Estratégias
de culpabilização contribuem para
interiorizar normas sociais, mas podem
dificultar o amadurecimento emocional
Algumas pessoas parecem verdadeiros mestres na arte de fazer com que os outros se sintam culpados. “E para isso empregam estratégias cognitivas complexas, ainda não suficientemente estudadas no âmbito psicossocial”, diz a doutora em psicologia com formação em filosofia Maria Miceli, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia da Cognição (ISTC), na Itália.
Após dedicar vários estudos ao tema, ela acredita que se considerarmos que o sentimento de culpa tem papel social, favorece o desenvolvimento moral e de responsabilidade. No âmbito pessoal, quando apontamos o responsável por algo ruim aparentemente nos preservamos, colocamos o “mal” fora de nós. “Num nível mais amplo, estratégias de culpabilização contribuem para o aprendizado e interiorização de normas sociais, além de funcionar como instrumento para exercitar o próprio poder sobre o outro”, afirma Maria Miceli.
Para atingir esse objetivo são empregados diversos mecanismos: pode-se passar de uma constatação (“fiquei doente”, caso em que a acusação se refere à ausência de resposta a um pedido de ajuda) para uma acusação direta (“você me fez ficar doente”, passando por “se eu não fosse obrigado a fazer tudo sozinho, não teria adoecido”). Ou então agredir o outro com uma repreensão explícita (“você tem consciência do que me fez?”) e até repreender em termos hipotéticos (“se tivesse feito isto eu te odiaria”), por exemplo. Em muitas famílias e até empresas cultiva-se a cultura do “bode expiatório”: alguém, nem sempre a mesma pessoa em todas as ocasiões, tem de arcar com o peso do erro.
Na tradição judaica, durante a cerimônia do Yom Kippur, animais eram sacrificados no templo ou deixados só na natureza, sem água ou alimento. Simbolicamente, seu sofrimento expiaria os pecados dos homens – daí o uso do termo quando uma única pessoa é culpabilizada por todo o grupo.
“O problema desse tipo de conduta é que quase sempre ela impede possibilidades de diálogo e reflexão, dificultando o esclarecimento e o amadurecimento emocional”, observa Maria Miceli.