Contam os antigos que há muitos anos, antes mesmo do Eskibon e do Jajá de côco, quando Copacabana ainda era uma praia e não um deserto que acabava no mar, quando ainda havia os postos pintados de branco e calçadão era um sapato grande, um rapaz, um dia, encontrou uma concha à beira-mar.
Era no tempo em que ainda havia conchas, e não bisnagas de plástico, à beira-mar. Uma daquelas conchas grandes e retorcidas que você levava ao ouvido e ouvia o ruído do mar, mesmo que estivesse longe do mar. Mas o rapaz levou a concha ao ouvido e não ouviu o ruído do mar. Ouviu uma voz que dizia “Preto dezessete”.
Era um rapaz humilde mas ambicioso que morava numa vila de Botafogo e vinha a Copacabana de bonde sempre que podia. Estava estudando, com sacrifício. Não tinha dinheiro para jogar na roleta. Não tinha nem idade para entrar no Cassino da Urca. Mas toda vez que levava a concha ao ouvido ouvia o mesmo sussurro. “Preto dezessete”.
Guardou a concha em casa. Não deixava ninguém chegar perto dela, nem a mãe. Volta e meia, ia lá e botava a concha contra o ouvido. Para ter certeza de que não tinha sonhado que ela falava. E ouvia claramente: “Preto dezessete”.
Vendeu o que podia (e o que não podia) e com um terno emprestado que o fazia parecer mais velho tocou-se para a Urca. Foi aquela vez que o preto dezessete deu dezessete vezes seguidas. Voltou para casa - de táxi, pela primeira vez na vida - e colocou a concha sobre o ouvido, rindo sozinho.
Que número deveria jogar agora? A concha disse para ele aplicar o dinheiro na compra de uma casa em Copacabana, e deu o endereço. Ele conhecia a casa, das suas caminhadas na praia. Estava caindo aos pedaços. Mas a concha insistia. Ele então gastou todo o dinheiro da roleta na compra da casa. Dias depois, recebeu uma oferta de uma construtora pelo terreno. Três vezes o que ele tinha gasto na compra da casa. Aceitou, com uma condição. A cobertura do prédio seria dele. Conselho da concha.
Durante quatro, cinco anos, a concha administrou o seu dinheiro. Compra e venda de ações, jóias, imóveis, títulos de mineração. Aos poucos, sua fortuna foi crescendo. Ele tornou-se conhecido como gênio das finanças e playboy. Reinava sobre Copacabana da sua cobertura aberta ao mar.
Era visto em passeios solitários pela praia - só ele, seus dálmatas, algumas mulheres e o mordomo com o champanha - com seu talismã, a concha, encostada ao ouvido. De volta ao apartamento despachava telegramas para vários pontos do país e do mundo - isto foi antes do DDD - com ordens para comprar, vender, liquidar, multiplicar. Nunca errava. Não tinha assessores, não consultava ninguém, não lia nada, não trabalhava, apenas ouvia a sua concha e enriquecia. Um gênio, diziam todos.
Até que um dia encostou a concha no ouvido e ouviu a voz dizer:
- Vende tudo.
Vender tudo? Não podia ser. Deu uma sacudida na concha e voltou a encostá-la ao ouvido.
- Vende tudo.
Pela primeira vez, duvidou de um conselho da concha. Mas não a contrariou. Vendeu tudo. Não foi fácil, mas em poucas semanas tinha transformado todas as suas posses em dinheiro vivo e na mão. E então, de olhos arregalados, ouviu a concha dizer:
- Aposta tudo no Uruguai.
- No Uruguai?! Essa não.
Brasil e Uruguai decidiriam uma Copa do Mundo dali a dias no Maracanã. O Brasil não podia perder. Resolveu desobedecer a concha.
Depois disso, durante anos, a concha permaneceu em silêncio. Ele a colocava no ouvido e não ouvia nada. Nem o ruído do mar. Desorientado, aplicou mal seu dinheiro e em pouco tempo acabou sem nada. Tornou-se um vagabundo. Perambulava pela praia, com a concha apertada contra a barriga. Vivia de esmolas e, quando tinha sorte, tatuíras. Até que um dia resolveu atirar a concha de volta ao mar. Ela era um símbolo do seu azar. Levou-a ao ouvido pela última vez... e ouviu, de novo, a voz!
- Avestruz.
Avestruz! Roubou os óculos raiban que um americano deixara na praia para dar mergulho, vendeu e jogou no bicho. Foi aquela vez que deu avestruz dezessete vezes seguidas. Ele recomeçou sua ascensão. Terrenos. Títulos. Joint-ventures.
Aprendera sua lição. Seguia fielmente todas as recomendações da concha. Quando a concha disse para ele vender tudo e aplicar na Bolsa, ele nem piscou. Vendeu e aplicou. Quando a concha disse para ele liquidar suas ações e pular fora, rápido, mesmo com a Bolsa disparando, ele liquidou e pulou. No dia seguinte a Bolsa estourou e ele ficou com sua fortuna. E então a concha disse:
- Constrói um edifício.
E ele construiu. Na Avenida Atlântica, conforme instruções da concha. Com grandes janelas para o mar. Os apartamentos não tinham divisões. Eram enormes salas, altas, largas e ressonantes. Ele não entendeu, mas não discutiu. Os arquitetos e engenheiros também não entenderam.
- Sabe o que é que parece esse edifício? - disse um dos engenheiros. - Uma enorme caixa de som.
E quando o edifício estava pronto, ele colocou a concha no ouvido e ouviu ela dizer: “Som”.
Com o dinheiro que sobrara depois da construção, e seguindo minuciosas instruções da concha, ele comprou e instalou em todas as grandes salas do edifício, com suas janelas altas para o mar, a mais sofisticada aparelhagem de som que encontrou. Grandes alto-falantes que iam do chão ao teto em todos os andares. E a concha mandou que ele instalasse um painel central de controle do som no saguão do prédio. E quando o painel foi instalado, a concha mandou que ele ligasse a chave. E ele ligou a chave. E de todos os alto-falantes de todos os andares do edifício com suas grandes janelas viradas para a praia saiu um ruído ensurdecedor que fez estremecer o próprio calçadão e, dizem, as próprias paredes do forte.
Era o ruído do mar, só que muito mais alto do que o mar. Ele compreendeu então - enquanto vinha a prefeitura e interditava o seu edifício e vinha a polícia e o acusava de ameaçar o sossego público - que fora usado pela concha, cuja ambição era muito maior do que a dele. E compreendeu alguma coisa sobre a vida e o mundo e a razão cega de todas as coisas.
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