É
bastante comum a sensação de sabermos exatamente o que está errado
em nossa vida, o que precisa ser feito para que ela mude e ainda
assim não sabermos ‘como fazer’ a mudança. Muitas pessoas em
psicoterapia esperam que o psicólogo lhes diga como fazer para mudar
o que precisa ser mudado. Algumas delas chegam a elaborar explicações
bastante claras e precisas para o seu problema. Compreendem como o
seu comportamento proporcionou e proporciona o comportamento que as
incomoda nos outros; compreendem como sua reação a esse
comportamento o reforça ainda mais; e compreendem que é o seu
próprio comportamento que precisa ser modificado para que esse
círculo vicioso seja quebrado. Entretanto, em meio a tanta
compreensão, tudo ainda parece misterioso. Elas sabem identificar as
causas do problema, mas ainda se sentem presas a elas. Mesmo
compreendendo a forma como seu comportamento causa os problemas de
que se queixam, elas ainda sentem que as razões para se comportarem
daquela maneira fazem sentido. Não basta compreendermos que nossa
maneira de agir precisa mudar se nossa maneira de agir ainda faz
sentido para nós. Se as razões que nos fazem agir ainda nos parecem
justificadas, de nada adiantam as explicações que nos mostram por
que nosso agir precisa mudar. Continuaremos com a sensação de saber
o que precisa ser feito sem saber como fazer o que precisa ser feito.
A
sensação de não saber como mudar o que precisa ser mudado se deve
ao sentido vital que ainda vemos naquilo que precisa ser mudado. Só
se pode mudar algo se esse algo perder o sentido para nós. Assim,
enquanto encontrarmos sentido no que precisa ser mudado,
continuaremos afirmando que não sabemos como fazer a mudança. Isso
estabelece um limite claro para aquilo que o psicólogo pode fazer. A
pessoa à sua frente precisa se desfazer do sentido que ela ainda
encontra em sua forma agir; ela precisa compreender que sua forma de
agir não faz sentido. Porém, o sentido ou a falta de sentido não
podem ser comunicados de uma pessoa a outra. O sentido de uma
explicação é atribuído a ela pela pessoa que a recebe. Se o
sentido atribuído a uma explicação é suficiente para torná-la
compreensível, mas insuficiente para que a falta de sentido do
comportamento a ser mudado se torne visível, não há mais nenhuma
ação direta que o psicólogo possa tomar. É a pessoa à sua frente
que precisa se desfazer do sentido prejudicial. O psicólogo pode
auxiliá-la permitindo que ela fale à vontade e descubra em suas
palavras um sentido do qual ela não se dava conta. O psicólogo pode
fazer apontamentos e pequenas observações que auxiliem a construção
do sentido que resultará no abandono do sentido prejudicial, mas
tudo não passa de simples auxílio. Não há receita, não há
nenhum tipo de técnica, científica ou não, que possa garantir o
resultado. Quando o sucesso do processo depende da construção de um
sentido, o psicólogo se coloca na dependência da autonomia de seu
paciente; autonomia que é tão autônoma que foge até mesmo ao
controle do próprio.
A
construção de um sentido é tão difícil de ser explicada que
Freud designou seu ato final de ‘insight’. Quando o sentido
finalmente se torna claro, ele ilumina de uma só vez a consciência.
É evidente que o paciente em psicoterapia precisa estar engajado
honestamente no processo, mas o ato que finalmente produz o insight
não é um ato de sua vontade. Ele exprime aquele tipo de liberdade
ou de autonomia que é tão livre e tão autônoma que não está nem
mesmo sob o controle do próprio sujeito. Por isso, quando se está
na falta do sentido necessário para realizar uma mudança, não há
receita que seja infalível. É preciso que o psicólogo permita que
a pessoa fale, e a pessoa precisa usar a compreensão de suas
questões como auxílio para se esforçar na direção da mudança,
mesmo que o medo de mudar ainda confira um sentido vital ao que
precisa ser mudado. É preciso lutar contra o sentido vital atribuído
ao que precisa ser mudado, pois os efeitos positivos desse esforço
podem produzir o ‘insight’ que finalmente elimina o medo. Esperar
passivamente por uma fórmula do ‘como fazer’ que elimine o medo
é como estar na beirada de uma piscina gelada tentando entender como
fazer para perder o medo de pular. Se não pararmos de pensar no
‘como pular’ e não pularmos de uma vez, passaremos o resto do
dia parados olhando para a água.
Daniel
Grandinetti, psicólogo clínico e mestre em Filosofia em Belo
Horizonte.