apressei-me em afirmar...

Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.
Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.
-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?
-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.
Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem...

Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: "Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa". E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.
Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: "Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava". Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.

Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: "Clarice Lispector morreu". De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?

Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.

Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: "Quando não escrevo, estou morta".

Em compensação, quando a lemos, ressuscita.

FERREIRA GULLAR - Às vezes

Quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, 
eu respondo: "Às vezes"

Vou tratar hoje aqui de um assunto estritamente pessoal, mas na certeza de que, de uma maneira ou de outra, dirá respeito a muita gente: meu nome. E basta mencioná-lo para começar a confusão, já que são vários e, com frequência, escritos de maneira errada, a começar pelos bancos.

Explico: por mais que me empenhe, não consigo que, nos extratos, nos talões de cheque, venha escrito corretamente: em vez de José de Ribamar Ferreira, vem José Ribamar Ferreira. E isso já deu problema com o Imposto de Renda.

Ontem mesmo, ao receber novo talão de cheques, estava lá o Ribamar sem o "de".
A culpa, obviamente, é de meus pais que, dentre os muitos filhos que tiveram, escolheram logo a mim para o nome do santo mais popular da cidade de São Luís: São José de Ribamar.
No começo, não houve problema, já que em casa me chamavam de Zeca e, na rua, de Periquito. O problema apareceu quando me tornei poeta e passei a publicar poemas nos jornais.

Assinava-me Ribamar Ferreira e só então me dei conta de que muitos outros poetas eram, como eu, também Ribamar e o usavam com seu nome literário.
Não gostei, mas segui em frente, até que um poeta que assinava Ribamar Pereira publicou um poema ruim, em "O Imparcial", que saiu com meu nome.
Cioso de meu prestígio literário -praticamente inexistente-, vali-me da condição de locutor da rádio Timbira para avisar o público em geral de que o tal poema "As Monjas" não era da minha autoria e, sim, do senhor Ribamar Pereira.

A partir de então, decidi mudar de nome e passei a assinar Ferreira Gullar. É que um dos sobrenomes de minha mãe é Goulart e, eu, para evitar futuras coincidências, mudei-lhe a grafia, certo de que não haveria ninguém com nome semelhante em todo o planeta.
Disso me livrei, mas não de outros equívocos. Faz algumas semanas, recebi um jornal de uma pequena cidade do interior, anunciando a criação de um prêmio literário Ferreira Goulart. Agradeço, sinto-me honrado, mas desconfio de que exista algum espírito mau que se diverte em me sacanear.
Devo admitir, no entanto, que tenho alguma culpa nesse cartório, já que, ao longo da vida, adotei diversos nomes.

Por exemplo, quando estava na clandestinidade e precisava ganhar a vida, assinava artigos na imprensa alternativa com o nome de Frederico Marques (Frederico, de Engels; e Marques, de Marx), para enganar e sacanear a repressão.
Foi mais ou menos por essa época que o PCB me pediu que escrevesse um poema para a campanha pela libertação de Gregório Bezerra, e fiz um cordel, que intitulei "História de Um Valente" e assinei José Salgueiro (este, por ser o nome de minha escola de samba preferida).
Mas aí os militares invadiram minha casa à minha procura, prenderam a Thereza, depois soltaram.
Decidimos que era melhor eu ir para a União Soviética até que o processo aberto contra mim fosse julgado.

Fui e lá, no Instituto Marxista-leninista, como todos os alunos eram clandestinos, tive de mudar de nome outra vez e passei a me chamar Cláudio.
Acontece que eu havia escrito, com Vianinha, o roteiro do filme "Em Família", que foi então premiado no festival de Moscou.
E tive que assistir à exibição, no auditório do instituto, desse filme, sem poder dizer a ninguém que aquele Ferreira Gullar que aparecia nos créditos era eu. Fiquei rindo para mim mesmo, no escuro.

De Moscou, fui para Santiago do Chile; de lá, para Lima e depois para Buenos Aires, onde vivi os derradeiros anos de meu exílio.
Naqueles países, não precisei usar de nome falso. Finalmente, voltei para casa, fui preso por alguns dias, mas logo me deixaram em paz.
Como tinha sido pelo Superior Tribunal Militar, pedi, apenas por precaução, uma cópia da sentença de absolvição e, para minha surpresa, o José de Ribamar absolvido não era eu, era outro.

É confusão demais, não acha?
E outro dia, ia eu pelo calçadão da avenida Atlântica quando alguns jovens se aproximam de mim.
-É o Goulart de Andrade!
-Nada disso. É o Paulo Goulart!
Por essa e outras é que, quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, respondo: - "Às vezes".

FERREIRA GULLAR - Num outrora agora

Meus olhos se enchem d'água e o passado me invade. 
É perda, mas, ao mesmo tempo, alegria.

"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..." Assim começa o samba "Garota de Ipanema", uma das obras-primas da bossa nova. Consta que esse samba nasceu no bar Veloso, que hoje tem o nome da música e fica na esquina da Prudente de Morais com a antiga Montenegro, chamada agora Vinicius de Moraes.
Pois bem, naquela época eu morava ali mesmo na rua Montenegro, quase em frente ao Veloso e também, como os demais moradores do bairro, com barraca e cadeira de praia, fazia o mesmo percurso a caminho do mar.

Mas, naquela época, minha turma não era a da música, e sim a das artes plásticas, cuja nova bossa era, então, o concretismo, que tinha seu quartel-general ali perto, na Visconde de Pirajá, entre a Montenegro e a Farme de Amoedo, no apartamento de Mário Pedrosa. Ali se reuniam, quase toda semana, Ivan Serpa, Lygia Clark, Aluísio Carvão, Amilcar de Castro, Lygia Pape, Abraham Palatnik, Franz Weissmann...
Se a bossa nova resultava numa ruptura com a música popular em voga, em que imperavam o bolero e o dó de peito, o concretismo rompia com a tradição modernista nas artes plásticas, cujo principal expoente, na época, era Portinari.

Se se leva em conta que a pintura deste tratava de temas históricos e sociais, o concretismo, limitando-se a composições geométricas, era, como a bossa nova, um modo também de falar baixo.

De qualquer modo, vivíamos uma época de mudanças, tanto assim que, em 1955, se elege um presidente da República bossa nova, Juscelino Kubitschek, que decide construir uma nova capital para o Brasil e chama Oscar Niemeyer para inventar Brasília.

Mas as mudanças não ficaram no terreno das artes. Avançaram para o campo político-ideológico, com a luta pela reforma agrária e contra o imperialismo norte-americano. Cria-se o CPC da UNE, que se volta para a música dos subúrbios e se envolve com as escolas de samba. Mais tarde, após o golpe de 1964 e a criação do teatro Opinião -que era o CPC com outro nome-, o samba das escolas invade a zona sul do Rio.
Já então me afastara do concretismo, do neoconcretismo e mergulhara na luta política e na poesia social. Vinicius se junta aos jovens baianos e faz um show em nosso teatro. Tornamo-nos amigos desde então e essa amizade vai nos juntar, durante meu exílio em Buenos Aires, aonde ele ia fazer shows e terminou se apaixonando por uma moça argentina, quase 30 anos mais nova que ele. E ainda teve a coragem de ir pedir-lhe a mão aos pais dela, bem mais jovens que ele.

Todas essas lembranças, tumultuadamente, tomavam-me a mente, enquanto assistia ao filme de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, "A Música Segundo Tom Jobim", feito a muitas mãos, inclusive as de Miúcha.

O filme começa com o "Samba do Avião" e estende-se num sobrevoo sobre a cidade: o aterro do Flamengo ainda em obras, a praia de Botafogo, passa pelo Pasmado, depois pelo Túnel Novo, desemboca na Princesa Isabel e eis que estou na entrada da Barata Ribeiro, percurso que faço até hoje, várias vezes por semana.
É o outrora agora, de que fala Fernando Pessoa. Meus olhos se enchem d'água e o passado inteiro me invade. É perda, mas, ao mesmo tempo, alegria, pois só a música é capaz de nos dar isso.

E mais vertigem está por vir e já sei que virá e espero que venha, o coração batendo forte. A cada aparição de Tom Jobim, ora jovem e lindo, ora já sessentão e charmoso, a imagem do talento e da doçura, que doce ele era, sempre pronto a reconhecer e valorizar o talento do outro. É o que o filme nos mostra, sem uma palavra, sem uma legenda, nas cenas que se sucedem sempre iluminadas por sua música.

Não por acaso, essa música encantou o mundo, seduziu cantores e instrumentistas de muitos países e muitas línguas, que a executam, diante de nós, visivelmente tomados por ela, sejam eles Frank Sinatra, Sarah Vaughan ou Dizzy Gillespie. Mas a emoção maior foi ver e ouvir de novo aquelas canções na voz de Elizeth, Maysa, Elis, Nara e Adriana. Senti falta de Astrid e João Gilberto, que não aparecem no filme.
Soube-se que ele é que não permitiu.

FERREIRA GULLAR - Sobre o amor

Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.
Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma COisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.
Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.
Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tUdo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.
Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda­roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tUdo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...
Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.

A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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