Quem
nunca teve preguiça que atire a primeira pedra. De onde vem a
preguiça que só de pensar nela ela já aparece? Se uns dizem que
são preguiçosos para estudar, ler ou trabalhar, outros dizem que
preguiça é “o que dá” diante de certas pessoas ou programas,
causas políticas e ecológicas cheias de discursos que se repetem ou
que exigem esforço. Em nossos tempos já se falou até de preguiça
do sexo. Se a preguiça é difícil de explicar, não é difícil de
entender que ela é reação a algo que, na falta de expressão
melhor, chateia. Pode ser causa, mas também efeito. Pode ser direito
e pode ser desculpa. Em qualquer caso, ela é sempre um mal estar.
Tal mal estar não é só ruim, pode também ser proteção contra o
excesso de trabalho, contra a super produtividade de cuja exigência
ninguém escapa na vida contemporânea. Mal compreendida a preguiça
pode ser só uma forma de violência passiva diante das urgências da
vida.
A
preguiça é um vício
Há
preguiça demais e pouca análise dos seus motivos. Até por
preguiça. Até parece a grande vitoriosa diante das possibilidades
da vida. A preguiça é redundante. Seu nome próprio é a vitória
sobre qualquer esforço, até o do pensamento que parece não exigir
força alguma. Mas por qual motivo?
Os
filósofos antigos se ocupavam da preguiça como um dos sintomas da
melancolia que compõe a pré-história da depressão atual. A
preguiça era falta de vontade de tudo e qualquer coisa. Na Idade
Média, São Tomás de Aquino tratou-a entre os vícios capitais que
se opunham às virtudes. Virtude, para o filósofo santo, era tudo
aquilo que dizia respeito à realização da natureza de algo. Por
exemplo: a virtude da faca é cortar, a virtude do homem é
raciocinar, a virtude do cão de guarda é guardar assim como a da
estante é suster livros. Neste sentido, mesmo sendo cristão, ele
pensava como os antigos gregos. Vício, por outro lado, era tudo o
que não alcançava seu próprio objetivo interno, era como perder-se
no meio do caminho: uma faca que não corta, um homem que não
raciocina, um cão que não guarda, etc. Mas por que algo deixaria de
fazer o que deve, ou deixaria de realizar o motivo pelo qual existe?
A
definição tomista de preguiça é importante ainda hoje: ela se
caracterizava como uma tristeza que impossibilitava a quem dela
padecia de agir para fazer o bem. A preguiça era um torpor do
espírito que impedia o indivíduo de agir. Não era a maldade, mas a
inatividade.
Não é
nenhum exagero a sua íntima relação com a cultura brasileira.
Quando Mario de Andrade escreveu seu Macunaíma não errou nem por um
segundo quanto ao sentido da preguiça que, como sério fator
cultural, nos assola desde sempre.
A
preguiça é a doença da ação
A
preguiça tem alvo. Sua arma é o abandono. Quando temos preguiça
tratamos nosso alvo como algo que simplesmente não nos interessa.
Abandonamos ou ficamos abandonados a nós mesmos. Pode-se ter
preguiça de conversar com amigos, mas também de educar os filhos,
de ensinar alunos, de informar um funcionário sobre seus erros ou
até acertos. A preguiça não vem do cansaço. É bom esclarecer que
cansado é aquele que fez ou tentou fazer, que exauriu forças e não
pode prosseguir por esgotamento. Esgotou uma força que havia.
Preguiçoso é quem nem tentou fazer, mas está impedido por um outro
motivo, o descaso. Em sua base está um desinteresse pelas coisas e
pelas pessoas que, sem cuidado, pode se transformar em falta de
respeito. O preguiçoso é aquele que esgota uma força que nunca
existiu, ele se cansa antes de ter começado como se estivesse doente
de uma curiosa incapacidade de agir.
Impotência
Se a
violência é destrutiva do poder como um dia comentou a filósofa da
política Hannah Arendt, podemos dizer que a preguiça também nega o
poder, mas não por contradizê-lo e sim por localizar-se onde ele
falta. A preguiça é o nome que se dá a uma forma de impotência, à
potência que não se realiza. O preguiçoso não é simplesmente
aquele que “não pode”, mas aquele que não tenta, não deseja e,
no limite, não se permite sair da inatividade na qual está lançado.
No fundo, o impotente é aquele que “poderia, mas não pode”.
Porém, é preciso lembrar que “não poder” também está ao
alcance de todo aquele que pode. Quem faz algo poderia sempre “não
ter feito nada”. O que nos ensina que fazer ou não fazer tem
relação direta com a possibilidade de escolha.
A
preguiça neste sentido não é o ócio, mas o seu momento negativo,
pejorativo. Assim como o negócio é a negação do ócio, mas num
sentido positivo, a preguiça é a negação do ócio num sentido
pejorativo. Por isso é possível dizer que a preguiça é
autoritária, porque ela é fechada, não deixa espaço para as
novidades da vida, para outros olhares, para a aceitação de novas
potências. Se há segredo em conviver com a preguiça nossa de todo
dia, ele está na possibilidade de saber sua diferença com o
descanso necessário ou a falta de desejo pela vida e suas
possibilidades. É muito bom não fazer nada quando isto é uma
escolha, mas não é nada bom ser escravo da própria impotência.