Não é preciso muita coisa para que
a gente se sinta rejeitado. A tendência natural é pensar que
ninguém gosta da gente, ou pelo menos não tanto quanto se precisa.
E disso se precisa muito. Começando pelo básico: alguém acha que
é -ou foi- amado suficientemente pelo pai e pela mãe?Claro que não.
E aquele dia em que os dois saíram para jantar fora e ir ao cinema?
Você, com cinco anos e resfriado, queria que eles ficassem a seu
lado, contando uma história, e dessa noite nunca se esqueceu.
É a maior prova de que eles jamais
gostaram de você. E quando eles se separaram, a culpa não foi toda
sua? E quando o pai, já separado, foi convidado para aquele fim de
semana de sonho, e propôs trocar o tal fim de semana que ia passar
com o filho; ele se sentiu tão rejeitado e abandonado quanto um
menino de rua, e o pai vai passar o fim de semana -e o resto da vida-
massacrado pela culpa. As crianças vão para o analista se queixar
dos pais, os pais vão para o analista para dizer que foram péssimos
pais, e assim la nave va.
Mas um dia essas crianças crescem,
se casam, têm seus filhos, se separam, se apaixonam e agem com seus
filhos exatamente como seus pais agiram com ele. Vão todos para o
analista, claro, e aos 50, 60 anos, continuam se queixando; um de ter
sido rejeitado, o outro sofrendo por não ter dado mais atenção aos
filhos. Todos têm razão, claro, mas querer que um pai ou uma mãe
aos 25, 30 anos, em plena juventude, com os hormônios explodindo,
passem as noites em casa contando histórias para os filhos na hora
de dormir é contra qualquer lei da natureza, e um dia eles vão
entender. Qual seria a solução? Ter filhos aos 40, depois de ter
feito todas as loucuras? Não sei.
Para um filho, os pais devem amá-lo
sobre todas as coisas, e dedicar todos os momentos de sua vida a ele.
Eu conheço um que, aos 45, leva a namorada para a praia para vê-lo
surfar, e ai dela se se virar para pegar um sol nas costas. E ai
daquele pai que uma noite não pode passar uma hora jogando um
joguinho na televisão porque precisa entregar um trabalho no dia
seguinte. Se tiver marcado um cinema, esse filho, aos 40, ainda vai
lembrar do assunto, achando que seu pai e sua mãe não foram como
deveriam ter sido -e sofrendo, claro.
Queremos atenção total dos que nos
cercam, sobretudo quando somos crianças, e quando envelhecermos é
que vamos saber o que é falta de atenção de verdade. Para que isso
não aconteça, é preciso ter vida própria, e desde cedo. Mas
quantos momentos teriam sido tão bons, se mãe e filho pudessem se
dizer francamente "naquele dia quase te matei, de tanta raiva",
e darem uma boa risada, lembrando. Porque isso acontece, entre
pessoas normais.
E falar também dos momentos, jamais verbalizados,
em que a mãe amou -e ama- esse filho loucamente, mais que qualquer
coisa na vida, e que depois que ele cresceu nunca mais disse, porque
não faz parte da nossa cultura fazer declaração de amor a filho
grande, até porque ele é o primeiro a não querer ouvir essas
coisas depois que cresce, olha que mundo mais louco.
Ah, se a gente pudesse botar eles no
colo quando desconfia que estão tristes, e abraçar, apertar, cobrir
de beijos, como quando eram pequenos; mas como eles cresceram, não
se pode. Mas ah, se eles soubessem; ah, se a gente conseguisse
dizer.