As
semanas que antecedem o Natal são de caixa de e-mails lotada: diversas
mensagens chegam, algumas bem alegres, outras com apelos um pouco
melodramáticos, em especial as que recrutam Jesus, o
aniversariante esquecido. De fato, vivemos numa época megaconsumista
e muitos não dão valor à data, mas a tragédia não é absoluta.
De
minha parte, não festejo o... aniversário de Jesus, mas nem por
isso minha casa se transforma num iglu habitado por abomináveis
corações de gelo. Me emociono, confraternizo, abraço, beijo e
brindo à paz, acreditando que essa abertura sincera para o afeto é
uma espécie de religião também.
Recentemente,
o escritor e filósofo suíço Alain de Botton esteve no Brasil
lançando Religião para Ateus, livro em que ele defende a tese de
que, mesmo sem acreditar em Deus, é possível ter fé. E mesmo sem
ter fé, é possível encontrar na religião elementos úteis e
consoladores que suavizam o dia-a-dia.
Botton
condena a hostilidade que há entre crentes e ateus, e diz que em vez
de atacar as religiões, é mais salutar aprender com elas, mesmo
quando não compactuamos com seu aspecto sobrenatural.
Não é
de hoje que admiro esse autor, e mais uma vez ele me empolga com sua
visão. Fui criada numa família católica, mas já na adolescência
minha espiritualidade se divorciou dos rituais de celebração, já
que deixei de acreditar em fatos bíblicos que me pareciam
implausíveis. Nem por isso fiquei órfã dos valores éticos que as
religiões pregam.
Solidariedade,
gentileza, tolerância, princípios morais, nada é furtado daqueles
que descartam a existência de Deus. Claro que, se não houver o
hábito constante da reflexão, podemos nos tornar materialistas
convictos e acabar exercendo a bondade só em datas especiais.
É
nesse ponto que Alain de Botton defende o lado prático e benéfico
das religiões: elas funcionam como lembretes sobre a importância de
nos introspectarmos e de fazermos a coisa certa todos os dias. Quem
prefere não buscar esses lembretes na igreja, pode buscar na arte,
no contato com a natureza ou onde quer que sua alma se revitalize.
Do que
concluo que é possível encontrar o sentido do Natal sem montar
presépio, sem assistir à missa do Galo e sem servilismo religioso.
Basta que sejamos uma pessoa do bem, consciente das nossas
responsabilidades coletivas e que passemos adiante a importância de
se ter uma conduta digna. Nós todos podemos ser os pequenos "deuses"
de nossos filhos, de nossos amigos e também de desconhecidos.
Dentro
desse conceito, posso afirmar que o Natal é frequente aqui em casa:
hoje, amanhã, depois de amanhã.
A diferença é que nos outros dias
estamos de moletom em vez de vestido de festa, e a ceia vira uma
torrada americana, mas o espírito mantém-se em constante estado de
alerta contra o vazio e a superficialidade da vida.
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