A pressão social e familiar separou os dois namorados da história.
Em frente à nossa casa, havia um muro com cerca de um metro de altura e mais de 20 centímetros de largura. Baixo e largo, acabou virando o imenso banco em que estudantes se assentavam à espera do ônibus para o Colégio Estadual. Em outras horas, servia de arquibancada para quem queria assistir às gloriosas peladas dos meninos da região. Futebol algumas vezes interrompido pela chegada do coletivo,que desembarcava seus passageiros.
À noite, o nosso murinho acolhia meninos e meninas na adolescência, vizinhos amigos que comentavam fatos corriqueiros de suas vidas e iniciavam os primeiros passos de namoros breves e de outros que permaneceram ao longo dos anos, gerando famílias.
Era um tempo de muita timidez e costumes rígidos. O menino, depois de um período probatório de semanas, pôde enfim pegar nas mãos da namorada. O amor avança e a ansiedade juvenil demandava novas ousadias. Eis que, ao se despedirem numa noite fria – e como era amena a temperatura da cidade naqueles anos –, ele disse que tinha um surpresa a lhe oferecer. E encostou suavemente seus lábios aos dela, naquilo que hoje chamamos de selinho. Nada de línguas se encontrando, apenas o suave roçar de bocas fechadas. Enrubescida – como os rostos das meninas e dos meninos se avermelhavam por qualquer motivo... –, ela lhe disse que se aquilo se repetisse, as relações estariam cortadas.
Não me lembro ao certo de quando o nosso muro recebeu a alta grade, deixando de ser poleiro de meninos e estudantes. Talvez em nome da segurança, isolou a casa da rua. Sei, com certeza, que foi um movimento coletivo, pois todas as residências começaram a se proteger com paredes altas e gradeadas. Perdia-se o contato físico, mas o visual continuava. Não havia ainda o medo da violência urbana, mas já pressentíamos que muita coisa estava mudando na vida da cidade e das pessoas.
Quando a insegurança e o medo se instalaram de fato, as casas tiveram que buscar outras modernidades: alarmes e câmeras tomaram conta do pedaço. O amor seguiu novos rumos, a inocência foi aos poucos se perdendo, o tradicionalismo também. A pressão social e familiar separou os dois namorados da história aqui contada. Agora eles estão à minha frente contando sua aventura, os descaminhos pelo mundo, sua busca individual pela felicidade. Casaram-se e descasaram-se com outros parceiros, mudaram do país para terras diferentes, estudaram e trabalharam, mas sem se realizar afetivamente. Existia um beijo selado há muitos e muitos anos, numa noite da cidade com cheiro de dama-da-noite que os marcou para sempre.
Arrisco a dizer: se ele tivesse sido mais arrojado, avançasse mais na qualidade do beijo, talvez eles nunca tivessem se separado. Ela faz que concorda. O certo é que os dois vivem juntos há sete anos. E guardam no sorriso a mesma ternura que conheci em minha juventude.
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