Noites de pensar. Não sei quando fui invadido por uma melancolia, uma inquietação que ainda não era uma dúvida, como viria a ser mais tarde. Não sei se estava na infância ou já avançara aos tempos da adolescência.
Enquanto o sol brilhava no céu, certamente eu estava ocupado com jogos com a meninada na rua ou com os estudos. No meio dessa vida comum aos de minha idade, a religião fazia parte dos fins de semana. Existia o catecismo, algumas leituras esparsas e as conversas dos adultos.
Chegou um tempo em que, ao deitar-me na cama para o descanso noturno, uma ideia passou a ocupar minha consciência, adiando minha hora de dormir e sonhar. Não era algo que tirasse meu sono, apenas retardava a sua chegada. Era uma questão, saberia disso muito mais tarde, metafísica.
Dizia-se que a vida na Terra teve um momento inaugural, através da criação divina. Deus, em jornada de seis dias, teria criado todas as coisas que conhecemos. O céu e as estrelas, os rios e os mares, as florestas e os bichos, a chuva, o vento, o frio e o calor. E, finalmente, o homem. E foi descansar caymmimente na sétima jornada. Antes disso não havia nada, ou havia o nada.
Aí é que eu me embatucava. Mas o que é o nada? O vazio, a escuridão, a cegueira? Mas isso já era alguma coisa. Pensar na possibilidade do nada, entender o que seria o nada não me entrava na cabeça. O antes, até onde eu podia alcançar, já era uma existência.
Noites e mais noites o assunto me voltava. Não me satisfazia a solução religiosa de transferir para Deus o que minha compreensão não alcançava. Ou estavam me enganando ou faltavam dados para explicar essa história da vida e da humanidade. Nunca tive propensão para a loucura, apesar de alguns dizerem que não existe Brant mentalmente são.
Nem mesmo o contrário da negativa do existir, o sempre, me parece algo fácil de captar. Não sei de nada que sempre tenha existido. As árvores e os bichos, por exemplo, nascem, crescem, amadurecem e envelhecem para morrer e ser substituídos no espaço terrestre. Já os mares, rios e as montanhas têm uma antiguidade que nosso período de existência não abarca. Há um tempo em que reinamos, a seguir somos trocados por outros, que também irão para a reserva e assim por diante.
O certo é que o menino em estado de reflexão, a entregar para Deus a resolução do problema, preferiu arquivá-lo lá no fundo do baú de sua lembrança. No fundo mais profundo, quase próximo do esquecimento.
Nunca jamais em tempo algum voltou a perder qualquer minuto de sono por causa desse tema. Que é fascinante. Mas nem a chamada partícula de Deus responde à dúvida milenar de tantos: de onde viemos?