Tenho
horror a barulho. Só consigo raciocinar com a casa em silêncio. Até
a música me incomoda, um traço de personalidade do qual não guardo
o menor orgulho.
E
não há nada que me enerve mais do que o volume abrupto do horário
comercial e das chamadas da programação de TV. Os cling, cong,
pãpãpãs e tátátátás. Sou o gatilho mais rápido do oeste para
acionar o botão do mute. Sei de cor sua localização nos mais
diversos controles remotos e gostaria de dar um prêmio ao gênio que
inventou o atalho.
Assim
como 80% da audiência nacional, acompanhei de boca aberta a saga de
Carminha e cia., haja maldade humana, mas toda vez que o oi, oi, oi,
oi… gane, anunciando o intervalo, minha espinha se eriça e o dedo
corre para o botãozinho analgésico.
Conjecturei
com meu esposo a respeito desse ataque-surpresa ao ouvinte desavisado
e ele me explicou que a prática tem um nome: stopping power.
Trata-se da capacidade que um reclame, ou inserção que seja, tem de
prender a atenção do desatento. O objetivo é evitar que o ser
humano vá até a cozinha, ao banheiro, brinque de boneca, leia,
converse e se esqueça de olhar a TV.
Consultei
o oráculo. A Wikipédia afirma que a origem do termo é bélica.
Stopping power “representa o poder que um calibre de arma de fogo
possui para pôr fora de combate um oponente atingido com um único
disparo, preferencialmente sem necessidade de matá-lo”. Curioso
que a expressão tenha sido adotada pelo entretenimento e pela
propaganda e que a vítima dos cucunssss, quequéuns, plunct, plact e
zooms seja o espectador.
O
som é o mais invasivo dos sentidos, orelha não tem pálpebra.
O
plim-plim da Globo é agudo e penetra nos tímpanos até as zonas
mais primitivas do cerebelo, mas não deixa de soar gentil.
A
onda de cinema apocalíptico da virada do milênio, com títulos como
Armageddon, Vulcano e 2012, causou a surdez precoce em muita gente.
Do meio dessas películas para o fim, as cenas se desdobram em
explosões e cataclismos naturais, incêndios e colisões
impulsionadas pelo vigor dos decibéis THX. O subwoofer embrulha o
estômago, o chão treme, os estalos colam a gente na cadeira e, em
vez de encontrar no cinema uma forma de elevação, o prazer vem da
força desorientadora que chacoalha a razão.
A
maioria dos filmes de hoje se compara mais a uma montanha-russa do
que a um livro ou uma peça de teatro. Gosto de 007, Missão
Impossível e Duro de Matar, mas desisti dos de guerra, de
super-heróis e dos sobre o fim do mundo. Esses só me causam alívio
quando terminam. Em alguns casos, apenas o Dramin dá fim à
zonzeira. O
THX tem muito a ver com isso.
O
stopping power é um desafio para a internet. A publicidade estuda
formas de impor sua presença na rede, o que é compreensível,
mas esbarra no caráter independente do usuário de computador. A
solução mais agressiva é a das janelas que tomam a página
desejada sem pedir licença. Enquanto o mouse não encontra o
minúsculo xizinho para encerrar a tortura, o jingle se alastra pelo
ambiente. Confesso que me recordo involuntariamente dos anúncios que
me foram impostos dessa maneira; o que não sei é se a deselegância
agrega uma boa imagem à marca que se vale de tão baixo artifício.
Os
filmetes de internet dirigidos por Polanski e Scorsese para a Prada e
para uma marca de espumante espanhol são dois grandes exemplos de
como conquistar seguidores e não ser grosseiro. Clássicos,
inteligentes, irônicos e bem filmados à beça, eles têm uma
estratégia de lançamento requintada e silenciosa. Como uma mulher
sedutora, os curtas exigem que a gente os procure, deseje, queira
ver, e não o contrário. Não há nada pior do que mulher atirada,
barulhenta e espaçosa.