Está bem que nosso primeiro e mais basal motor para viver é o impulso sexual (o gene egoísta quer reprodução, por isto nos ilude com a isca dos prazeres), como qualquer outro vivente sexuado. Mas a nossa espécie, em sua complexidade, arrumou sofisticações para a coisa, e a maior delas é o amor.
Os campeões de pensar o amor continuam sendo os gregos clássicos, de 2400 anos. Eles reconheciam três formas distintas de amor: Eros, Filia e Ágape.
Eros fala do desejo se expressando nos sentidos, como excitação, e no cérebro, como embriaguez. No coração e nos genitais, ambos pulsantes, na pele que se arrepia, na visão que se turva, na face que enrubece, no equilíbrio que se perde, na voz que falta, na paixão que arrebata, no animal que irrompe, no ímpeto de tomar, na lassidão de se entregar. A um tempo telúrico e delicado, tectônico e sutil, a mais evidente força da natureza em nós. Ainda estão para inventar prazer maior que o da excitação romântica. Nada se compara à felicidade sexual que faz ver passarinhos verdes, e que só acontece quando a chave e a fechadura certas se encontram, coisa rara. Assim é Eros.
Filia é a amizade, o encontro das almas, o porto seguro, a confiança aliada ao respeito. A consideração (que é ter o outro dentro de si), o bem querer e querer o bem. O lugar da intimidade emprestada com gosto, da compreensão, da compaixão (que é o sofrimento partilhado), do acolhimento da alegria e da tristeza, da saúde e da doença, da riqueza e da pobreza pelos tempos afora. Qualquer semelhança com os votos do casamento é totalmente intencional, pois não há um que perdure sem que a filia tenha crescido entre os dois.
Ágape é a camaradagem, a ligação dos companheiros, seja da boa mesa, seja da torcida pelo esporte. É a liga entre correligionários, do partido ou da religião mesmo, que às vezes se confundem. São os contendores do frescobol, o esporte sem contenda, voltados que estão para construir beleza em suas jogadas, um escada do outro. Os colegas de turma, que almoçam nos aniversários redondos de formatura e se atiram bolinhas de pão. Sócios do mesmo clube, os seguidores do mesmo twitter, do facebook, parceiros do baralho na pracinha. Aqueles que se reúnem para tirar um carro do atoleiro, e depois não se encontram mais. Dão passagem no trânsito, lugar para os mais velhos. Colegas de excursão. Colegas.
Os vários tipos de amor se entrelaçam, ou, pelo menos, não são categorias estanques, e é bom que seja assim. Eros surgindo na Filia, Filia no Eros, Ágape passeando entre eles…
A pornografia é curiosa. Em sua origem significa “registro da prostituição”. É, como a outra, comercializável. E pode, como a outra, ser ou não plena de Eros. Carlos Zéfiro da minha adolescência continha Eros, sedução. Os filmes de hoje, que já começam na aeróbica, têm pouco Eros. Ou o fetiche voyeurista é seu próprio Eros?
Mas meu interesse é perceber como a espécie trouxe complexidade ao comando genético que leva à reprodução, e o leque de possibilidades que nosso desejo contempla.